Sophia Martins / Maria Laura Santos Beatriz estava empolgada com o dia de SPA. Enquanto as levava para a escola, recebi uma mensagem de dona Helena pedindo minha conta para que ela pudesse depositar meu pagamento. Expliquei a ela que precisei encerrar a minha conta, mas que faria outra. — Maria Laura, antes de comprar qualquer produto para pele da senhorita Beatriz, preciso que venha aqui. Tenho algumas condições para você. — disse dona Helena, com sua habitual seriedade. — Tudo bem, senhora Helena. — Assim que desliguei, Beatriz me encarou. — Maria Laura, você já fez SPA com as suas amigas antes? — perguntou ela, curiosa. — Já sim. Pintávamos as unhas umas das outras com o esmalte que a gente pedia para dona Vilma, que era dona do salão. E pegávamos barro, misturávamos com água e passávamos na cara. — respondi, sorrindo com a lembrança. — Credo! Não é isso que vai fazer comigo, né? — Ela perguntou chocada. — Não, relaxa! Vou comprar produtos bons para você, só coisa apr
Após chegar ao jardim, entrei na casa sem ser vista e, assim que cheguei ao meu quarto, tomei um susto ao ver alguém deitado em minha cama. Quase gritei e fiz diversas orações, pois tenho pavor de fantasmas, mas quando me aproximei, vi que era apenas Lara deitada e respirei aliviada. Ela parecia tão pequena e vulnerável, abraçando o travesseiro como se fosse um escudo contra os medos noturnos. — Oi, princesa, o que está fazendo aqui? — perguntei gentilmente, sentando ao lado dela. — Estava com medo do monstro embaixo da cama. — Ela estava com a voz chorosa, os olhos grandes e assustados me encarando. — Onde você estava? — Estava no jardim. Vamos voltar para o seu quarto? — A menininha agarrou o meu braço firmemente. — Não, lá tem monstro. Ele quer me pegar. — Olhei para ela e sorri para acalmá-la. Quem me dera se os monstros da minha vida fossem apenas debaixo da minha cama. Insisti um pouco mais, mas como ela não quis ir para o seu quarto, não me importei e a deixei dormi
— Ah, Sebastião, estava... — comecei, hesitando um pouco para dar a impressão de que estava tentando lembrar de algo trivial. — Fui visitar uma amiga que mora um pouco longe. A conversa se estendeu mais do que eu esperava. — sorri, tentando parecer descontraída. — Perdi a noção do tempo, você sabe como é quando a gente encontra uma velha amiga, né? Sebastião me olhou por um momento, parecendo ponderar minha resposta. Finalmente, ele deu de ombros. — Entendo. Só fiquei preocupado, sabe? Esse horário não é seguro para uma moça estar na rua sozinha. E se a dona Helena te pega na rua naquele horário, você está lascada. — Agradeço a preocupação, Sebastião. Prometo que vou tomar mais cuidado da próxima vez. — falei, aliviada por ele ter aceitado a minha explicação. O resto do dia correu normalmente. Após deixarmos Maria Alice em casa, o tempo passou rapidamente enquanto eu cuidava das tarefas diárias e organizava as coisas para o retorno das meninas da escola. Quando chegou a hora de
Peguei o telefone e disquei o número de Letícia. Após alguns toques, ela atendeu com seu tom animado. — Oi, Sophia! — Letícia exclamou. — Como você está? — Oi, Letícia. — respondi, sentindo um sorriso surgir em meu rosto. — Estou bem, dentro do possível. E você? — Ah, você sabe como é. Sempre correndo de um lado para o outro. Mas estou bem. — ela respondeu com uma risada. — E como estão as coisas aí? Ah! E antes que pergunte estou maneirando nas drogas. — Ficaria feliz se dissesse que tinha parado. — Fique feliz mulher, eu dei uma maneirada já é um avanço. — Ela riu, mas não a acompanhei. — Não quero que aconteça com você igual a Tamires ano passado. — Tami, era uma das dançarinas assim como eu, mas infelizmente ela faleceu de overdose. — Ok, mamãe! — Imagino ela revirando os olhos. Suspirei, me sentindo cansada desse assunto. — Tem sido complicado, Letícia. Beatriz é uma menina difícil de lidar. Hoje tivemos mais um daqueles dias em que ela me testa o tempo todo. Letí
