Amanda respirou fundo antes de cruzar o corredor que levava ao quarto de Sofia. Era seu primeiro dia oficial como babá, e ela estava preparada para enfrentar o que viesse — ou assim pensava.
"Seja paciente. Seja firme. E, principalmente, não leve para o lado pessoal." Aquelas palavras ecoavam em sua mente, lembrando-se do conselho que Teresa, a governanta, havia dado na noite anterior. Com um leve ajuste em seu suéter e um sorriso treinado no rosto, Amanda bateu suavemente na porta.
— Sofia? Posso entrar?
O silêncio foi a única resposta. Amanda, porém, já sabia que estava sendo observada. Empurrou a porta com cuidado e encontrou a menina sentada na cama, os pequenos braços cruzados e um olhar que misturava desafio e curiosidade.
— Bom dia, Sofia! — disse Amanda, mantendo o sorriso. — Dormiu bem?
Sofia arqueou uma sobrancelha, claramente entediada com a pergunta.
— Você fala demais.
Amanda soltou uma risada curta, tentando quebrar o gelo.
— É verdade. Falo muito mesmo, mas só quando quero conhecer pessoas especiais.
Sofia não respondeu. Apenas continuou encarando Amanda como se estivesse decidindo se valia a pena perder tempo com ela.
— Sua governanta pediu para eu te ajudar a se preparar para o café da manhã. Que tal começarmos o dia escolhendo uma roupa bonita? — sugeriu Amanda, tentando parecer descontraída.
Sofia revirou os olhos de forma exagerada.
— Não preciso de ajuda. Sei me vestir sozinha.
Amanda levantou as mãos em um gesto de rendição, mantendo o tom calmo.
— Tudo bem, mas eu ainda quero ver o que você escolheu. Aposto que vai ser incrível.
A menina estreitou os olhos, como se analisasse cada palavra de Amanda, buscando algum traço de sarcasmo ou condescendência. Não encontrando nada, apenas levantou da cama e foi até o guarda-roupa.
Enquanto Sofia vasculhava as gavetas, Amanda começou a arrumar a cama. Os lençóis tinham o cheiro fresco de lavanda, mas ao tocar no travesseiro, sentiu algo pegajoso. Levantou-o e encontrou um lápis de cera azul grudado.
Sofia olhou por cima do ombro, um sorriso travesso brincando em seus lábios.
— Ups. Deve ter caído.
Amanda respirou fundo, escondendo sua irritação. "É um teste. Só um teste."
— Acho que esse lápis não deveria estar na cama, né? — disse Amanda, mantendo o tom neutro. — Que tal colocarmos ele de volta na gaveta?
— Não. Eu gosto dele aqui.
Amanda encontrou o olhar de Sofia, mas ao invés de entrar na provocação, pegou o lápis calmamente e o colocou sobre a escrivaninha.
— Pronto. Agora está seguro.
Sofia franziu o cenho, como se não esperasse essa reação.
— Você não vai brigar comigo?
Amanda inclinou a cabeça, fingindo surpresa.
— Por causa de um lápis? Não. Prefiro guardar minha energia para coisas mais importantes, como brincar depois do café.
A resposta desconcertou Sofia, que voltou sua atenção para o guarda-roupa, murmurando algo inaudível. Amanda notou que, por mais que Sofia tentasse ser uma tempestade, havia algo de vulnerável em sua postura, como se testasse o quanto Amanda estaria disposta a aguentar.
Durante o café da manhã, Sofia parecia determinada a transformar o ambiente em um campo de batalha. Primeiro, empurrou o prato com força para longe, cruzando os braços.
— Não estou com fome.
Amanda se sentou calmamente ao lado dela, sem dar atenção à provocação inicial.
— Tudo bem. Mas caso mude de ideia, o pãozinho ainda estará quentinho.
Sofia lançou um olhar de soslaio, mas não cedeu.
Quando Teresa trouxe um copo de suco de laranja, Sofia olhou diretamente para Amanda antes de derrubá-lo "acidentalmente".
— Opa.
O suco escorreu pela mesa, pingando no chão, e Teresa balançou a cabeça ao fundo, claramente acostumada com a cena. Amanda pegou um pano com tranquilidade, começando a limpar.
— Essas coisas acontecem — disse Amanda, sem dar importância ao incidente. — Eu costumava derrubar tudo quando era criança. Uma vez, virei um pote inteiro de geleia na cabeça do meu irmão.
