Aurora tinha um vizinho chamado Lord Pierre. Ele era um talentoso artista; religioso, frequentava a igreja cristã e adorava compor músicas e escrever histórias com toques sombrios.
Ele costumava a dizer que era um servo de Cristo. Que todas as vezes que ele se sentia vazio, clamava por ele, e confessava sua fé por onde passava. Ele era forte e corajoso, tinha um gosto pelas artes invejável, não costumava amar a vida de uma forma tão exagerada, mas, embora dissesse ser pecador, se humilhava para seguir o caminho do Salvador. E seus gestos de bondade eram agradáveis aos olhos de Aurora, que compartilhava bons momentos com sua companhia. Ele orava e sempre pedia bênçãos para sua amiga, dizia que ela era um presente de Deus.
A madame se perguntava se ela um dia teria um dom assim, de ajudar as pessoas a se tranquilizarem. Não era fácil passar pelas provações que a vida deixava em seu caminho, mas se trilhava com esperança e amor. Pierre lia a bíblia e por onde passava levava o frescor da pregação, contava sobre seus testemunhos e respeitava muito as diferenças dos outros e o que provinha de sua boca era muito sábio.
Lorde Pierre se prostrava sempre, dizia que o seu maior sonho era levar a palavra de Jesus a todos que pudessem escutá-las e cressem nele, para que mais pessoas fossem levadas aos céus.
Ele falava com Aurora e ela sempre de coração aberto, o ouvia. Não gostavam de impurezas, de andar com pessoas que se irrigassem de lascívia, de prazeres carnais sem compromisso, dos foliões cheios de vaidade, nem da bebedice sem altura, nem de químicas intoxicantes. Ambos buscavam a espiritualidade, queriam crescer na vida. Não idolatravam o conhecimento, mas sabiam valorizar a ciência e a sabedoria.
***
A tarde estava levemente ensolarada. O dia estava fresco e respirava bem diante de tantas tentações que surgiam à pele dos moradores da cidade de Londres. Mas Pierre resplandecia em inocência. Ele não era um cavalheiro perfeito, mas buscava uma pureza inigualável e consagrava muito de suas ações à Deus.
Quando conheceu Aurora, nunca imaginou que poderiam ser amigos tão próximos, que poderiam compartilhar bons momentos juntos. Foi então que decidiu convidar sua querida amiga para um piquenique no bosque próximo à rua onde moravam. Lá perto algumas pessoas levavam seus cachorros para passear, havia as sombras das árvores e o frescor tomava conta do lugar. Era um ambiente apreciável, se viam esquilos correndo por todos os lados, que parecia mais até um santuário pelas suas pequenas características de esplendor.
Aceitando, Aurora parecia até saltitar de alegria com a sua presença. Eles adoravam conversar sobre diversos assuntos e a poesia formava um laço entre eles.
- Quando a poesia nasce, eu não posso parar o meu redemoinho de emoções. – dizia Aurora tocada pela delicadeza do perfume da natureza ao redor e as ondas sonoras.
- É, às vezes me canso de tudo um pouco... Eu canso de dizer coisas das quais estou farto. Que tolice é a de uns ás vezes... Não querem o saber, não querem o conhecer... Leem livros, mas não querem viver nada do que leram ... – desabafava Pierre sobre a sua visão da sociedade.
- Eu imagino que deva estar mesmo cansado desse mundo. – ria Aurora, um tanto encabulada, sem saber o que dizer. Olhava para os lados, para ver se encontrava algum animal, ria da própria sombra e juntava algumas folhas secas do chão.
- Alguns buscam por futilidades, mas eu quero a literatura. Eu até às vezes penso estar no vazio contemplando a lua, assistindo a tudo, é como se eu tivesse um poder, mas sei que não tenho nada disso.
- Você? Que poder?
- Ah, algum poder que eu nem saiba qual é, talvez de mudar o mundo... Mas eu não sou do mundo não, Aurora. Às vezes eu penso que gostaria de estar no céu logo, quem sabe seria melhor para me livrar daqui... Mas por favor, não pense que gostaria de abandoná-la na Terra e não deixá-la vir comigo para ouvir o cantar angelical lá no alto, certo?
