Seis meses se passaram desde o último ataque. Nada. Nenhum movimento estranho, nenhuma presença maligna nos arredores do palácio, nenhuma investida nas fronteiras das alcatéias aliadas. A paz reinava… mas era uma paz inquieta, feita de silêncios longos demais e olhares que se perdiam na linha do horizonte esperando por algo. Sabíamos que o perigo ainda existia, apenas aguardando o momento certo.
Vivíamos em constante vigilância. Guardas dobrados, reuniões semanais, relatórios das patrulhas, reforços enviados para cada alcatéia sob nosso domínio. Mesmo assim, a tensão era quase palpável dentro dos muros do castelo. Mas naquele dia, Lucian decidiu quebrar a rotina. — Vamos respirar um pouco — ele disse pela manhã, os olhos dourados suaves, quase esperançosos. — O jardim está florido. Já organizei com a equipe da cozinha. Quero um piquenique, Selena. Para nós. Para os pequenos. Para todos. — Todos? — levantei uma sobrancelha, desconfiada. — Sim. A babá, Rylan, Caden, os guerreiros de plantão que puderem. E… sua mãe está a caminho. Com Isla. Meu coração pulou no peito. — A Isla também? — sorri de imediato. — Achei que ela só viria no próximo ciclo. — Helena conseguiu um intervalo na liderança com a chegada do irmão do seu pai à alcatéia Lua Escarlate. Com isso, ela pode nos visitar por alguns dias, e trouxe Isla com ela. Ficarão a semana inteira. — Isso vai fazer bem pra todos nós — murmurei, já me sentindo mais leve. --- O jardim estava lindamente decorado com as cores da primavera. Almofadas espalhadas no gramado, frutas frescas em cestos de vime, jarras com suco de frutas, pão quente, queijo curado… e risos. Raros, mas sinceros. Lucy estava sentada no colo de Isla, mostrando uma folha como se fosse uma joia rara. — Tia Isla, olha! Ela tem brilho! — Tem mesmo, minha estrela — disse Isla com aquele carinho único no olhar. — Isso é orvalho, pequena. Um presente da manhã. Luke tentava escalar as costas de Caden, que fingia estar sendo derrotado por um ataque selvagem. — Não! O pequeno lobo vai me derrubar! — dizia Caden rindo, enquanto Rylan observava com os braços cruzados e um meio sorriso. — Vai estragar sua reputação de guerreiro lendário se continuar sendo derrubado por uma criança de dois anos — provocou Rylan. — Ele é o filho do rei. Isso o torna um adversário poderoso — retrucou Caden, e todos riram. Lucian estava ao meu lado, sentado em uma almofada, o corpo mais relaxado do que eu havia visto em semanas. Seus olhos percorriam o jardim, atentos, mas tranquilos. — Obrigado — sussurrei. — Pelo quê? — Por isso. Por hoje. Ele pegou minha mão e apertou levemente. — Eu precisava. Meu lobo estava ficando inquieto. Eles... — ele olhou para Luke e Lucy — são o que mantém tudo em equilíbrio dentro de mim. Nesse momento, Helena surgiu com Isla, ambas com mantos claros e sorrisos suaves. O tempo parecia não passar para minha mãe — altiva, segura, sempre com aquela aura de respeito natural. — Como estão minhas crianças da lua? — ela disse, ajoelhando-se para abraçar Lucy e Luke. — Vovó! — gritaram os dois, correndo até ela. — Agora sim, o piquenique está completo — disse Isla, sentando-se ao meu lado. — Como estão as coisas na Lua Escarlate? — perguntei em voz baixa, apenas para ela ouvir. — Calmas. Mas é como andar em uma floresta densa... você sente os olhos, mesmo sem ver ninguém. — Estamos todos sentindo isso — murmurei. — E a reunião para o baile de companheiros? Vai acontecer? — perguntou Isla, olhando para mim com expectativa. — Sim, em um mês. Lucian está indeciso. Ano passado tivemos o baile normalmente, mas no ano anterior, cancelamos por causa da morte de Alina. Ainda estamos pensando no que é melhor. — Talvez celebrar o amor seja exatamente o que o povo precisa. — Talvez... Helena se aproximou, trazendo Luke pela mão. — Os pequenos estão famintos — disse, sentando-se conosco. — E o palácio… está mais leve hoje. — Foi ideia de Lucian — disse, sorrindo para ele, que apenas assentiu com a cabeça. — Sábia decisão, meu genro. Às vezes, a melhor defesa é lembrar-se do que estamos protegendo. Caden e Rylan se aproximaram com pratos na mão. — Majestade, Beta Rylan e Gama Caden à disposição — brincou Caden, fazendo uma reverência exagerada. — Descansem, guerreiros. Hoje, vocês