Amanda sabia que aquele trabalho era mais do que uma oportunidade financeira; era uma chance de trazer estabilidade para sua vida e ajudar sua mãe. Contudo, ela também sentia o peso de uma responsabilidade que ia além das suas expectativas iniciais.
Assim que entrou na sala de estar, a presença imponente de Victor Castellani a recebeu. Ele estava vestido de maneira mais casual do que no dia anterior, com uma camisa azul desabotoada no colarinho e calça social, mas ainda assim mantinha a postura rígida e autoritária que a havia impressionado na entrevista.
— Bom dia, Amanda — disse ele, indicando com um gesto que ela se sentasse na poltrona de couro diante dele. — Antes de começarmos oficialmente, preciso que você entenda algumas coisas sobre Sofia.
Amanda sentiu a gravidade da situação e assentiu silenciosamente, ajustando-se na poltrona. Victor não parecia do tipo que enrolava para ir direto ao ponto, e sua expressão séria confirmava isso.
— Sofia é... complicada — começou ele, as palavras saindo de forma deliberada. — Não é apenas uma questão de comportamento, mas algo mais profundo. Ela perdeu a mãe, Camila, há dois anos, em um acidente de carro. Desde então, nossa dinâmica familiar mudou completamente.
Victor fez uma pausa, suas mãos entrelaçadas e o olhar perdido por um momento. Amanda viu uma fração de vulnerabilidade escapar por trás da fachada impenetrável.
— Sinto muito pela sua perda, senhor Castellani — disse ela, com sinceridade.
Ele apenas assentiu, agradecendo com um aceno quase imperceptível.
— Camila era o coração desta casa. Sofia era muito ligada a ela, e, desde o acidente, as coisas nunca mais foram as mesmas. — Victor respirou fundo, desviando o olhar por um momento, como se buscasse forças para continuar. — Eu tentei preencher o vazio, mas... não sei se consegui.
Amanda podia ver que ele estava se esforçando para manter a compostura, mas a dor em seus olhos era evidente.
— Deve ser muito difícil para ela. Para vocês dois — comentou Amanda, sua voz suave, mas cheia de empatia.
Victor ergueu os olhos para ela, avaliando sua reação. Por um momento, Amanda achou que ele fosse desviar o assunto, mas, em vez disso, continuou:
— Sofia não aceita limites. Ela desafia qualquer figura de autoridade que não seja Teresa ou o professor particular. As últimas babás não duraram muito. Ela é... desconfiada. Não confia facilmente nas pessoas.
Amanda ponderou suas palavras. Perder a mãe em uma idade tão jovem era devastador, e parecia óbvio que o comportamento de Sofia era uma forma de manifestar sua dor e solidão.
— Não quero ser insensível, senhor Castellani, mas acredito que crianças como Sofia precisam de paciência e conexão. Talvez, o que ela realmente precise seja alguém que esteja disposto a ouvir, mesmo quando ela não queira falar — disse Amanda, com cautela.
Victor arqueou uma sobrancelha, surpreso com a resposta direta.
— E você acha que pode ser essa pessoa? — desafiou ele, inclinando-se ligeiramente para frente.
Amanda sustentou o olhar, sentindo-se encorajada pela faísca de curiosidade no tom dele.
— Acho que posso tentar. Se Sofia me permitir, é claro — respondeu ela, com um pequeno sorriso, tentando aliviar a tensão.
Antes que Victor pudesse responder, passos leves ecoaram pelo corredor. Sofia entrou na sala, descalça, com um urso de pelúcia surrado apertado contra o peito. Seus grandes olhos curiosos passaram rapidamente por Amanda antes de se fixarem no pai.
— Papai, posso jogar no tablet agora? — perguntou, ignorando completamente a presença da nova babá.
Victor suspirou, exasperado, enquanto massageava a têmpora.
— Já conversamos sobre isso, Sofia. Primeiro sua aula de piano, depois você pode usar o tablet.
— Mas eu odeio piano! — protestou a menina, fazendo uma careta e cruzando os braços.
Amanda observava a cena em silêncio. Era evidente que Victor tentava impor uma disciplina rígida, mas Sofia precisava de algo mais do que regras. Sentindo que talvez pudesse ajudar, Amanda decidiu intervir.
— Ei, Sofia — disse ela, em um tom descontraído. — Você sabia que eu também aprendi piano quando era pequena? Só que eu era terrível nisso.
Sofia virou a cabeça rapidamente para Amanda, intrigada.
— De verdade? Você era ruim? — perguntou, desconfiada, mas curiosa.
— Horrível! Meu professor dizia que parecia que eu estava brigando com o piano. — Amanda riu, e, para sua surpresa, Sofia deu um pequeno sorriso.
Victor observava a interação com uma expressão indecifrável. Ele parecia surpreso com a facilidade com que Amanda havia conseguido uma reação positiva de Sofia.
— Sofia, vá se preparar para a aula — disse ele, interrompendo o momento. — Amanda começará a trabalhar hoje, e vocês terão bastante tempo para se conhecerem.