- Ora, obrigada. Mas não diga isso. Temos dias difíceis eu sei, mas nem por isso devemos pensar no fim dessa caminhada que temos aqui. – Aurora ficava pensativa e preocupada com o seu amigo ao mesmo tempo que sentia as ranhuras da enfermidade batendo à sua porta interior.
- Sim, você tem razão. Eu sei disso. Gosta de vinho?
- Eu não bebo.
- Não?
- Então pelo menos coma umas uvas. São saborosas. Nos mitos dionisíacos os gregos se fartavam de vinho. Diziam que causava uma sensação agradável para filosofarem. Ora, eu acho isso uma bobagem...
- É mesmo? Por que alguém precisaria de vinho para pensar?
- Pois é. Ninguém precisa beber para pensar muito além do que os sentidos podem ver, sentir ou ouvir... Eu não busco a sabedoria humana, mas a que vem de Deus.
- Ora... Entendo...
- Os homens são falhos, andam por trilhas tortas e muitos nem se arrependem de suas más ações. Você sabe, Jesus falou sobre o pecado, mas há misericórdia para o coração arrependido.
- Sim...
- Aurora, quantas vezes você já se perguntou se a ciência esteve disfarçada? Quem disse que o que acreditamos ser científico nessa era vai ser considerado real para sempre? Como se diz na bíblia, a ciência passa. Ou seja, entendo que ela é do tempo, sempre está em constante mudança... Ela não é uma verdade absoluta...
- Uma coisa: eu não sei até onde ela nos leva, mas ela é importante para o que conhecemos no agora... A ciência é importante para nossas perguntas, para nossa saúde, para preservarmos a vida... Como alguém poderia ignorá-la?
- Sim, realmente, não é bom viver nas trevas, na dor e no sofrimento por falta de conhecimento... – dizia Pierre, se questionando.
- Bom, dizem que a parapsicologia é uma pseudociência...
- Que loucura! Nossa! É muito sagaz da parte do homem se interessar por estes temas como você, Aurora... Eu a respeito muito por isso. Muitos apontam o dedo para julgar quem quer desvendar certos mistérios, mas outros respeitam, pois sabem que não somos deuses e que estamos todos aqui para aprender...
- É.... Que bom que é meu amigo... Falando nisso, tem uma coisa que eu queria lhe contar... – ela soltava um suspiro, prestes a revelar seu segredo.
- Fui convidada pela rainha Vitória para servir a corte como investigadora paranormal... Mas claro, seria algo mais secreto, para não gerar problemas futuros...
- Ora, meus parabéns Aurora! Fico orgulhoso por você.
- Mas a questão é que fico com receio de aceitar a proposta... Ela quer que eu viaje pelo mundo todo para ajudar a resolver casos paranormais...
- Mas por que você tem receio?
- Eu não sei... É importante servir à nação, mas fico meio amedrontada, pois não sei como certas pessoas reagiriam... Seria arriscado viajar assim, para lugares tão desconhecidos....
- Eu entendo o que passa pela sua cabeça, mas se eu fosse você, eu aceitaria a proposta. Imagine navegar os sete mares em busca de soluções para pessoas que acreditam no mesmo que você! Conhecer novas culturas, lugares diferentes... Não é qualquer um que recebe uma dádiva assim. Se ama isso, faça. Não dê atenção ao que o mundo pensa sobre você. Isso não é importante. Se dermos atenção somente ao que os outros acham de nós mesmos é aí que vamos deixar de viver... O que importa é que o Deus pensa de nós. Tenha coragem. – disse Pierre, olhando para o alto, com a sua convicção.
- É verdade.... – concordou Aurora. – Bem, agora eu ouvi uma voz dentro da minha consciência, mas ela não me parece audível para os outros... Será que falamos por telepatia?
- O que ela disse?
- Prefiro não revelar.
- Então está tudo bem. Você é muito misteriosa... Mas telepatia?
- É.... E se eu lesse mentes? – perguntou Aurora revirando os olhos.