têm permissão real para aproveitar — respondeu Lucian, finalmente relaxando os ombros. Rylan olhou para ele. — Mas depois do piquenique, precisamos discutir a reunião do próximo mês. Há alcatéias pedindo reforço nas fronteiras. Sentem o mesmo que nós. — Sim — disse Lucian, sério novamente. — Hoje é um dia de trégua. Mas amanhã voltamos à luta. Juntos. Enquanto o sol descia no céu, as risadas das crianças misturavam-se às conversas suaves, e por algumas horas, o mundo parecia menos perigoso. Mas sabíamos. Todos nós sabíamos. A calmaria sempre vem antes da tempestade.Com a aproximação da grande reunião dos alfas, o castelo estava em constante movimento. Os corredores vibravam com passos apressados, ordens e preparativos. Era uma ocasião importante: em poucos dias, líderes de diversas alcatéias estariam sob o mesmo teto para discutir o futuro e, talvez, a realização do tradicional Baile de Companheiros.Selena caminhava lado a lado com Celeste e Luna pelos corredores em direção à ala das cozinhas. O som de panelas e vozes abafadas já podia ser ouvido à distância.— A chefe Dana vai querer nos matar com tanta mudança de última hora — murmurou Celeste, cruzando os braços.— Ela vai entender — respondeu Selena com um sorriso. — Precisamos ter tudo perfeito. Não são visitas comuns. São alfas e suas lunas. Eles estarão atentos a tudo.Ao entrarem na cozinha, o calor e o cheiro das especiarias as envolveram de imediato. Dana, a chefe de cozinha, estava coordenando uma equipe de pelo menos dez pessoas, todos concentrados.— Dana! — chamou Selena.A mulher
O sol da manhã iluminava os jardins do castelo, refletindo sobre as janelas altas da ala leste onde os alfas e suas lunas seriam hospedados. Os empregados se moviam com agilidade, dando os últimos retoques nas acomodações, verificando se tudo estava impecável. Roupas de cama trocadas, flores frescas nos vasos, cestos com frutas e vinhos selecionados sobre as mesas. A segurança havia sido reforçada naquela ala, com guerreiros posicionados nas entradas e nos corredores principais, atentos a qualquer movimentação suspeita.Lucian havia passado as primeiras horas do dia em reuniões com Rylan e Caden, coordenando os detalhes da chegada dos convidados. Desde a segurança reforçada até a ordem dos quartos, tudo fora cuidadosamente planejado. Os alfas vinham de diversas partes do país, e cada um teria seu espaço privado, mas todos próximos ao salão onde aconteceria a reunião no dia seguinte.— Tudo certo com as acomodações? — perguntou Lucian enquanto caminhava com Rylan pelos corredores.— Si
O sol ainda brilhava alto quando os alfas e suas respectivas lunas foram conduzidos à sala de reuniões principal do castelo. A atmosfera estava levemente tensa, não por desconfiança, mas pela expectativa. Fazia quase dois anos desde a última reunião completa dos alfas de todas as alcatéias aliadas. O salão estava impecável — longas janelas abertas deixavam a luz natural entrar, iluminando os móveis de madeira escura e os detalhes prateados nas paredes. A mesa central, longa e retangular, estava preparada com pastas para cada alfa, além de garrafas de água e taças de cristal.Lucian entrou por uma das portas laterais, com postura ereta e semblante calmo. Ele trajava uma camisa escura, mangas dobradas nos antebraços, e o olhar atento de quem há meses pensa em todos os cenários possíveis. À sua direita, seu beta, Rylan, e à esquerda, seu gama, Caden, o acompanhavam.— Que comecem os trabalhos — disse Lucian, com a voz firme e autoritária.Os alfas foram se acomodando um a um. Alguns troc
Após o elegante almoço servido pela chefe Dana, os alfas e suas lunas foram reconduzidos à sala de reuniões. O ambiente, embora solene, carregava agora um ar ligeiramente mais leve, como se a refeição tivesse acalmado os ânimos e preparado os líderes para a próxima pauta: o Baile de Companheiros.Lucian, sentado à cabeceira da mesa, tamborilava os dedos contra a madeira polida enquanto observava todos se acomodarem. Ao seu lado, Selena mantinha a postura ereta, mas o olhar atento, como se já antecipasse os argumentos que viriam.— Bem, como já discutido anteriormente, o próximo ponto é sobre o Baile de Companheiros deste ano — começou Lucian, a voz firme preenchendo o espaço. — No ano passado, mantivemos a tradição. No ano anterior, como todos sabem, o baile foi cancelado pela perda irreparável de Alina. Este ano, mesmo com o cenário em aparente estabilidade, precisamos avaliar com cautela.Alfa Dominic, um homem de cabelos grisalhos e expressão sempre pra