A menina revirou os olhos, mas saiu da sala sem protestar. Quando ela desapareceu no corredor, Victor voltou sua atenção para Amanda.
— Você parece ter um jeito natural com ela. Mas não a subestime. Sofia é imprevisível.
Amanda deu um sorriso tranquilo, embora sentisse a pressão crescente.
— Acho que todos nós podemos ser imprevisíveis às vezes, senhor Castellani.
Victor não respondeu, mas a intensidade de seu olhar parecia avaliá-la de uma nova maneira.
O restante do dia foi dedicado a conhecer a rotina da casa. Teresa levou Amanda por cada cômodo, explicando suas responsabilidades com a eficiência de quem havia ocupado o cargo de governanta por muitos anos. Apesar do luxo e da grandiosidade da mansão, Amanda não pôde deixar de notar como tudo parecia... vazio. Era como se a casa fosse mantida em perfeito estado apenas por hábito, e não porque alguém realmente a habitava de forma viva.
No quarto de Sofia, Teresa fez uma pausa.
— Dona Camila era a alma desta casa. Sofia era o mundo dela. Desde o acidente, tudo mudou. O senhor Victor é um bom pai, mas... ele também carrega a dor dele, mesmo que não demonstre.
Amanda sentiu um aperto no peito. Era evidente que a perda de Camila havia deixado cicatrizes profundas não apenas em Sofia, mas também em Victor. A atmosfera da casa parecia refletir isso — uma mistura de memórias e luto.
Mais tarde, Amanda encontrou Sofia no chão do quarto, desenhando em um caderno colorido. Vários lápis de cor estavam espalhados ao seu redor. Amanda se abaixou, sentando-se próxima, mas mantendo uma distância que não fosse invasiva.
— O que você está desenhando? — perguntou, em um tom casual.
— Um cavalo. Minha mãe desenhava cavalos perfeitos — respondeu Sofia, sem tirar os olhos do papel.
A menção à mãe pegou Amanda de surpresa. Por um momento, ela hesitou, mas sentiu que aquela era uma oportunidade rara.
— Aposto que ela ficaria orgulhosa de ver como você desenha bem — comentou Amanda, com sinceridade.
Sofia parou por um instante e olhou para Amanda, avaliando-a.
— Você acha que ela ainda me vê? Lá de cima? — perguntou, sua voz pequena e cheia de vulnerabilidade.
Amanda sentiu um nó na garganta.
— Acho que sim, Sofia. Acho que ela deve estar muito orgulhosa de você — respondeu Amanda, com ternura.
A menina ficou em silêncio por alguns segundos antes de voltar ao desenho. Amanda sabia que havia dado um pequeno passo em direção ao coração de Sofia, mas também sabia que a jornada seria longa.
Mais tarde, naquela noite, Amanda encontrou Victor na sala de estar. Ele estava sozinho, com um copo de uísque na mão, o olhar fixo em um ponto distante. A expressão em seu rosto era um misto de cansaço e preocupação.
— Sofia mencionou a mãe hoje — começou Amanda, hesitante. — Acho que ela sente muita falta dela, mas parece ter medo de mostrar isso.
Victor desviou o olhar do copo, encarando Amanda com uma mistura de surpresa e curiosidade.
— Ela era muito ligada a Camila. Depois do acidente, Sofia se fechou completamente. E eu... — Ele fez uma pausa, esfregando a testa como se buscasse palavras. — Não sei como alcançá-la. Cada vez que tento, parece que só a afasto mais.
Amanda ponderou antes de responder.
— Talvez o senhor esteja tentando demais. Às vezes, as crianças só precisam saber que estamos lá, mesmo que seja em silêncio. Sofia precisa sentir que não está sozinha, mas isso leva tempo.
Victor a observou por um momento, como se estivesse processando suas palavras. Finalmente, ele assentiu lentamente.
— Você fala como alguém que entende de perdas.
Amanda deu um sorriso melancólico.
— Minha mãe está doente. Descobrimos há pouco tempo. É difícil lidar com a ideia de perder alguém que amamos.
Victor pareceu surpreso pela honestidade de Amanda, mas não disse nada. Ele apenas levantou-se, finalizando a conversa com um aceno.
— Amanhã será seu primeiro dia oficial. Espero que esteja pronta.
Quando Victor saiu da sala, Amanda sentiu que havia dado um pequeno passo para compreender os Castellani. Mas sabia que a estrada à frente seria longa e cheia de desafios.
