Matthew ficou plantado na porta de Julia por horas. Quanto mais o tempo passava, mais furioso ele ficava. O ciúme e o desejo de posse nublavam sua mente.
Enquanto esperava alguém surgir, imaginava, planejava seus passos e tudo o que poderia acontecer. Queria estar à frente de tudo.Sua mente o levava sempre para frente, para o futuro. O atormentava com a possibilidade de não tê-la, trazia imagens dele vitorioso.Era uma grande confusão — e ele estava cada vez mais imerso nela.Já estava quase anoitecendo quando um carro estacionou logo atrás.Matthew estava do lado de fora, encostado no próprio carro, lendo um jornal. Estava cansado de ficar sentado esperando. Quando olhou para o veículo que acabara de chegar, viu claramente Otto no volante — e Julia ao seu lado.Sua mente começou a turvar. O desejo de atacar Otto se intensificou.“Eu podia acabar com ele agora mesmo.” — pensou.“Esmurrá-lo até que não sobrasse nada.”A porta dO cemitério estava cheio. Lin era muito conhecida e querida por todos.Vizinhos, amigos, familiares, professores — todos estavam lá.A banda em que ela tocava prestou uma homenagem, tocando a música que ela mais gostava.Julia deu alguns passos à frente, parando ao lado do caixão. Os olhos inchados, o rosto marcado pela dor. Não havia microfone, apenas silêncio. Um daqueles silêncios que gritam.Ela respirou fundo, tentando conter o tremor da voz.— Eu nunca pensei que um dia teria que dizer adeus assim... não a você, Lin.Fez uma pausa, encarando as flores sobre o caixão.— A gente cresceu juntas. Dividimos brinquedos, segredos... e até o medo do escuro. Você dizia que o mundo era grande demais para gente se esconder. E me puxava pra vida, me fazia rir quando tudo doía. Me fazia levantar quando eu achava que não conseguiria.Um leve sorriso atravessou seu rosto, breve como um sopro.— Eu lembro de quando a gente
Matthew estacionou o carro e olhou para Julia, que estava no banco de trás. Ela permanecia parada, encarando o nada. Demorou alguns segundos até perceber que já haviam chegado em casa. Ao seu lado, Allan também parecia não saber como agir diante daquela situação.Julia piscou algumas vezes, como se voltasse à realidade.— Fica — disse para Matthew, com a voz chorosa.— Claro — respondeu ele, com um sorriso doce.Julia repousou a cabeça no ombro de Matthew, que logo começou a acariciar seu rosto.Com ela, ele demonstrava um carinho verdadeiro, mesmo que sua mente estivesse mergulhada em ilusões.Sentia o cheiro do cabelo dela, a pele macia, levantou o queixo dela e olhou-a nos olhos. Não havia mais lágrimas, mas era notória sua fragilidade. Ele sabia que esse era o momento perfeito para avançar, tinha que aproveitar a situação. Mas, dessa vez, foi Julia quem avançou. Beijou-o, demonstrando desejo. Matthew correspondeu com intensid
Os dias se passaram, e Matthew cercava cada vez mais Julia, aproveitando-se de cada oportunidade.Era sutil quando havia plateia, mas, a sós, avançava feito uma raposa — astuto, cauteloso, frio. Quem percebia suas ações acabava enganado por ele. Era muito bom de lábia.— Matthew, não acha que está avançando demais? Julia não está bem, tá claro como água, e você não desgruda, vive em cima. — disse Allan, certa vez.— E você prefere que ela fique sozinha, mergulhada em culpa e pensamentos ruins? — respondeu Matthew. — Olha, cara, eu gosto dela. Nunca passei por algo assim. Eu também gostava da Lin... eu não sei lidar com isso, e juntos esquecemos um pouco de tudo.— Mas não é o que parece. Você age como se quisesse ela só pra você. Parece que quer afastá-la de todo mundo. Isso também não é bom. A Julia tem várias pessoas que a amam e querem o bem dela.— Allan, eu sei o quanto você se preocupa com ela. Mas ela me procura. Se ela não está buscand
De pazes feitas, tudo foi voltando ao normal.O ano letivo já estava acabando, as provas finais haviam sido feitas, e agora restava apenas aguardar o resultado — todos ansiosos. Matthew já ia se formar, enquanto Otto, Julia e Allan teriam que esperar mais um ano.— Você vai me acompanhar na minha formatura, né? — perguntou Matthew a Julia.— Claro! — respondeu animada. — Até porque alguém tem que fazer companhia ao Otto — apontou para ele, rindo.— Bom saber que lhe causo compaixão — respondeu Otto, com um leve sorriso sarcástico.Julia e Otto continuaram se alfinetando, enquanto Matthew os observava de cara fechada."Sempre o Otto."Pensamentos amargos surgiam, mas foram quebrados pelo abraço inesperado que Julia lhe deu.— Desamarra essa cara, você sabe que passou — disse, achando que a preocupação era com as notas.— Desculpe... eu realmente estou preocupado — mentiu ele.— Vamos dar uma volta? Você precisa relaxar — sugeriu ela.— Boa ideia. Você vem, Otto?— Não, não. Mas valeu —
