Amanda terminava de arrumar a mesa para o café da manhã quando notou que Sofia ainda não havia descido. Era estranho. Geralmente, a menina era a primeira a aparecer, cheia de energia e perguntas curiosas sobre o que fariam naquele dia. Mas naquela manhã, o silêncio parecia mais predominante que o de costume, e Amanda sentiu um calafrio de preocupação.
— Dona Teresa, Sofia ainda está dormindo? — Amanda perguntou, tentando disfarçar a inquietação em sua voz.
A governanta, que colocava cuidadosamente uma bandeja sobre o balcão, balançou a cabeça. — Não, querida. Eu a vi no jardim mais cedo, mas parecia… diferente. Não sei explicar. Talvez seja bom você ir falar com ela.
Amanda assentiu, pegou um suéter para proteger-se do ar frio da manhã e seguiu em direção ao jardim. Passando pelas portas de vidro, avistou Sofia sentada sob o carvalho imponente que dominava o centro do espaço. A menina estava encolhida, com as pernas dobradas contra o peito, o rosto parcialmente escondido pelos braços. Algo em sua postura fez o coração de Amanda apertar.
— Sofia? — Amanda chamou, aproximando-se com cuidado.
Sofia levantou a cabeça lentamente, e Amanda pôde ver seus olhos vermelhos, como se tivesse chorado. A menina não disse nada, mas deu um pequeno aceno de cabeça, indicando que Amanda podia se sentar ao seu lado.
Amanda se acomodou na grama, a uma distância que deixava espaço para Sofia, mas suficiente para que ela soubesse que não estava sozinha.
— Você quer conversar? — Amanda perguntou com delicadeza, sua voz suave como o vento que soprava entre as folhas.
Sofia ficou em silêncio por um longo momento, brincando com uma folha seca que encontrara no chão. Amanda esperou pacientemente, sem pressioná-la. Finalmente, a menina suspirou profundamente e sussurrou:
— Eu sinto tanta falta dela...
Amanda sentiu o peso daquelas palavras, como se carregassem todo o luto que Sofia guardava dentro de si. Era a primeira vez que a menina mencionava sua mãe diretamente, e Amanda sabia que aquele era um momento importante.
— Da sua mãe? — Amanda perguntou, mesmo já sabendo a resposta. Sofia apenas assentiu, seus olhos fixos na folha que rasgava lentamente entre os dedos.
— Papai não gosta de falar sobre ela — Sofia continuou, sua voz tremendo. — Sempre que eu pergunto, ele muda de assunto ou vai trabalhar. É como se... ele quisesse esquecer que ela existiu.
Amanda sentiu o coração apertar ainda mais. Ela sabia que Victor estava tentando lidar com a dor à sua maneira, mas aquilo estava afetando Sofia profundamente. Amanda se inclinou levemente para frente, buscando os olhos da menina.
— Eu acho que seu pai não quer esquecer sua mãe, Sofia. Acho que ele está com medo de lembrar, porque dói muito.
Sofia finalmente olhou para Amanda, seus olhos cheios de lágrimas que ela tentava segurar. — Mas eu não quero esquecer. Eu não quero que ela desapareça da minha vida.
Amanda segurou a mão de Sofia com carinho. — E ela nunca vai desaparecer. Sua mãe está com você de muitas maneiras, Sofia. No seu sorriso, nas suas lembranças... e no amor que ela deixou. Mesmo que seu pai não consiga falar sobre isso agora, tenho certeza de que ele também sente a falta dela.
Sofia fungou, limpando os olhos com a manga do casaco. — Eu me lembro de como ela cantava pra mim antes de dormir. E de como ela fazia panquecas nos fins de semana... Ela dizia que panquecas curavam qualquer tristeza.
Amanda sorriu suavemente, imaginando a cena. — Ela devia ser uma mãe incrível.
— Ela era. — Sofia olhou para o horizonte, perdida nas lembranças. — Mas, depois que ela foi embora, tudo mudou. Papai está sempre ocupado, e eu fico sozinha. Eu tento ser forte, mas... às vezes, parece que ninguém se importa.
Amanda sentiu a dor naquelas palavras como se fosse ela que estivesse sentindo. Ela sabia que Sofia não estava sendo negligenciada de propósito, mas também sabia que a menina precisava desesperadamente de atenção e conforto.