Capítulo 3Amanda respirou fundo antes de cruzar o corredor que levava ao quarto de Sofia. Era seu primeiro dia oficial como babá, e ela estava preparada para enfrentar o que viesse — ou assim pensava."Seja paciente. Seja firme. E, principalmente, não leve para o lado pessoal." Aquelas palavras ecoavam em sua mente, lembrando-se do conselho que Teresa, a governanta, havia dado na noite anterior. Com um leve ajuste em seu suéter e um sorriso treinado no rosto, Amanda bateu suavemente na porta.— Sofia? Posso entrar?O silêncio foi a única resposta. Amanda, porém, já sabia que estava sendo observada. Empurrou a porta com cuidado e encontrou a menina sentada na cama, os pequenos braços cruzados e um olhar que misturava desafio e curiosidade.— Bom dia, Sofia! — disse Amanda, mantendo o sorriso. — Dormiu bem?Sofia arqueou uma sobrancelha, claramente entediada com a pergunta.— Você fala demais.Amanda soltou uma risada curta, tentando quebrar o gelo.— É verdade. Falo muito mesmo, mas s
Capítulo 4 Amanda chegou à mansão Castellani nas primeiras horas da manhã, com o sol ainda tímido no céu. Ela desceu do táxi, admirando a imponente residência com seus portões altos e jardins impecáveis. Era seu primeiro dia oficial como acompanhante de Sofia, e, embora sentisse um leve nervosismo, estava determinada a cumprir sua missão: conquistar a confiança da menina e ajudá-la a superar os muros emocionais que claramente a cercavam.A porta foi aberta por Teresa, a governanta, que a recebeu com um sorriso acolhedor.— Bom dia, senhorita Amanda. Seja bem-vinda novamente.— Bom dia, Teresa. Obrigada. Como estão as coisas por aqui? — Amanda perguntou enquanto cruzava o hall espaçoso, iluminado pela luz suave da manhã.— Movimentadas, como sempre. O senhor Castellani já saiu para o trabalho, e Sofia ainda está dormindo. Aproveite para tomar um café antes de começar o dia — sugeriu Teresa, gesticulando em direção à cozinha.Amanda assentiu, agradecendo. Na cozinha, o cheiro de café f
Capítulo 5Amanda observava Sofia brincar com seus bonecos em um canto da sala. A luz suave que entrava pela janela iluminava o rosto da menina, que exibia uma alegria quase inocente, mas rara. Desde que chegara à mansão Castellani, Amanda havia notado algo que a deixava inquieta: apesar de sua energia e inteligência, Sofia era uma criança solitária. Mesmo rodeada por conforto e luxo, faltava-lhe algo essencial, a presença ativa de seu pai, Victor.Amanda compreendia que Victor Castellani não era um homem fácil. Sempre impecável, com sua postura altiva e olhar sério, ele parecia carregar o peso do mundo sobre os ombros. Desde a morte de sua esposa, Camila, ele havia se fechado em uma redoma de trabalho e responsabilidades, como se estivesse tentando se proteger de mais perdas. Mas Amanda sabia que, por trás daquela fachada rígida, havia um pai que, mesmo desajeitado, amava sua filha. Ele só precisava de um empurrão na direção certa.Foi com essa determinação que Amanda se aproximou de
Capítulo 6 Amanda terminava de arrumar a mesa para o café da manhã quando notou que Sofia ainda não havia descido. Era estranho. Geralmente, a menina era a primeira a aparecer, cheia de energia e perguntas curiosas sobre o que fariam naquele dia. Mas naquela manhã, o silêncio parecia mais predominante que o de costume, e Amanda sentiu um calafrio de preocupação.— Dona Teresa, Sofia ainda está dormindo? — Amanda perguntou, tentando disfarçar a inquietação em sua voz.A governanta, que colocava cuidadosamente uma bandeja sobre o balcão, balançou a cabeça. — Não, querida. Eu a vi no jardim mais cedo, mas parecia… diferente. Não sei explicar. Talvez seja bom você ir falar com ela.Amanda assentiu, pegou um suéter para proteger-se do ar frio da manhã e seguiu em direção ao jardim. Passando pelas portas de vidro, avistou Sofia sentada sob o carvalho imponente que dominava o centro do espaço. A menina estava encolhida, com as pernas dobradas contra o peito, o rosto parcialmente escondido p
Capítulo 1Amanda olhou para a cama improvisada no sofá onde Dona Marlene descansava, a pele pálida e os traços abatidos denunciando sua fragilidade. Apesar de tudo, havia ternura em seu olhar, mesmo ao dormir. Amanda ajeitou a coberta com cuidado, tentando ao menos proporcionar conforto onde não podia oferecer soluções.O relógio na parede do pequeno apartamento marcava 7h15 da manhã, mas Amanda já estava acordada há horas. As preocupações pesavam como uma âncora, prendendo-a em um turbilhão de ansiedade. Na mesa da sala, uma pilha de contas acumulava-se como uma montanha intransponível: aluguel atrasado, faturas de água e luz esquecidas no tempo, e os custos exorbitantes do tratamento médico de sua mãe, que recentemente fora diagnosticada com uma doença crônica.— Vai dar certo, mãe. Eu prometo — murmurou, mais para si mesma do que para a mulher adormecida.Amanda suspirou depois de arrumar as cobertas em cima de sua mãe, ela acariciou o rosto de sua querida mãe com o coração pesado