Naquele dia eu olhava de cima da passarela e pensava, acho que é melhor pular daqui do que tentar enfrentar as ruas brasileiras, eu não sei me defender, sou de estatura pequena, jamais cometeria um crime para sobreviver, vou acabar morta com requintes de crueldade, pois a rua é hostil e provavelmente ninguém me tratará bem nela.
Absorvida em meus pensamentos nem notei a chegada do jovem que colocara o pano de bijuteria artesanal a seu lado.
De repente algo bate em seu braço, eu olho e digo; pois não?
O rapaz lhe fita e pergunta, o que está fazendo parada, aí nesse parapeito minha irmã.
Eu sorrio e começo a lhe contar que estou sem um centavo, fora roubada na pensão onde morava e a dona da pensão a mandou embora e ela não tem como pagar um lugar para ficar e como não é uma criminosa está ali analisando se não é melhor se atirar dali antes de passar, por algum suplício demasiado, já que não sabe sei me defender e morar na rua para mim é assustador.
Mesmo por que não está disposta a se tornar uma criminosa para sobreviver.
O rapaz ri de mim e diz, minha irmã eu já vivo nas ruas a vinte e cinco anos e você, só se torna criminoso se quer sair dela rápido.
Eu então pergunto e vou sobreviver de quê?
Sei lá diz ele, cata papel, faz artesanato, pede, rouba, depende de quem você é, e do que você é capaz.
Oh!
Eu tenho várias maneiras de fazer algum dinheiro, tá vendo ali no chão essa é uma.
Nossa que trubisco legal, diz ela, e muito difícil de fazer?
Ele responde;
Primeiro, não é trubisco, é trampo, e se você tiver disposta a aprender, eu te ensino, você, tem uma semana.
Vá ali no terminal de ônibus e peça dinheiro para os passantes e compre cem gramas desse arame e um alicate igual a esse e volte aqui.
Eu desci para o terminal, quase que imediatamente quando ouvi o que o rapaz disse.
Mas demorei a conseguir o tal arame e o tal alicate.
Estava morrendo de medo que o rapaz tivesse ido embora quando eu fosse lá para aprender.
Mas quando cheguei lá, ele estava no mesmo lugar, eu falei toda alegre, ainda bem que te achei aqui, agora, você pode me ensinar?
Ele responde rindo, eu iria para onde, aqui é o melhor lugar para vender meu trampo.
Você, tem cada uma minha irmã....
A noite se aproxima e eu começo a me angustiar, ele percebe, que eu estou nervosa e pergunta:
O que foi agora?
Minha irmã você parece que está com bicho carpinteiro, olhando pros lados a todo momento.
Está escurecendo, estava pensando aqui, aonde vou dormir.
Onde será que moradores de rua dormem.
Ah!
É isso, fique na paz, que eu te ensino a se virar, beleza.
Beleza.
Ele ri e continua a ensiná-la a fazer bijuteria.
A primeira noite, será a mais assustadora, pela falta de conhecimento ao que vou encontrar, mas as seguintes, já vai tirar de letra.
A primeira noite de uma pessoa na rua é verdadeiramente apavorante, além do frio, do incomodo de dormir no chão duro em cima de um papelão igual, um animal de estimação, a dor da revolta por saber os fatores que te levaram até ali, e a sensação de que algo de mal vai acontecer a qualquer minuto, pois o ambiente é por si só hostil e assustador.
A primeira noite na rua revisitamos nossa vida inteira até ali, várias vezes, uns choram, outros xingam, outros falam o tempo todo, outros tremem, outros se dopam, cada um tem uma reação, ao que sua consciência lhe mostra, depende de quem se é.
No meu caso eu apenas me cobri, me encolhi, rezei um Pai Nosso, entreguei minha vida nas mãos de Deus, dizendo, se você quer que eu passe por isso me ajude.
Se eu amanhecer, que seja para fazer a tua vontade e não me deixa fazer o mal a ninguém e nem a mim mesma, mas se for para eu morrer, que eu possa ir para teus braços, daqui.
E dormi.
Cada dia era uma nova surpresa, meus primeiros sete dias aprendi, onde achar comida no “lixo, que ainda dava para consumir.