— Sofia, você nunca está sozinha — Amanda disse com firmeza. — E, mesmo que seu pai tenha dificuldades para demonstrar, ele se importa com você. Ele te ama mais do que qualquer coisa. Só que, às vezes, os adultos não sabem como lidar com a dor. Mas eu prometo que estou aqui para você. Sempre que quiser conversar ou lembrar da sua mãe, eu vou ouvir, tá bom?
Sofia olhou para Amanda, e algo em sua expressão mudou. Havia uma mistura de alívio e esperança nos olhos da menina, como se ela finalmente tivesse encontrado um lugar seguro para desabafar.
— Obrigada, Amanda — Sofia murmurou, sua voz baixa, mas sincera. — Você é a única que realmente me escuta.
Amanda sorriu e puxou Sofia para um abraço, sentindo o pequeno corpo tremer contra o dela. Amanda sabia que não poderia substituir a mãe de Sofia, mas estava determinada a ser o apoio de que a menina precisava.
***
Mais tarde, Amanda encontrou Victor no escritório. Ele estava cercado por papéis e parecia absorvido no trabalho, como sempre. Mas Amanda não podia ignorar o que Sofia havia lhe contado, e sabia que precisava falar com ele.
— Senhor Castellani, posso falar com você? — ela perguntou, parando à porta.
Victor olhou para cima, claramente surpreso com a interrupção. — Claro, Amanda. Entre.
Amanda entrou, fechando a porta atrás de si. Ela respirou fundo, preparando-se para o que sabia que seria uma conversa difícil.
— Eu estive com Sofia esta manhã — ela começou. — E acho que o senhor precisa saber o que está acontecendo com ela.
Victor franziu a testa, endireitando-se na cadeira. — O que aconteceu? Ela está bem?
— Fisicamente, sim. Mas emocionalmente... ela está muito magoada. Ela sente falta da mãe, senhor Castellani. E sente que não pode contar com o senhor para ajudá-la a lidar com isso.
Victor parecia pego de surpresa pelas palavras de Amanda. Ele abriu a boca para dizer algo, mas a fechou novamente, como se não soubesse como responder.
— Sofia sente que o senhor a está afastando, Victor — Amanda continuou, suavizando o tom. — Eu sei que não é por mal. Sei que o senhor está tentando lidar com a sua dor. Mas, ao fazer isso, o senhor está deixando Sofia sozinha com a dela.
Victor passou a mão pelo rosto, claramente abalado. — Eu... não sabia que ela se sentia assim.
— Talvez porque ela não tenha tido coragem de dizer — Amanda respondeu. — Mas hoje, ela finalmente se abriu comigo. E o que ela disse partiu meu coração. Victor, ela precisa de você. Não como o empresário ocupado que o senhor é, mas como o pai que ela perdeu junto com a mãe.
Victor ficou em silêncio, suas mãos entrelaçadas sobre a mesa. Finalmente, ele suspirou e olhou para Amanda, seus olhos carregados de dor.
— Eu não sei como fazer isso, Amanda — ele admitiu, sua voz baixa. — Desde que Camila se foi, eu... Não sei como ser pai e, ao mesmo tempo, enfrentar minha própria dor. Cada vez que olho para Sofia, eu vejo Camila. E isso me destrói.
Amanda se aproximou, sua voz firme, mas gentil. — Eu entendo que dói. Mas Sofia também sente essa dor, senhor Castellani. E ela precisa saber que o senhor está ao lado dela, enfrentando isso juntos. Ela não quer que o senhor seja perfeito. Ela só quer que o senhor esteja presente.
Victor abaixou a cabeça, como se as palavras de Amanda o tivessem atingido profundamente. Finalmente, ele assentiu lentamente.
— Você está certa, Amanda. Eu tenho falhado com Sofia... e com Camila. Não quero que minha filha sinta que está sozinha. Eu só... preciso de tempo para descobrir como fazer isso.
— E eu estou aqui para ajudar no que for preciso. Mas acho que o primeiro passo é simples: comece ouvindo Sofia. Deixe ela saber que o senhor está lá para ela.
Victor levantou os olhos para Amanda, e havia uma determinação nova em sua expressão. — Vou tentar. Por Sofia, eu preciso tentar.