Era noite, e a chuva caía forte quando uma mulher foi trazida ao hospital. Seu estado era grave. Passou por várias cirurgias, mas estava demorando para acordar.Por sorte, seu marido também havia dado entrada no hospital e pôde contar um pouco do que aconteceu.— A gente bateu o carro, ela saiu de um lado e eu de outro. Quando vi, já tinha acontecido. Foi muito rápido — disse ele, visivelmente abalado.Dias se passaram até que, finalmente, ela abriu os olhos, com muito esforço. Olhou o ambiente com calma: quarto branco, janelas grandes com persianas. Lá fora, a chuva caía forte. Um trovão a fez levar um susto, e ela fechou os olhos por um instante, antes de abri-los lentamente novamente.Começou a observar o local com mais atenção, tentando reconhecer onde estava. Viu uma porta. À frente da cama, uma cômoda. Acima, na parede, uma TV estava ligada, exibindo algum programa infantil. Virando-se um pouco, notou outra porta, desta vez aberta. Lá fora, algumas pessoas passavam — pareciam mé
A noite estava escura, e a chuva caía forte, como se nunca fosse parar.Raios e trovões cortavam o céu, enquanto os galhos das árvores balançavam violentamente com a força do vento. A natureza exibia toda a sua fúria de maneira incansável.Julia estava acordada, sozinha no quarto, observando a tempestade implacável pela janela. Deitada em sua cama no quarto de hospital, sentia-se pequena diante da força da natureza.De repente, um raio caiu lá fora, iluminando todo o quarto. O clarão fez Julia sentir um arrepio subir pela nuca.— Que sensação estranha... — falou Julia, pensativa. — Parece que já vi isso antes...— Déjà vu. — Disse uma voz doce e feminina. — Quando temos a sensação de já ter visto ou vivido algo, chamamos de déjà vu. — concluiu.A mulher entrou no quarto, verificou se a janela estava bem fechada e, em seguida, virou-se para Julia com um sorriso amigável no rosto.— Eu sou a Pérola, sou nova aqui. Sou a enfermeira do turno da noite.Pérola tinha cabelos longos, loiros c
Era a primeira noite de Pérola como enfermeira no hospital, e coincidentemente, Julia havia dado entrada naquela mesma noite chuvosa. A tempestade era semelhante à de agora: muita chuva e ventos fortes.No hospital, o clima era de expectativa. Com temporais assim, era comum o registro de várias ocorrências. Árvores caíam, a pista ficava cheia de poças e a visibilidade nas estradas era quase zero, criando condições perfeitas para acidentes.Apesar disso, o hospital estava calmo no início da noite. Durante o dia, vários pacientes haviam recebido alta ou sido transferidos. Sendo um hospital especializado em traumas, ele era sempre a primeira opção para socorros emergenciais.Pérola havia acabado de verificar alguns pacientes ao lado da enfermeira-chefe, que fazia questão de lhe apresentar o hospital e os colegas atarefados. A apresentação foi breve, pois, ao chegarem à emergência, notaram que o espaço começava a se encher de médicos e equipes aguardando a movimentação que o temporal prom
O primeiro a entrar em ação foi o doutor Cole, o neurocirurgião. Ele analisou a tomografia rapidamente antes de começar. A pressão intracraniana estava alta, um risco que não podia ser ignorado. Com movimentos firmes e precisos, realizou uma descompressão para aliviar a pressão, enquanto sua equipe o assistia com total atenção. O suor começava a aparecer em sua testa sob o brilho intenso das luzes cirúrgicas, mas Cole mantinha o foco.— Certo, isso deve estabilizar. Vamos verificar mais alguma coisa. — murmurou para si mesmo, enquanto inspecionava a área com cuidado.Após confirmar que não havia danos adicionais ao sistema nervoso central, Cole finalmente respirou aliviado. Ele se afastou da mesa cirúrgica e olhou para a doutora Martin, que já estava pronta para assumir a próxima etapa.Doutora Martin entrou em ação com a precisão de uma artesã. As fraturas expostas eram graves, mas não intimidavam a experiente ortopedista. Ela começou reconstruindo as estruturas ósseas da perna, util