Como estava em Florianópolis, e lá tem um mercado municipal, bem no centro da cidade, e as pessoas jogam as frutas muito maduras que não venderam durante o dia em uma caixa lá fora, os moradores de rua vão até lá para pegar essas sobras e comer.
Outra coisa a aprender era tomar banho de garrafa pet, ou seja, encher uma garrafa de dois litros de água, em alguma praça pública e usar um banheiro qualquer para lavar as partes que fedem.
Outra coisa a ser aprendida era manguear, ou seja, fazer uma troca justa, um trabalho qualquer por comida, ou pelo seu valor em dinheiro, e assim obter seus sustentos.
A próxima coisa a ser aprendida era como se divertir as custas de ofensas que pessoas narcisistas, prepotentes e arrogante, vinham fazer, conosco pelo fato de sermos moradores de rua e tirar de letra e levar na ironia gente hipócrita, que não se aproxima para comprar nada, nem para ajudar ninguém, só para fazer comentários idiotas tais como:
Se você fosse de Deus não estaria aí.
Babacas medíocres que não compram um trabalho se quer, não ajudam ninguém, não oferecem um emprego, se quer um pão, mas vem encher a paciência com comentários idiotas.
Junto a isso, escalar possíveis locais para dormir mais seguro, locais, por, onde passar, por onde não passar, pessoas com quem conviver e com quem não de forma alguma, neste segundo quesito, os fanáticos por religião, são carta fora do baralho, pois se acham perfeitos e donos da verdade e se tornam um perigo real a vida de quem mora nas ruas.
Fanático de tipo algum é uma boa companhia, mas fanático por determinada crença é o pior de todos os inimigos quando se está em um local a céu aberto, sem defesa, e que palavras podem levar inocentes e inofensivos a serem agredidos, por conta de conceitos filosóficos de gente bitolada.
Quando não se tem ficha policial, como eu não tinha e nem maldade no coração, o melhor local para dormir é aquele que tem uma câmera de segurança fora, pois aí temos nossa vida filmada nas ruas e isso é positivo, pois teremos como provar nossa inocência se outros moradores do condomínio milhões de estrelas cometerem algo, e a polícia vier em busca do autor.
Cobertores e roupas são conseguidos pedindo nas casas das famílias ou em igrejas católicas que tenham para doação.
Como não se tem local para lavar roupa, e dorme-se no chão e se passa muito tempo com a mesma roupa, por não se ter onde guardar roupas e nem onde esconder, moradores de rua, não tem um cheiro agradável.
Roupas são descartáveis, usa-se até não ter mais jeito e se pede outra, jamais este terá mais que a roupa do corpo.
Quando se fica doente, dificilmente os postos de saúde ou hospitais prestam socorro, pois a pessoa não tem endereço fixo para dar e sem endereço, sem apoio.
Fome, frio, dor, solidão, medo, são as constantes no dia a dia, fora isto, tudo é uma eterna variável.
Jamais um morador de rua que quer permanecer vivo enfrenta pessoas agressivas ou marginais “da área”, tão pouco comenta o que vê e ouve, falou, morreu.
Moradores de rua não podem possuir nem um tipo de preconceito, pois se o tiverem estão fadados a morte, com requintes de crueldade.
Os criminosos presentes nela costumam mostrar sua força, e seu ódio, com mais veemência em pessoas cheias de preconceitos e que lhes possam oferecer perigo, por sua postura contrária a este de forma desagradável.
Uma coisa é você dizer não, a determinada situação ou crime outra é você bater contra determinada qualidade de pessoas que para eles é favorável e não desfavorável.
As máfias ou facções, como preferir chamar, adoram pessoas más, capazes de requinte de crueldade, e apoiam e ajudam pessoas desse tipo a mostrarem do que são capazes.
Então quando alguém bate de frente com isso, nas ruas, (ou até fora delas), de forma preconceituosa e fica muito em cima de pessoas assim, normalmente eles se aproximam de tal indivíduo e o transformam naquilo que ele mais odeia, com o intuito de divertir-se com a derrocada de um preconceituoso.
Garotas e garotos, que não sabem o que querem, quem são e ficam “em cima do muro”, também saem dele rapidamente nas ruas, pois as máfias farão provocações até a pessoa pender para algum dos lados e saber quem a pessoa realmente é.