No dia seguinte, a rotina seguiu seu curso. Quando a noite finalmente chegou, meu estômago se apertou, precisava me arrumar para não me atrasar. Enquanto me arrumava lembranças de como fui parar naquele inferno club me veio a mente. *Flashback on* Havia acabado de chegar a São Paulo e não tinha muito dinheiro, pois o que tinha foi o que havia juntado com bicos que fazia em Minas. Parei em uma barraquinha que vendia coxinha e comprei duas, comigo elas e continuei andando, merda! O que uma pessoa como eu pode fazer para não morrer de fome? Não fazia a menor ideia. Se minha mãe tivesse escolhido a mim ao invés daquele marido desgraçado dela, eu não estaria nesta situação.Uma semana havia se passado e eu estava jogada na rua, fedida e morrendo de medo de ser estuprada. Um dia, parei em frente a um clube e decidi entrar para pedir se poderia tomar banho. Então um homem de meia idade se aproximou de mim com um sorriso que parecia amigável. — Olá, minha querida, pode tomar banho, sim
Depois que finalizei e as luzes se apagaram, saí do palco às pressas. Letícia, quando me viu correr, não perguntou o que estava acontecendo, mas eu estava respirando com dificuldade e disse a ela que precisava de um ar.— Vamos, amiga, meu número só vai começar daqui a meia hora.Quando chegamos do lado de fora, ela me puxou para o lado e olhou para mim.— Agora me conta, o que houve? — Minha amiga olhava para mim preocupada.— Lety, o motorista das meninas está aqui e ele me viu tirar a roupa no palco, amiga. E agora o que eu faço?Minha amiga olhou para mim com olhos arregalados.— Onde ele está, amiga? Vamos atrás dele e tentar explicar, pois ele não pode te caguetar.Minha amiga e eu entramos e ficamos procurando por Sebastião, até que o encontramos no bar, perdido em pensamentos.Nos aproximamos dele e, quando ele me viu, não esboçou expressão.— Sebastião, né? Precisamos conversar com você.— Maria Laura, o que faz aqui? Você é babá de três crianças durante o dia e, à noite, as
Sophia Martins / Maria Laura Santos Sempre soube que o inferno existia. Desde criança, sentia sua presença. A cada passo que meu padrasto dava pela casa, cada vez que ele elevava a voz, sabia que estava lá, à espreita, pronto para me engolir. Era como se o ar ficasse mais denso, mais difícil de respirar. Não havia fuga, não havia como escapar. O inferno estava em cada cômodo, em cada sombra, no olhar ameaçador dele. Tinha doze anos quando minha mãe se casou com ele. No início, ele parecia ser um homem bom, trabalhador e amoroso. Mas logo, a máscara caiu. O álcool começou a fluir em nossa casa como água, e com ele, a violência. Era sempre a mesma coisa: ele chegava em casa tarde, bêbado, procurando uma desculpa para descontar sua frustração. Minha mãe se tornava seu saco de pancadas, e eu, impotente, assistia tudo escondida atrás da porta do meu quarto. Certa noite, as coisas pioraram. Estava na sala, fazendo minha lição de casa, quando ouvi os gritos. Minha mãe implorava para q
A fila se estendia pela calçada, e eu me aproximei hesitante, tentando acalmar meu coração acelerado. Meu nome agora era Maria Laura Santos, um nome tão comum quanto possível, exatamente o que eu precisava. Respirei fundo e me aproximei de uma moça que parecia bem à vontade, apesar do calor e da longa espera. — Com licença, esta é a fila para as candidatas à vaga de babá? — perguntei. Ela se virou lentamente para mim, olhando-me de cima a baixo com uma expressão de desprezo. Seu nariz se contorceu ligeiramente, como se eu fosse uma visão desagradável. — Não se usa mais o termo 'babá', querida — respondeu ela, com um tom ácido. — Hoje em dia, chamamos de 'governanta infantil'. Senti meu rosto esquentar de vergonha. — Desculpe, é jeito de falar — respondi, tentando manter a compostura. Ela arqueou uma sobrancelha perfeita, evidentemente retocada, e sorriu de um jeito que não alcançava os olhos. — Percebe-se que você não tem classe — disse ela, fria. — Não vai passar nem da primei