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Capítulo 2 - A nova Regina

— E então, vai me dizer o que te trouxe aqui essa noite?

— Não acredito que isso seja da sua conta! 

Era incrível como aquele cara era insistente, ela estava fazendo questão de ser nem um pouco simpática e mesmo assim ele não ia embora.

— Eu sei, mas isso é tipo, uma conversa de boteco. Sabe, as pessoas costumam jogar conversa fora em bares, nem todos ficam no balcão bebendo até cair.

Ele disse, insinuando que era o que ela estava fazendo ali. Ela pensou por um momento e sorriu amargamente.

— Quer saber, você é um estranho em um bar, que está sendo incrivelmente inconveniente. A pessoa perfeita para ouvir os meus lamentos, talvez no final possa me dar até algum conselho ou palavra de apoio. Ou talvez possa apenas rir comigo disso tudo, você que vai decidir, ninguém mandou que interrompesse o meu mento de paz e reflexão, agora aguenta.

Ela disse isso e lhe contou tudo o que havia passado, enquanto ele pedia uma bebida para si mesmo. A escutava atentamente, parecendo genuinamente interessado. Ao final do relato ele ficou um minuto em silêncio como se ponderasse sobre a situação.

— Realmente, isso tudo foi uma droga! Mas não acha que subir naquele prédio foi meio exagerado?

— É, mas o bom é que eu não levei muito tempo para me dar conta disso. Eu só… estou tão cansada de ser isso.

Ele a encarou novamente com expressão de curiosidade.

— Ser o que exatamente?

Ela deu de ombros ao responder.

— A que sempre é ignorada, humilhada por uns ou superprotegida por outros. Não existe um meio-termo, e isso é um saco. Eu só queria espaço para ser eu, sem ter que atender expectativas de ninguém.

— E tem certeza que está realmente sendo você? Desculpe, mas depois de tudo que me contou, eu não posso evitar pensar que, na verdade, está em uma grande casca confortável. 

— Depois de tudo que te contei, você acha que eu vivo confortável com isso?

— Não, mas acho que já virou uma forma de se proteger. Sendo e vivendo dessa forma, você já sabe o que esperar do mundo e das pessoas. Eu sei que o novo pode ser ainda mais assustador.

Regina ficou apenas o encarando por um momento, como se o achasse desequilibrado. Enquanto ele continuou falando.

— Não entenda mal, eu não acho que tenha realmente algum problema em você ser como é. Acredito que o seu maior problema é a falta de confiança mesmo.

— Como assim, olha para mim? Sou a tentação do bullying em pessoa.

Ele a avaliou atentamente por um momento.

— Realmente, você está horrível agora! Mas eu acho que tem mais a ver com ter chorado muito em cima de um prédio em que ventava muito.

Ela deu um leve tapa no braço dele, para revidar o comentário, conversar com ele estava sendo surpreendente fácil, como se fossem velhos amigos. Talvez fosse o efeito da bebida, ou todo aquele clima de bar que ele havia mencionado.

— O quê? Nem sendo o homem mais cavalheiro do mundo, eu poderia dizer que sua aparência está boa agora! Está assustadora com esses cabelos e essa cara toda inchada, se eu dissesse qualquer coisa diferente disso seria muita falsidade.

— Obrigada pelo apoio, você é a própria gentileza em pessoa.- Ela respondeu sarcástica.

— Pode sempre contar comigo querida para apoiá-la. Mas o primeiro passo para uma mudança e libertação é decidir, você quer realmente ser o que está sendo? Gostaria de ser diferente ou mudar algo? Porém, tem sempre que ter em mente que toda a mudança tem que ser por você. Para se encontrar como pessoa. Porque quanto mais você sabe quem você é ou o que quer, menos vai deixar as coisas te aborrecerem.

— Até que inacreditavelmente esse não é um conselho ruim.

Ele fingiu estar ultrajado enquanto devorava todos os amendoins de cortesia que estavam na frente deles.

— É claro que não! Eu dou bons conselhos, você sairia ganhando se me tivesse como “coach” de estilo de vida, relacionamentos, essas coisas. Mas é só uma dica.

— Desculpe, mas eu acho engraçado pensar que existe mercado para isso

— Meu bem, existe mercado para quase tudo. Todos os tipos de necessidades precisam ser atendidas.

Regina pensou um pouco sobre o que ele havia proposto.

— Só por curiosidade, quanto sairia uma consultoria desse tipo?

— Te garanto que seria um valor bem acessível. É um serviço relativamente fácil, e nem se compara com acompanhar senhoras idosas em momentos de lazer.

Ela demorou um tempo para se dar conto do que ele havia sugerido com o comentário.

— Eu não acredito, você é um garoto de programa!

Ele olhou para os lados como se conferisse se alguém havia escutado e fez um sinal com o dedo para que ela abaixasse o tom de voz.

— Eu não disse isso, foi só um exemplo. Não que eu nunca tenha feito nada do gênero, você sabe que jovens sempre precisam de um tênis ou celular novo

— Eu acho que vou vomitar. Sério, isso é nojento.

Ele riu muito da expressão de desconforto dela. Era um sorriso bonito, Regina pensou, devia mesmo fazer sucesso com as senhoras idosas.