Aquele que gosta de contar vantagem também cai do cavalo rapidamente, se o camarada quer mostrar que é perigoso, capaz de tudo, como meio de afastar pessoas perigosas, mas não o é, acaba rapidamente sendo colocado em uma situação que ele terá de provar o quanto é perigoso.
E se este não fizer o que disse que é capaz, ou se não ajudar os outros que são realmente capazes de fazer a fazer determinada coisa a qual disse ser capaz, passa dessa para outra vida bem rápido.
Drogados que são incapazes de controlar seu vício, são mal vistos pelas ruas e acabam sendo deixados de lado pelos outros.
Pessoas nessas condições das duas uma, ou são levados para locais onde outros usuários fazem uso de crack, para morrerem por suas próprias mãos. Ou são mortos pelo próprio tráfico por não pagarem suas dívidas enormes. Pois normalmente estes fazem tráfico também para sustentarem seu vício, mas se ao invés de entregar os “aviões”, para o pagador o consumirem no caminho, são mortos.
Criminosos como estupradores, são convocados pela máfia da prostituição a fazerem serviços sexuais contra desafetos, de facções contrárias, que desejem humilhar antes de matar, ou mesmo provocar líderes de outras facções, ferindo a familiares para um embate.
É comum encontrar todo tipo de bandido nas ruas, como é comum encontrar famílias inteiras levadas as ruas pela miséria, tentando levar uma vida normal, apenas sem um teto.
Então para quem chega, de imediato, tem de se acostumar a perceber o ambiente e descobrir quem é quem, e onde você cabe.
Todo ser humano tem um lugar onde cabe seu caráter, indiferente da posição social onde esteja...
Aquele ditado, a mão direita não vê o que a esquerda faz”, deve ser seguido literalmente nas ruas, se você quer continuar vivo Tem se de ter em mente que, uma moradora de rua, não tem para onde voltar, não tem como esconder-se, e se falar ou fizer algo “errado” é presa fácil, para todo tipo de inimigo. Você enquanto moradora de rua, é passível do ataque, tanto do “bom”, quanto do “ruim”, então você, é o ser mais frágil, de um meio. Você é invisível a olho nu quando o quesito é te apoiar, mas é bem visível se fizer qualquer coisa mínima que outros desejam com toda força que faça, para te rotular de algo. Ser moradora de rua, é estar desnuda emocional, física, intelectual e financeiramente na frente de todos e sem apoio. É ser chamada de louca por comer a comida do lixo, mesmo todos sabendo que você não tem outra coisa par
Mas nem tudo são sombras, no mundo das ruas, tem também a luz. Mas muitas vezes promovida pelos seres das sombras, que querem pôr na luz os indivíduos da luz. E que nelas, estão presos. “As sombras por vezes prendem os seres sem luz, pois não aceitam ser das sombras, mas as sombras que se amam sombras, devolvem a luz aos seres da luz, para poderem ser suas sombras”. As sombras, ensinam aos da luz, que são da luz, quando estes ainda não sabem, por terem sido, manipulados e desprezados por outros seres que pensavam ser da luz, e eram sombras. Aprendi a me valorizar e a me amar, com pessoas muito perigosas que me mostraram quem eu verdadeiramente era, e eles me fizeram ver que minha alma era leve e pura, e que eu não devia estar em seu meio, mas sim quem me jogou lá. Mas eu amava quem
O recanto das borboletas. A vida nas ruas começa ficar boa, quando, você se dá conta, que as pessoas, que você, não gosta e as que não gostam de você não se farão presentes nela. Desse momento em diante, a rua começa a se tornar um local, agradável, embora, se passe, fome, frio e dor nela, a dor emocional de ter de conviver com quem te faz mal, nela desaparece. Sabemos que nossos inimigos, não vão pessoalmente nos procurar na rua, e aí começamos a ter a certeza que a vida é uma delícia. É logico que os perigos, nas ruas são muitos, os embates com pessoas inescrupulosas, mal intencionadas e preconceituosas são comuns, mas familiares que porventura te fizeram cair fora, para, não, tê-los por perto, você jamais verá por lá. Mesmo porque quem leva outras pessoas a buscarem a rua para se ver livre de sua presença, são o
Embora eu já estivesse me habituando a passar dias e dias caminhando a esmo, encontrando comida no mato e a tomar banho de rio, as vezes bati a necessidade de me sentir útil, o que me levava a entrar em alguma cidade e arrumar algo para trabalhar. Resolvi catar papel em uma cidade, pois o artesanato não vendia e a catação de papel me garantiria o pão de cada dia honesto. Lá fui eu, remexia os lixos achava latinhas e litros descartáveis nas sacolas, punha o máximo em cada sacola e amarrava umas nas outras e jogava nas costas e lá ia eu entregar em um local apropriado. Saí de Santa Catarina, para o Paraná, com a ideia de conseguir chegar à Foz do Iguaçu, e conhecer as cataratas. Mas como não tinha de pagar passagem, pois o que me levava aos lugares eram meus próprios pés, não tinha data e nem hora para lá chegar.  