Sofia piscou, surpresa.
— Sério?
— Sério. Ele ficou furioso, mas acabou rindo depois que percebeu que eu estava toda coberta de geleia também.
O vislumbre de um sorriso apareceu no rosto de Sofia, mas ela rapidamente o escondeu.
— Você era desastrada, então.
— Pode apostar. E ainda sou um pouco — respondeu Amanda, piscando para ela.
Sofia não respondeu, mas pela primeira vez naquela manhã, pareceu menos tensa.
Mais tarde, Amanda sugeriu um passeio pelo jardim. O dia estava claro, com o céu tingido de um azul vibrante. Sofia, relutante, concordou, mas não sem antes insistir em usar botas de chuva enormes, apesar do clima seco.
— Vai fazer calor lá fora. Talvez queira trocar de calçado? — sugeriu Amanda.
— Não. Essas botas são as minhas favoritas.
— Tudo bem. Botas de chuva combinam com qualquer coisa, não é?
Sofia lançou um olhar desconfiado, sem entender se Amanda estava sendo irônica. Por fim, resolveu calar-se e seguiu para o jardim.
Enquanto caminhavam entre as flores bem cuidadas, Sofia correu na frente, desaparecendo atrás de uma grande árvore. Amanda sabia exatamente o que a menina estava fazendo, mas decidiu entrar na brincadeira.
— Sofia? Onde você está? — chamou, fingindo preocupação.
Sofia espiou por trás do tronco, tentando conter o riso.
— Não acredito que você desapareceu! — continuou Amanda, andando em círculos. — Talvez tenha virado um passarinho... ou um esquilo!
Sofia não conseguiu se conter e saiu de trás da árvore, gargalhando.
— Eu não sou um esquilo, sua boba!
— Ah, ainda bem! Não saberia cuidar de um esquilo — respondeu Amanda, com falsa seriedade.
Sofia riu mais uma vez, mas rapidamente recuperou sua postura séria, como se não quisesse demonstrar fraqueza.
À tarde, durante uma atividade de pintura na sala, Sofia derrubou um pote de tinta azul no chão, encarando Amanda com um sorriso desafiador.
— Opa.
Amanda olhou para a bagunça e depois para Sofia, sem perder a calma.
— Vamos limpar isso juntas?
— Não quero. Você limpa.
— Tudo bem, mas você sabe que poderia me ajudar. Trabalhar em equipe é sempre mais rápido.
Sofia cruzou os braços, recusando-se a ajudar. Amanda suspirou, mas começou a limpar mesmo assim, sem reclamar. Quando terminou, olhou para Sofia com um sorriso leve.
— Talvez na próxima vez você queira participar. Pode ser divertido.
Sofia não respondeu, mas Amanda percebeu que ela estava confusa com a falta de reação exagerada.
Quando a noite chegou, Amanda estava exausta, mas sentia que pequenos avanços haviam sido feitos. Enquanto guardava os materiais de pintura, Sofia se aproximou, segurando seu urso de pelúcia.
— Você vai embora agora? — perguntou, a voz soando mais tímida.
Amanda, surpresa pelo tom, parou o que estava fazendo.
— Ainda não. Vou ajudar a Teresa antes de ir.
Sofia hesitou por um instante, como se quisesse dizer algo, mas acabou apenas abraçando o urso com força.
— Boa noite, Amanda — disse, antes de correr para o quarto.
Amanda observou a menina se afastar, sentindo que, apesar dos desafios, havia plantado uma pequena semente de confiança naquele dia.
Na cozinha, Teresa a esperava com uma xícara de chá, avaliando-a com um olhar curioso.
— Ela testou todos os seus limites hoje, não foi?
Amanda soltou uma risada cansada.
— Sim. Mas acho que isso faz parte.
Teresa assentiu.
— Sofia é assim com todo mundo. Mas, com você, ela parece... diferente.
Amanda deu de ombros, mas havia um brilho de esperança em seus olhos.
— Talvez ela só precise de tempo.
Teresa ergueu uma sobrancelha, como se duvidasse da paciência de Amanda a longo prazo, mas ofereceu um leve sorriso.
— Vamos ver se ainda pensa assim na próxima semana.
Amanda riu, mas sabia que Teresa estava certa. Haveria muitos outros testes pela frente, mas algo dizia a ela que Sofia valia o esforço. "As melhores conexões não acontecem de um dia para o outro," pensou, enquanto olhava para o céu estrelado pela janela.
