Amanda olhou para a cama improvisada no sofá onde Dona Marlene descansava, a pele pálida e os traços abatidos denunciando sua fragilidade. Apesar de tudo, havia ternura em seu olhar, mesmo ao dormir. Amanda ajeitou a coberta com cuidado, tentando ao menos proporcionar conforto onde não podia oferecer soluções.
O relógio na parede do pequeno apartamento marcava 7h15 da manhã, mas Amanda já estava acordada há horas. As preocupações pesavam como uma âncora, prendendo-a em um turbilhão de ansiedade. Na mesa da sala, uma pilha de contas acumulava-se como uma montanha intransponível: aluguel atrasado, faturas de água e luz esquecidas no tempo, e os custos exorbitantes do tratamento médico de sua mãe, que recentemente fora diagnosticada com uma doença crônica.
— Vai dar certo, mãe. Eu prometo — murmurou, mais para si mesma do que para a mulher adormecida.
Amanda suspirou depois de arrumar as cobertas em cima de sua mãe, ela acariciou o rosto de sua querida mãe com o coração pesado, a tristeza tomando conta de seu corpo.
Amanda segurou as lágrimas.
— Está tudo bem. Eu dou conta.***
Amanda trabalhava como garçonete em uma lanchonete no centro da cidade, um emprego simples, mas que colocava comida na mesa. Ainda assim, o salário mal era suficiente para manter as contas básicas em dia. Ela sabia que algo precisava mudar, mas não esperava que o universo fosse tão cruel ao adiantar essa mudança.
Naquela manhã fatídica, enquanto atendia os primeiros clientes do dia, o gerente, Sr. João, a chamou com um semblante grave.
— Amanda, preciso falar com você no escritório.Um frio percorreu sua espinha. Tentando não pensar no pior, ela seguiu-o para a pequena sala nos fundos do restaurante. Sentou-se à frente dele, o coração acelerado, enquanto ele fechava a porta.
— Olha, Amanda... Eu sinto muito — começou ele, com o olhar baixo, incapaz de encará-la diretamente. — Estamos cortando custos. A lanchonete não está indo bem, e... bom, você entende, né?
As palavras a atingiram como um golpe. Amanda abriu a boca para protestar, mas logo percebeu que seria inútil.
— Eu... eu realmente preciso desse emprego, Sr. João. Minha mãe está doente, e...
— Eu sei, Amanda, eu sei. Mas não é algo pessoal, entende? É só... o momento.
Quando saiu da sala, sentiu os olhos marejarem, mas recusou-se a chorar ali. Atravessou o restaurante com a cabeça erguida, pegou suas coisas e saiu pela porta sem olhar para trás.
"E agora? O que eu faço?" Amanda pensou sem saber para onde ir.
De volta ao apartamento, Amanda sentou-se à mesa da cozinha, encarando as contas como se fossem inimigos impossíveis de derrotar.
— Não posso me dar ao luxo de parar.
Nos dias seguintes, Amanda se lançou de cabeça na busca por um novo emprego. Distribuiu currículos em lojas, restaurantes, postos de gasolina, qualquer lugar que pudesse oferecer uma vaga. Cada não que recebia mais parecia uma pista para desistir, entretanto ela não podia se dar ao luxo de desistir.
À noite, quando retornava para casa, exausta, sempre encontrava sua mãe tentando disfarçar a preocupação.
— Como foi hoje, minha filha? — perguntava Dona Marlene, mesmo sabendo a resposta.
— Ainda nada, mas amanhã vai ser diferente.
Mesmo sem acreditar totalmente nisso, Amanda insistia. Afinal, ela não tinha outra escolha.
Certa manhã, enquanto caminhava pelo centro da cidade, algo inesperado chamou sua atenção. No painel de anúncios de uma padaria, um pequeno papel escrito à mão parecia brilhar entre os outros cartazes desgastados:
"Procura-se babá. Trabalho de segunda a sábado. Bom salário. Enviar currículo para o e-mail abaixo."
Amanda hesitou. Nunca havia trabalhado como babá antes, mas lembrou-se dos dias em que cuidava de seus primos mais novos enquanto os tios trabalhavam.
— Não tenho nada a perder.
Naquela mesma tarde, enviou o currículo. Não esperava uma resposta rápida, mas, para sua surpresa, no dia seguinte recebeu uma ligação.