Amanda sorriu, sentindo que aquele era o começo de algo importante. Tanto para Victor quanto para Sofia.
Capítulo 7 Amanda estava ajudando Dona Teresa a finalizar a arrumação da mesa de jantar. Depois da conversa com Sofia e Victor mais cedo, sentiu que precisava participar, de algum modo, para ajudar a quebrar a barreira de frieza que dominava aquele lugar. — Tem certeza de que ele vai vir? — Dona Teresa perguntou, cética, enquanto temperava uma salada. — O senhor Victor não costuma jantar na mesa com ninguém. Ultimamente, ele mal come. — Tenho, sim — Amanda respondeu, com mais convicção do que realmente sentia. — Hoje foi diferente. Ele prometeu que tentaria passar mais tempo com Sofia. E eu acredito nele. Dona Teresa deu de ombros, mas não disse mais nada. Havia algo na determinação de Amanda que lhe dava uma ponta de esperança. Pouco antes do jantar, Amanda foi até o quarto de Sofia para buscá-la. Bateu de leve na porta e entrou quando ouviu o murmúrio tímido da menina. Sofia estava deitada na cama, folheando distraída um livro de desenhos animados. Seus olhos se iluminaram
Capítulo 8Enquanto Amanda cruzava o extenso jardim em direção à entrada, seu coração estava cheio de expectativa. Após o jantar harmonioso da noite anterior, Amanda percebeu que Victor estava começando a baixar a guarda, e ela queria aproveitar aquele momento para criar novas memórias com Sofia e, talvez, ajudar Victor a se reconectar ainda mais com a filha. No caminho, avistou o jardineiro, o senhor Augusto, que podava cuidadosamente as roseiras próximas à fonte.— Bom dia, senhor Augusto! — cumprimentou Amanda com um sorriso caloroso.— Bom dia, dona Amanda. Está um dia bonito hoje, não? — respondeu ele, levantando-se e limpando as mãos no avental.— Está sim, perfeito para renovar energias — disse Amanda, sentindo o aroma das flores ao seu redor antes de seguir adiante.Ao entrar na mansão, Dona Teresa já estava na cozinha preparando o café da manhã. Amanda cumprimentou-a rapidamente e subiu até o quarto de Sofia. Bateu de leve na porta e ouviu a voz son
Capítulo 9Amanda saiu do carro entrando na casa, modesta, mas aconchegante, parecia envolvê-la em um abraço de calma e segurança, algo que Amanda valorizava, caminhou até a cozinha. A cozinha era pequena com armários antigos onde tantas conversas com sua mãe haviam acontecido. Amanda acendeu a luz, iluminando o ambiente com um tom amarelado, e começou a preparar um jantar rápido.Enquanto picava legumes para fazer uma sopa, seus pensamentos vagavam. Finalmente, depois de meses de busca, tinha conseguido um emprego estável. O alívio que sentia era imenso, quase como se pudesse respirar fundo pela primeira vez em muito tempo. As contas acumuladas, o peso do aluguel e, principalmente, o custo do tratamento de sua mãe haviam se tornado um fardo que ela carregava sozinha. Agora, Amanda sentia que começava a ver a luz no fim do túnel.Porém, mesmo aliviada, não podia deixar de pensar nas pessoas para quem agora trabalhava. Victor Castellani, um homem tão sério e reservado, parecia carregar
Capítulo 10Diante do espelho, ajeitava os fios soltos de seu rabo de cavalo. Vestia uma roupa simples, mas confortável, adequada para mais um dia de trabalho. Apesar da aparência tranquila, sua mente estava inquieta.Desde que começara a trabalhar para Victor Castellani, sua rotina havia ganhado uma estabilidade que há muito tempo não conhecia. Porém, nos últimos dias, um sentimento novo vinha em uma crescente nela, algo que ela não sabia como lidar.Amanda balançou a cabeça, como se pudesse afastar os pensamentos.— Não, Amanda. Isso é errado — murmurou para si mesma.Lembrou-se de sua posição na casa. Era a babá de Sofia, apenas isso. Victor era seu chefe, um homem marcado pela tragédia, que dedicava todos os esforços à filha e ao trabalho. Além disso, a última coisa que Amanda queria era complicar sua vida com sentimentos que poderiam arruinar tudo o que ela havia conquistado.Pegou sua bolsa e desceu as escadas rapidamente. Antes de sair, foi até o quarto de sua mãe para verifica