- Olha, eu não sei se isso seria possível. Só acredito na intuição.
- Hum...
- Será que a rainha gosta de você?
- Não sei, ela apenas disse que me admira. Ela parece ser bem carismática...
- No fundo talvez ela goste de você. Talvez ela se identifique com a sua sensibilidade e amor pela arte. E você é inteligente, transmite boas ideias. – Pierre faz uma pausa e pisca um dos olhos.
- Obrigada.
- E se eu soubesse no que você está pensando?
- Isso seria incrível.
- Nunca sonhou com algum mágico vestido de terno e gravata, com uma cartola que tenta encantá-la com seus números?
- Nossa, como você sabe?
- Bem, isso eu também não sei como...
- Ei, você já deve ter visto o Cabaret...
- Às vezes tudo está muito claro quando criações refletem os próprios sonhos. Não é possível que eles não nos inspirem...
- Eu adoraria saber qual é o seu personagem... Acho que não devo reconhecê-la através de tantos figurinos e aquela maquiagem... Vocês são fantásticos... Eu estava quase roendo minhas unhas de tanto pavor daquele lugar...
- Ah... Mas que loucura, é bom conversar com você. – disse Aurora – “Eu sinto a sensação de já ter vivido isso em algum outro momento...” – pensou a dama para si mesma.
As irmãs de Aurora sempre disseram à ela que nunca se importaram com ela. Um fato triste de se ver, mas Aurora pensava que se elas tinham muito pouco amor por ela, que nunca tinha feito nada de mal para elas, pensava que elas se revoltavam sem motivo. Isso era realmente ruim.Elas já comemoraram em algumas festas juntas, lotadas de amigos delas. Para Aurora, era incrível como essas pessoas se reuniam nas noites para algo com sons tão fúteis e danças tão ridículas, sem classe, até mesmo onde postulava a indecência. Bebiam, faziam a festa até altas horas da madrugada e também jogavam.Aurora tinha muitos poucos amigos. Para ela, naquela situação, muitas pessoas que gostava e tinham consideração a haviam deixado de falar com ela. Talvez tenham a abandonado por causa de sua doença. Não é fácil estar com humor para baixo e viver d
Na casa de Aurora começa-se a sentir um cheiro estranho, como se algo houvesse incendiado. De supetão, num estalo de dedos, Aurora que estava apenas cochilando, começa a tossir e se levanta com um pulo da cama, sentindo uma ameaça querendo cobrir seu corpo e penetrar suas narinas. E para o seu espanto, uma fumaça voraz estava prestes a entrar pela janela e a engolir como se fosse um monstro gigante. Bem, não era tão assustador assim, mas aquelas cinzas poderiam ser tóxicas para os pulmões da delicada mulher que fez abriu todas as janelas e portas da casa para ela ir embora.“O perigo deve estar rondando a minha casa. Devo pedir ajuda?” – pensou a dama - “Não quero incomodar ninguém, talvez o serviço de socorro da cidade não precise vir”. A primeira pessoa em quem pensou foi em seu amigo da vizinhança, mas pelo horário da noit
Aurora de repente ficou mais ansiosa. Não queria fazer tal coisa, mas preferiu ligar para as irmãs. Poderia ser uma questão de vida ou morte. Mesmo que a fumaça tenha passado, Aurora criava um pesadelo, para onde caía no próprio inferno mental. Estava trêmula, seu rosto estava pálido de medo por causa do perigo, mas sentia que não tinha escolha.Pegou o telefone e discou o número da casa de suas irmãs:- Alô? – atendeu a irmã caçula, com voz cansada, bocejando.- Aqui é a Aurora. Desculpe ligar tão tarde, mas não estou conseguindo dormir. É que senti um cheiro estranho e vi que tinha uma fumaça entrando na minha casa. Será que poderiam me ajudar?- Ah, não! O que é que você está pensando? Como pode nos ligar uma hora dessas! Você não sabe resolver seus problemas sozinha?&nbs