— Olá, é Amanda? — disse uma voz feminina educada. — Sou Teresa, governanta da casa do senhor Victor Castellani. Gostaríamos de agendar uma entrevista amanhã às 10h.
Amanda confirmou, ainda incrédula. O nome Castellani parecia familiar, como se tivesse ouvido em algum lugar, talvez nas notícias ou revistas de negócios.
No dia seguinte, Amanda se encontrava diante de um portão imponente em um bairro que jamais pensou pisar. O lugar parecia tirado de um filme: mansões alinhadas, com jardins impecáveis e fachadas luxuosas.
Quando o segurança abriu o portão após conferir seu nome, Amanda engoliu em seco. Teresa, uma mulher alta e elegante, a recebeu com um sorriso contido.
— Senhor Castellani está esperando na sala de estar. Por favor, siga-me.
Ela entrou na mansão, sentindo-se pequena diante da grandiosidade ao seu redor. O chão de mármore brilhava, e as peças de arte espalhadas pelas paredes pareciam valer mais do que ela ganharia em anos.
Victor Castellani estava sentado em um sofá de couro preto, vestido impecavelmente em um terno azul royal sob medida. Seus olhos avaliadores pousaram sobre Amanda assim que ela entrou.
— Senhor Castellani, esta é Amanda — anunciou Teresa antes de sair da sala, deixando os dois sozinhos.
Amanda sentiu as mãos suarem, mas estendeu a mão com firmeza.
— É um prazer conhecê-lo, senhor Castellani.Ele fez um leve aceno de cabeça, indicando que se sentasse.
— Quero ouvir sobre sua experiência.Ela recolheu a mão timidamente se sentando no lugar indicado.
Amanda respirou fundo.
— Bem, eu nunca trabalhei como babá antes, mas sempre cuidei dos meus primos mais novos. Sou paciente, organizada e...Victor a interrompeu com um gesto.
— Sofia não é uma criança comum. Ela passou por muita coisa e não é fácil de lidar. Preciso de alguém que seja firme, mas compreensivo. Você acha que pode dar conta disso?Amanda hesitou por um segundo, mas antes que pudesse responder, uma risada infantil ecoou pelo corredor. Uma menina de cerca de sete anos entrou na sala como um furacão, os cabelos loiros presos em um rabo de cavalo desalinhado e os olhos brilhantes de curiosidade.
— Papai, você prometeu que... — Ela parou ao notar Amanda, e seu olhar desconfiado deixou claro que já havia passado por situações como aquela antes.
— Sofia, esta é Amanda. Ela está se candidatando para ser sua nova babá.
A menina cruzou os braços e ergueu o queixo.
— Mais uma?Amanda percebeu o desafio no olhar de Sofia e, sem pensar muito, sorriu.
— Oi, Sofia. Eu sou Amanda. Adoro brincar de esconde-esconde. E você?Sofia arqueou uma sobrancelha.
— Você sabe brincar de verdade?— Sei, mas só com quem é bom de esconder. Será que você é?
Por um momento, a desconfiança deu lugar a uma faísca de curiosidade.
— Talvez.Victor observava a interação em silêncio sem demonstrar sequer uma expressão favorável ou desfavorável an atitude de Amanda com sua filha Sofia.
— Teresa mostrará o resto da casa e explicará suas responsabilidades. Vou decidir mais tarde se você é adequada para o trabalho — disse ele, encerrando a conversa, se levantou seguindo para as obrigações de seu dia.