— Era brincadeira, precisava ver a cara que você fez. Mas dizer que vai vomitar, com certeza se enquadra em um desrespeito com essa categoria que trabalha árdua e honestamente.

— Agora é tarde, eu já imaginei a cena. E nunca vou ter certeza se era real ou não. Vou ter que conviver com isso.

Ele deu de ombro ainda sorrindo e comendo mais amendoins. Tomou apenas uma cerveja e não pediu outra.

— E então temos um acordo de trabalho?

— Eu não posso aceitar nada sem saber valores.

— E eu não posso discutir valores com uma pessoa alcoolizada. Faz assim, vou salvar seu número e eu te chamo para combinarmos tudo.

Ele pegou o celular dela que nem sequer possuía uma senha, digitou o número dele e fez uma chamada para salvar o dela.

— Agora é melhor mesmo nos irmos! A sua família deve estar muito preocupada com você. 

Ele tinha razão, não era justo fazer aquilo com eles. Ela pegou o celular e respondeu para a mãe e para a Céu que estava bem e já iria para a casa.

— Eu vou chamar um motorista.

— Relaxa! Agora que já somos íntimos e sou quase seu funcionário, eu te levo para casa. 

Ela pareceu muito em dúvida. Mas algo a impelia a confiar nele.

— Não acho que seja adequado eu entrar no carro de um desconhecido, ainda mais tendo já bebido.

— Teoricamente, eu sou menos desconhecido que o motorista do aplicativo. 

Disse Ronan levantando-se e pagando as últimas bebidas. Ele foi em direção a porta e ela o seguiu às suas costas.

— E se a sua preocupação é entrar em um carro de um estranho, te garanto que isso não vai acontecer.

Ele disse já na calçada, apontando para uma bonita e assustadora moto estacionada na frente do bar.

— Nem em sonho que eu vou subir nessa coisa, isso deveria ser chamado de quebra pescoço.

Ele sorriu e entregou um capacete reserva a ela.

— Eu garanto que é totalmente segura, e eu sou um ótimo piloto. Você vai chegar sã e salva em casa. Esqueceu que a última chamada no seu celular foi para o meu? Eu não poderia fazer nada contra você. Considere isso como um primeiro passo para a mudança, fazer algo que nunca fez, sentir a sensação de liberdade que uma motocicleta traz.

Ela estava ainda indecisa segurando firme o capacete, estava um pouco tonta devido às doses que havia tomado.

— Eu bebia além da conta e se eu cair?

Ele subiu primeiro e indicou onde ela devia colocar os pés para montar na carona.

— É só se segurar em mim como se a sua vida dependesse disso. E depende, acredite. Eu não irei muito rápido, procure acompanhar os meus movimentos.

Ela colocou o capacete e subiu da forma que ele havia indicado e colou as pernas no quadril dele, o mais apertado que conseguiu. Envolveu os braços ao redor de sua cintura em um apertado abraço.

— Está pronta? Vamos lá. 

Regina nunca havia andado em uma motocicleta, a sensação era, simultaneamente, de liberdade e pavor. Aquele negócio parecia desafiar as leis da gravidade em cada curva que ele fazia. Sentia um frio na barriga e, ao mesmo tempo, a sensação de euforia. Ela indicou o endereço e eles chegaram sem problemas na casa dela. Ela desceu da moto e entregou a ele o capacete.

— E então, o que achou?

Ronan lhe perguntou.

— Bem, parece que eu sobrevivi!

— Que dramática. — Ele disse voltando a colocar o próprio capacete que havia tirado. — Amanhã eu te ligo.

Ele deu partida na moto e em segundos, sumiu de sua vista. Indo muito mais rápido do que havia andado quando a carregava. Nesse momento, sua mãe abriu a porta da casa.

- Regina, por onde você andou, aquilo era o barulho de uma motocicleta? Como pode desaparecer, assim tem ideia de como ficamos preocupados? A Maria do Céu está surtando e o seu pai também. Que cheiro é esse, você andou bebendo?

A mãe a atropelava com colocações e perguntas, visivelmente ainda muito nervosa.

— Eu já avisei a Céu, disse que depois falava com ela. Sim, eu andei bebendo, mas considerando que sou maior de idade, não tem problema nenhum nisso. E sim era uma motocicleta. Como todos já devem saber, eu tive um momento muito ruim, encontrei um amigo em um bar e ele me trouxe para casa em segurança.

— E desde quando você tem um amigo, com uma moto e frequenta bares?

Ela passou pela mãe e entrou na casa, querendo apenas deitar na sua cama.

— Não sei mãe, talvez essa seja a nova Regina. Eu sou adulta, então vocês vão ter que aceitar, agora que você já sabe que eu estou bem, eu gostaria muito de tomar um banho e dormir.

Ela entrou no próprio quarto fechando a porta, deixando a mãe do lado de fora. O relacionamento delas sempre havia sido de amizade e companheirismo, mas ela precisava de um tempo agora. Aquele dia havia sido caótico, e toda aquela loucura do cara no bar era muito para a cabeça dela. Precisava pensar no que fazer e se queria realmente a ajuda dele.

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