Capítulo 11Era uma tarde tranquila na Mansão dos Castellani. Amanda estava terminando de organizar a agenda de Sofia, enquanto a menina brincava no tapete da sala com suas bonecas. Victor, recém-chegado do trabalho, folheava alguns papéis em uma poltrona próxima. A serenidade da cena era um contraste com o ritmo acelerado que Victor estava acostumado no mundo dos negócios.Amanda hesitou por alguns instantes antes de falar.— Senhor Castellani? — chamou, sua voz suave mas firme o suficiente para chamar sua atenção.Victor ergueu os olhos dos documentos, franzindo levemente a testa.— Sim, Amanda?Ela respirou fundo antes de continuar.— Eu estava pensando... O que acha de levarmos Sofia ao parque de diversões hoje à noite? Está um clima agradável, e acho que ela iria adorar.Victor arqueou uma sobrancelha, claramente surpreso com a sugestão. Ele raramente saía de casa para atividades de lazer, muito menos em público, onde ele e Sofia poderiam ser o centro de atenção.— Ao parque? — p
Capítulo 12Amanda entrou no quarto de hóspedes da mansão dos Castellani com passos lentos, ainda sentindo o peso da intensidade da noite que passara ao lado de Victor e Sofia no parque de diversões. Sua mente estava tumultuada, com pensamentos que insistiam em girar ao redor do olhar intenso que Victor lhe lançara antes de ela subir para o quarto.Colocando sua bolsa e pequenos pertences no criado-mudo ao lado da cama, ela respirou fundo, tentando acalmar os nervos. Dirigiu-se ao banheiro com sua nécessaire, decidida a tomar um banho quente para relaxar antes de dormir.A água escorria por seu corpo, levando embora a tensão, mas não os pensamentos. Por que Victor a havia pedido para ficar? E aquele olhar... aquele toque breve e intenso que ele lhe dirigira antes. Amanda balançou a cabeça, tentando afastar os devaneios. Ele era seu chefe, um homem poderoso e reservado. Não fazia sentido ela sequer cogitar outra coisa.Após se vestir com seu pijama, uma camisola simples e confortável,
Capítulo 13Amanda preparava Sofia para a escola, enquanto a menina, com a típica energia infantil, tagarelava sobre o dia anterior. A lembrança da noite passada, quando Victor a beijou, ainda pairava na mente de Amanda. Mesmo que ele fosse reservado e, às vezes, difícil de ler, o beijo parecia carregado de emoções. Ela não sabia ao certo como lidar com isso, mas uma pequena faísca de esperança brilhava dentro dela. Talvez, apenas talvez, Victor estivesse começando a baixar as muralhas que o cercavam.Victor, por outro lado, não tinha a mesma serenidade. Ele estava no escritório de sua mansão, revisando alguns contratos, quando foi abruptamente interrompido pelo som do interfone. O segurança informou que Rodrigo, um antigo sócio, estava no portão insistindo para entrar.— Diga que estou ocupado — Victor respondeu, impaciente.— Senhor, ele está ameaçando criar uma cena — insistiu o segurança.Victor respirou fundo, sentindo o peso da irritação crescer. Sabia que Rodrigo não era do tip
Capítulo 14Os dias passavam com um ar de estranheza na mansão. Amanda, ainda magoada com o comportamento frio de Victor, fazia o possível para se manter distante dele. Embora continuasse cuidando de Sofia com todo o carinho e atenção, sua mente estava constantemente ocupada pelas dúvidas e emoções que insistiam em não lhe dar descanso.Sofia, por outro lado, era uma criança muito esperta. Apesar de sua pouca idade, ela conseguia notar que Amanda estava diferente. A jovem mulher que sempre lhe sorria com alegria agora parecia mais séria, às vezes até triste. Isso preocupava Sofia, que não sabia exatamente o que fazer para ajudar.Enquanto brincava no jardim, Sofia teve uma ideia. Inspirada por algo que sua professora disse na escola sobre demonstrar carinho, ela decidiu fazer um desenho especial para Amanda. Voltou correndo para dentro da casa e pediu lápis de cor e papel à governanta.Sofia começou a desenhar. Usando as cores vibrantes que tanto gostava, ela criou uma imagem simples,