Capítulo 2 Amanda sabia que aquele trabalho era mais do que uma oportunidade financeira; era uma chance de trazer estabilidade para sua vida e ajudar sua mãe. Contudo, ela também sentia o peso de uma responsabilidade que ia além das suas expectativas iniciais.Assim que entrou na sala de estar, a presença imponente de Victor Castellani a recebeu. Ele estava vestido de maneira mais casual do que no dia anterior, com uma camisa azul desabotoada no colarinho e calça social, mas ainda assim mantinha a postura rígida e autoritária que a havia impressionado na entrevista.— Bom dia, Amanda — disse ele, indicando com um gesto que ela se sentasse na poltrona de couro diante dele. — Antes de começarmos oficialmente, preciso que você entenda algumas coisas sobre Sofia.Amanda sentiu a gravidade da situação e assentiu silenciosamente, ajustando-se na poltrona. Victor não parecia do tipo que enrolava para ir direto ao ponto, e sua expressão séria confirmava isso.— Sofia é... complicada — começo
Capítulo 3Amanda respirou fundo antes de cruzar o corredor que levava ao quarto de Sofia. Era seu primeiro dia oficial como babá, e ela estava preparada para enfrentar o que viesse — ou assim pensava."Seja paciente. Seja firme. E, principalmente, não leve para o lado pessoal." Aquelas palavras ecoavam em sua mente, lembrando-se do conselho que Teresa, a governanta, havia dado na noite anterior. Com um leve ajuste em seu suéter e um sorriso treinado no rosto, Amanda bateu suavemente na porta.— Sofia? Posso entrar?O silêncio foi a única resposta. Amanda, porém, já sabia que estava sendo observada. Empurrou a porta com cuidado e encontrou a menina sentada na cama, os pequenos braços cruzados e um olhar que misturava desafio e curiosidade.— Bom dia, Sofia! — disse Amanda, mantendo o sorriso. — Dormiu bem?Sofia arqueou uma sobrancelha, claramente entediada com a pergunta.— Você fala demais.Amanda soltou uma risada curta, tentando quebrar o gelo.— É verdade. Falo muito mesmo, mas s
Capítulo 4 Amanda chegou à mansão Castellani nas primeiras horas da manhã, com o sol ainda tímido no céu. Ela desceu do táxi, admirando a imponente residência com seus portões altos e jardins impecáveis. Era seu primeiro dia oficial como acompanhante de Sofia, e, embora sentisse um leve nervosismo, estava determinada a cumprir sua missão: conquistar a confiança da menina e ajudá-la a superar os muros emocionais que claramente a cercavam.A porta foi aberta por Teresa, a governanta, que a recebeu com um sorriso acolhedor.— Bom dia, senhorita Amanda. Seja bem-vinda novamente.— Bom dia, Teresa. Obrigada. Como estão as coisas por aqui? — Amanda perguntou enquanto cruzava o hall espaçoso, iluminado pela luz suave da manhã.— Movimentadas, como sempre. O senhor Castellani já saiu para o trabalho, e Sofia ainda está dormindo. Aproveite para tomar um café antes de começar o dia — sugeriu Teresa, gesticulando em direção à cozinha.Amanda assentiu, agradecendo. Na cozinha, o cheiro de café f
Capítulo 5Amanda observava Sofia brincar com seus bonecos em um canto da sala. A luz suave que entrava pela janela iluminava o rosto da menina, que exibia uma alegria quase inocente, mas rara. Desde que chegara à mansão Castellani, Amanda havia notado algo que a deixava inquieta: apesar de sua energia e inteligência, Sofia era uma criança solitária. Mesmo rodeada por conforto e luxo, faltava-lhe algo essencial, a presença ativa de seu pai, Victor.Amanda compreendia que Victor Castellani não era um homem fácil. Sempre impecável, com sua postura altiva e olhar sério, ele parecia carregar o peso do mundo sobre os ombros. Desde a morte de sua esposa, Camila, ele havia se fechado em uma redoma de trabalho e responsabilidades, como se estivesse tentando se proteger de mais perdas. Mas Amanda sabia que, por trás daquela fachada rígida, havia um pai que, mesmo desajeitado, amava sua filha. Ele só precisava de um empurrão na direção certa.Foi com essa determinação que Amanda se aproximou de
Capítulo 6 Amanda terminava de arrumar a mesa para o café da manhã quando notou que Sofia ainda não havia descido. Era estranho. Geralmente, a menina era a primeira a aparecer, cheia de energia e perguntas curiosas sobre o que fariam naquele dia. Mas naquela manhã, o silêncio parecia mais predominante que o de costume, e Amanda sentiu um calafrio de preocupação.— Dona Teresa, Sofia ainda está dormindo? — Amanda perguntou, tentando disfarçar a inquietação em sua voz.A governanta, que colocava cuidadosamente uma bandeja sobre o balcão, balançou a cabeça. — Não, querida. Eu a vi no jardim mais cedo, mas parecia… diferente. Não sei explicar. Talvez seja bom você ir falar com ela.Amanda assentiu, pegou um suéter para proteger-se do ar frio da manhã e seguiu em direção ao jardim. Passando pelas portas de vidro, avistou Sofia sentada sob o carvalho imponente que dominava o centro do espaço. A menina estava encolhida, com as pernas dobradas contra o peito, o rosto parcialmente escondido p