O bar estava lotado como sempre. Erin deslizava entre as mesas, equilibrando bandejas cheias de cerveja, ouvindo as risadas roucas e os comentários sussurrados dos clientes. O cheiro de álcool, fumaça e algo mais — algo selvagem — impregnava o ar. Ela se acostumara com isso. Trabalhar em um bar de lobisomens não era para qualquer um, mas Erin não conhecia outro lar.Então, ela sentiu.O olhar.Forte, intenso, queimando sua pele como fogo.Ela se virou, o coração batendo rápido. Encostado no balcão, um homem a observava com uma atenção que a deixou sem ar.Ele era alto, de ombros largos, a sombra da barba marcando seu maxilar. O cabelo escuro caía de forma rebelde sobre sua testa, e seus olhos dourados pareciam brilhantes demais sob as luzes fracas do bar. Um uísque repousava em sua mão, intocado.Mas ele só olhava para ela.Erin tentou ignorar. Continuou atendendo, rindo de piadas sem graça, desviando de clientes embriagados. Mas sempre que olhava para o balcão, lá estava ele.Na terc
O sol ainda não havia surgido completamente quando Erin abriu os olhos.Por um momento, ela não reconheceu onde estava. Lençóis macios, um colchão absurdamente confortável, um aroma amadeirado e masculino preenchendo o ar. Então, a memória da noite passada a atingiu como um raio.Lucian.Ela virou a cabeça devagar e viu o homem dormindo ao seu lado. Mesmo adormecido, ele exalava poder. O lençol cobria parte de seu corpo, mas ela podia ver os músculos definidos, os traços fortes, a pele quente contra a luz fraca do amanhecer.Seu coração acelerou.O que diabos ela tinha feito?Uma onda de pânico tomou conta dela. Ela nunca tinha feito algo assim. Passara a vida toda se protegendo, construindo barreiras para que ninguém se aproximasse. E agora… havia se entregado a um estranho.Um estranho que, claramente, era rico.Seus olhos percorreram o quarto luxuoso. O lustre no teto, os móveis de design sofisticado, a vista imponente da cidade. Ele não era um lobo comum. Não era um cliente qualqu
Rylan e Caden estavam sentados na luxuosa sala de estar da suíte do hotel, observando o rei com cautela.Lucian andava de um lado para o outro, visivelmente irritado.— Então… — Rylan começou, escolhendo as palavras com cuidado. — Quem é Erin?Lucian parou e lançou um olhar afiado para ele.— Isso não é da sua conta.Caden trocou um olhar rápido com Rylan antes de tentar outra abordagem.— Certo, mas… você quer que a encontremos. Isso significa que ela é importante. Só precisamos entender o quão importante.Lucian passou a mão pelos cabelos e respirou fundo, controlando a frustração.— Eu não sei quem ela é. Mas… ela é minha.Rylan e Caden franziram a testa ao mesmo tempo.— Sua… como? — Rylan perguntou, cruzando os braços.Lucian não respondeu de imediato. O silêncio prolongado apenas aumentou a tensão no ar.— Apenas encontrem-na — ele ordenou, a voz firme, deixando claro que não havia mais espaço para perguntas.Os dois assentiram, sabendo que o rei raramente ficava tão perturbado
Erin sentia sua mente girar.O silêncio no quarto era quase palpável enquanto ela absorvia o que acabara de ouvir.— Você… está dizendo que sou sua irmã? — sua voz saiu hesitante, como se o simples ato de falar as palavras tornasse tudo mais real.Celeste assentiu, seus olhos brilhando com emoção.— Não apenas minha irmã… minha irmã gêmea.O coração de Erin martelava em seu peito.— E você é minha mãe? — Ela olhou para Helena, que sorriu suavemente, com os olhos marejados.— Sim, minha querida. Você é minha filha.Isla, a mais nova, se aproximou com um sorriso caloroso.— E eu sou sua irmã caçula.Erin piscou algumas vezes, tentando processar tudo. Por anos, ela se perguntou quem eram seus pais, de onde veio… e agora, a verdade estava bem diante dela.Helena suspirou e pegou a mão de Erin com delicadeza.— Vou te contar tudo.Ela respirou fundo antes de continuar.— Quando você e Celeste tinham quatro anos, houve uma guerra. Nossa matilha, a Matilha da Lua Escarlate, foi chamada para