A vida segue em frente e todos nós também temos de ir em frente, e nos percalços, eu entendia o amor de Deus por mim. O relato que segue é um deles. Descobri aos poucos a maldade humana em minha vida e aonde ela é capaz de chegar, quando nossa mãe tem um transtorno narcísico, e tem fixação em destruir-nos. Eu caí e levantei muitas vezes consegui empregos e fui demitida, com a mesma facilidade, bastando apenas minha mãe saber onde eu estava trabalhando. Não cedi aos seus intentos então tive muitos percalços a ultrapassar. Um dia estava andando na estrada e um homem vem por trás, põe uma faca em meu pescoço e com a outra mão, um revólver em minha boca e me diz: Agora você fará tudo o que eu m****r, eu tentei escapar e não consegui, o tipo me estuprou e me informou que eu continuaria a passar por
Minha mãe foi o capítulo mais doloroso da minha vida. A minha vida antes da rua, foi dolorosa demais, tornando a rua um lugar acolhedor. Duas semanas depois, da morte de meu pai, um dos meus irmãos o mais velho chega em casa com uma novidade. O médico tinha feito contato com ele, no trabalho. Fora encontrada uma substância no sangue de meu pai, que o levou ao infarto, e a morte. E parecia que a pessoa que o estava acompanhando na UTI esperou até a morte ser consumada para chamar os médicos e não ter como ajudá-lo. Dizia Ele que havia perguntado ao médico por quem eram dadas as medicações que o pai recebera no hospital, e ter sido respondido que as intravenosas pelas enfermeiras e os comprimidos eram repassados ao acompanhante, junto com a indicação de horários a serem dados.  
Minha cidade natal fez eu deixar para trás, muitas lembranças dolorosas e situações que vivi, as quais não desejo a ninguém. Ao chegar naquele inverno “na terrinha”, minha vida ia ter uma reviravolta, que me faria entender que o amor divino, não nos deixa cair , jamais. Mas ao chegar no interior do estado, me dei conta de muitas coisas, que o interior ainda é um local, calmo e sem tanta vida noturna, comecei a perceber também a relação entre esse fato e o fator criminalidade. Em cidades grandes acima de cem mil habitantes as pessoas tem muitas opções em matéria de vida noturna, sexo fácil e muitas ruas com prostitutas e homossexuais, depois das dez horas da noite oferecendo seu corpo. Ao passo que nas cidades de interior e pequenas isso é raro, e as que existem são mais escondidas, ficam em casas apropriadas, os bordéis, e tem uma estrutura mínima por t
Um abraço, conforta e reconforta tudo. Durante muito tempo em minha vida, busquei abraços. Abraço de familiares, abraço de amigos, abraço de um amor, e foi em um abraço divino, que encontrei conforto. Depois que cheguei a minha terra natal, eu estava desejosa de um abraço, mas, não tinha ninguém lá para oferecer seu braço para este abraço, mas de repente me surge na lembrança, Cataratas do Iguaçu, e volto àquele momento e me sinto abraçada por Deus, e o conforto chega a mim. Ao descobrir a internet eu busquei pessoas que eu admirava, que eu amava, que eu acreditava ainda, que fizeram parte do passado, e todas me mostraram suas verdadeiras faces muito diferentes daquela que eu acreditava existir nelas. Não me surpreendi muito sabe, de fato eu já esperava por isso, só que ainda assim, doeu, ver que eram