“Nós precisamos sonhar até o fim de nossas vidas... [...]. Podemos ver Deus em todas as coisas? Quando você precisa acordar e não escutar nenhum relógio, poderá ouvir vozes em sua cabeça: essa é a perfeição ou a imperfeição da Criação nessa Terra ou isso é o fundo penhasco onde nós estamos caindo como anjos invisíveis para voarmos com nossa imaginação em direção aos céus”. Eu costumava a sonhar com um grupo de ilusionistas na selva, às vezes. Não sei se seria clarividência, mas pressentia que algo mágico estaria para acontecer. Eu costumo olhar sempre em meu espelho - com molduras que lembram as iluminuras com seus arabescos tão bem desenhados, parecem galhos de árvore dançantes ao encanto do som suave da chuva - meus olhos
Lord Pierre naquela tarde de uma primavera surreal, intensa e acolhedora, fazia um convite à sua querida amiga Aurora para tomar um chá em sua casa e apreciar boa música.Ele queria que ela se sentisse bem, pois sabia o que ela sofria. Pierre se colocava no lugar dos outros, se importava com os sentimentos alheios e apenas desejava o bem por onde quer que passasse.Com aquele convite, Aurora se sentiu lisonjeada e levou algumas partituras para tocar piano. Eles costumavam tocar músicas clássicas e outras bem animadas.O vento sussurrava vozes indecifráveis. A corrente do ar se desfigurava com o frescor das flores, como se fosse um pedaço cintilante da lua que transpassasse corpos celestes. O orvalho cristalino invadia suas narinas. Não era uma tarde triste, pelo contrário, havia mais ânimo ali, era algo animado.Eles pintavam alguns quadros juntos, faziam poesias e deixavam o lado da alm
Avistei um coelho branco pulando perto de minha casa, tocando a superfície do solo com maestria, de forma graciosa; e eu o seguia com meu volante entusiasmo; e as aves escuras, preenchendo a minha vista, contornando o verde pálido, buscavam as sementes caídas do solo para se alimentarem no alto das torres das árvores; enquanto o bosque descansava, em meio ao céu rosado, sendo protegido pelo brilho do sol, suplicando por ternura e por paz sem juízo; e então minha luta, cravada no ínterim mais sutil da minha vida, não se deixando levar pelas árduas derrotas, temendo o fim do mundo, substituindo a miséria das serpentes, me guiava até um local precioso, mais parecido com um humilde santuário, que me serviria de abrigo. Lá no bosque, encontrei uma fonte abandonada, seus ornamentos se espelhavam na folia celeste. Os musgos tomavam conta dela e se tornavam sua preferida paixão.N
“Nos tornamos dignos de escalar até reinos que nunca sabem o que chorar”. – Boccaccio.“Eu atravessei o mundo e não era para lhe ver novamente” – pensou Aurora. “Onde está Anna-Katharina Fiedler, a remetente da carta? Será que desapareceu?”- Vamos, vamos, não quero que perca o espetáculo que temos no parque. – disse uma senhora cujo nome era desconhecido até então. Sua aparência era jovem, audaz, talvez saudável, mas não tinha nada de assustador na figura humana.- Bem, qual é seu nome?- Nossa, não estamos tão atrasadas assim. Desculpe querida, permita-me que eu me apresente: sou aquela que lhe enviou a carta. Fico feliz com a sua presença, até acredito que vai ficar muito s
Eu sempre vejo o que faz bem para minha pele. Uso minha sombrinha, pois quero me proteger do sol. Desde que consegui me elevar de uma luz falsa, eu tracei meu caminho: eu não tenho funcionários para me acompanharem nessa viagem. Eu vi o meu boneco mumificado: meu filho falecido. Tenho tanta saudade dele.... É algo indescritível. Por isso há sempre uma frase repetindo na memória: “Dê-me um sinal, abra-me um caminho de luz”.Meu bonequinho tinha rosto pálido de morte e eu às vezes tinha medo que ele sumisse daqui de casa, mas com graça está tudo certo. Eu vivo sonhando comigo mesma cavalgando em um unicórnio. Acho que essas criaturas são tão dóceis e mágicas, quem sabe eu mesma escreva meu próprio conto de fadas um dia e que ele se torne real.Querida Aurora,Venh