Amanda riu, mas sabia que Teresa tinha razão. Sofia ainda tinha muitas travessuras reservadas, mas Amanda estava determinada a não recuar. Ao sair da mansão naquela noite, Amanda olhou para o céu estrelado e sentiu uma mistura de cansaço e esperança. Sabia que o caminho seria difícil, mas estava decidida a encontrar uma maneira de quebrar as barreiras de Sofia. Afinal, as batalhas mais difíceis eram as que valiam a pena lutar.
Ao sair pela porta principal da mansão, Amanda ajustava sua bolsa no ombro, os músculos ainda tensos pelo dia exaustivo, mas com um leve sorriso no rosto.
Enquanto descia os degraus, ouviu o ronco suave de um motor se aproximando. Um carro preto elegante estacionou no pátio, e, ao abrir a porta, Victor desceu, com sua habitual postura firme e o semblante levemente cansado, ainda vestindo um terno impecável. Seus olhos pousaram rapidamente em Amanda, e ele franziu o cenho como se estivesse surpreso por vê-la ali.
— Amanda? Está indo embora? — perguntou ele, sua voz baixa, mas carregada de curiosidade.
Amanda parou no último degrau, endireitando a postura antes de responder.
— Sim, senhor Victor. Meu dia terminou. — Ela hesitou por um momento, mas completou com um tom leve. — Sofia me manteve bastante ocupada.Victor deu um leve sorriso, quase imperceptível, enquanto se aproximava. Ele notou uma mancha azul discreta no canto da blusa de Amanda e arqueou uma sobrancelha.
— Posso imaginar. Espero que ela não tenha tornado sua vida um inferno no primeiro dia.Amanda riu suavemente, sem perder a compostura.
— Digamos que foi... desafiador. Mas acredito que estamos começando a nos entender.Victor ficou em silêncio por um momento, analisando Amanda. Ele não estava acostumado a ver alguém lidar com Sofia sem reclamações ou exasperação. Havia algo diferente naquela jovem, algo que ele não conseguia definir completamente.
— É bom saber que você não desistiu — comentou ele, em um tom quase de aprovação. — Sofia pode ser difícil, mas ela precisa de alguém que tenha paciência.
Amanda sorriu, apertando a alça da bolsa.
— Não é fácil, mas eu sabia que não seria. E, honestamente, acho que vale a pena tentar. Boa noite, senhor Victor.— Boa noite, Amanda — respondeu ele, observando-a caminhar pelo pátio iluminado pela lua até o portão.
Quando Amanda desapareceu de vista, Victor permaneceu parado por alguns instantes, com as mãos nos bolsos e o olhar fixo na entrada. Pensou em como ela parecia genuína em suas palavras, algo raro entre os funcionários da casa. Respirou fundo, entrando na mansão com passos calmos. Assim que cruzou o hall, encontrou Teresa à sua espera.
— Então, como ela foi? — perguntou ele, direto.
Teresa deu de ombros, um sorriso contido brincando em seus lábios.
— Ela passou no primeiro teste. Sofia tentou de tudo para provocá-la, mas Amanda manteve a calma o tempo todo. É cedo para dizer, mas talvez ela tenha algo especial.Victor subiu os degraus, pensando nas palavras de Teresa. "Algo especial..." Ele balançou a cabeça, permitindo-se um raro momento de esperança. Talvez Amanda fosse exatamente o que Sofia precisava.
Capítulo 4 Amanda chegou à mansão Castellani nas primeiras horas da manhã, com o sol ainda tímido no céu. Ela desceu do táxi, admirando a imponente residência com seus portões altos e jardins impecáveis. Era seu primeiro dia oficial como acompanhante de Sofia, e, embora sentisse um leve nervosismo, estava determinada a cumprir sua missão: conquistar a confiança da menina e ajudá-la a superar os muros emocionais que claramente a cercavam.A porta foi aberta por Teresa, a governanta, que a recebeu com um sorriso acolhedor.— Bom dia, senhorita Amanda. Seja bem-vinda novamente.— Bom dia, Teresa. Obrigada. Como estão as coisas por aqui? — Amanda perguntou enquanto cruzava o hall espaçoso, iluminado pela luz suave da manhã.— Movimentadas, como sempre. O senhor Castellani já saiu para o trabalho, e Sofia ainda está dormindo. Aproveite para tomar um café antes de começar o dia — sugeriu Teresa, gesticulando em direção à cozinha.Amanda assentiu, agradecendo. Na cozinha, o cheiro de café f
Capítulo 5Amanda observava Sofia brincar com seus bonecos em um canto da sala. A luz suave que entrava pela janela iluminava o rosto da menina, que exibia uma alegria quase inocente, mas rara. Desde que chegara à mansão Castellani, Amanda havia notado algo que a deixava inquieta: apesar de sua energia e inteligência, Sofia era uma criança solitária. Mesmo rodeada por conforto e luxo, faltava-lhe algo essencial, a presença ativa de seu pai, Victor.Amanda compreendia que Victor Castellani não era um homem fácil. Sempre impecável, com sua postura altiva e olhar sério, ele parecia carregar o peso do mundo sobre os ombros. Desde a morte de sua esposa, Camila, ele havia se fechado em uma redoma de trabalho e responsabilidades, como se estivesse tentando se proteger de mais perdas. Mas Amanda sabia que, por trás daquela fachada rígida, havia um pai que, mesmo desajeitado, amava sua filha. Ele só precisava de um empurrão na direção certa.Foi com essa determinação que Amanda se aproximou de
Capítulo 6 Amanda terminava de arrumar a mesa para o café da manhã quando notou que Sofia ainda não havia descido. Era estranho. Geralmente, a menina era a primeira a aparecer, cheia de energia e perguntas curiosas sobre o que fariam naquele dia. Mas naquela manhã, o silêncio parecia mais predominante que o de costume, e Amanda sentiu um calafrio de preocupação.— Dona Teresa, Sofia ainda está dormindo? — Amanda perguntou, tentando disfarçar a inquietação em sua voz.A governanta, que colocava cuidadosamente uma bandeja sobre o balcão, balançou a cabeça. — Não, querida. Eu a vi no jardim mais cedo, mas parecia… diferente. Não sei explicar. Talvez seja bom você ir falar com ela.Amanda assentiu, pegou um suéter para proteger-se do ar frio da manhã e seguiu em direção ao jardim. Passando pelas portas de vidro, avistou Sofia sentada sob o carvalho imponente que dominava o centro do espaço. A menina estava encolhida, com as pernas dobradas contra o peito, o rosto parcialmente escondido p
Capítulo 1Amanda olhou para a cama improvisada no sofá onde Dona Marlene descansava, a pele pálida e os traços abatidos denunciando sua fragilidade. Apesar de tudo, havia ternura em seu olhar, mesmo ao dormir. Amanda ajeitou a coberta com cuidado, tentando ao menos proporcionar conforto onde não podia oferecer soluções.O relógio na parede do pequeno apartamento marcava 7h15 da manhã, mas Amanda já estava acordada há horas. As preocupações pesavam como uma âncora, prendendo-a em um turbilhão de ansiedade. Na mesa da sala, uma pilha de contas acumulava-se como uma montanha intransponível: aluguel atrasado, faturas de água e luz esquecidas no tempo, e os custos exorbitantes do tratamento médico de sua mãe, que recentemente fora diagnosticada com uma doença crônica.— Vai dar certo, mãe. Eu prometo — murmurou, mais para si mesma do que para a mulher adormecida.Amanda suspirou depois de arrumar as cobertas em cima de sua mãe, ela acariciou o rosto de sua querida mãe com o coração pesado
Capítulo 2 Amanda sabia que aquele trabalho era mais do que uma oportunidade financeira; era uma chance de trazer estabilidade para sua vida e ajudar sua mãe. Contudo, ela também sentia o peso de uma responsabilidade que ia além das suas expectativas iniciais.Assim que entrou na sala de estar, a presença imponente de Victor Castellani a recebeu. Ele estava vestido de maneira mais casual do que no dia anterior, com uma camisa azul desabotoada no colarinho e calça social, mas ainda assim mantinha a postura rígida e autoritária que a havia impressionado na entrevista.— Bom dia, Amanda — disse ele, indicando com um gesto que ela se sentasse na poltrona de couro diante dele. — Antes de começarmos oficialmente, preciso que você entenda algumas coisas sobre Sofia.Amanda sentiu a gravidade da situação e assentiu silenciosamente, ajustando-se na poltrona. Victor não parecia do tipo que enrolava para ir direto ao ponto, e sua expressão séria confirmava isso.— Sofia é... complicada — começo