3. Mulheres Complicadas

Por Filipe Chevalier

O trânsito estava caótico e eu estava atrasado, não que fosse um grande problema, afinal tudo que eu menos queria era ter que encontrar Ashley, mas seria muito mais fácil se ela não estivesse irritada. Quando finalmente consegui sair do congestionamento, descobri o motivo do problema, um incêndio num prédio fechou duas ruas e causou o caos.

Demorei perceber que aquele era o prédio da Jade, pensei em parar e ver se estava tudo bem com ela, mas não podia esquecer o jantar com Ashley, já estava adiando a tempo demais e faltar poderia me dar muito mais dor de cabeça. Segui meu caminho para o renomado restaurante francês no centro da cidade.

O restaurante ficava no último andar de um prédio e era necessário apresentar o nome na entrada, para que verificassem a reserva. No meu caso não era necessário, todos já me conheciam. Gostava daquele restaurante principalmente pela discrição, ninguém sairia falando por aí que levo minha noiva e minhas amantes no mesmo restaurante. E por algum motivo, todas se sentem muito especiais por isso.

Ashley estava sentada na mesa ao canto, que eu sempre escolhia por ser a mais afastada e discreta. Ela tamborilava os dedos na mesa, visivelmente impaciente com meu atraso. Respirei fundo buscando toda a paciência possível para esse encontro. Ela definitivamente não era uma pessoa fácil de lidar.

— Está atrasado! — reclamou em uma voz aguda e alta o suficiente para as pessoas perto ouvirem. — Sabe que detesto atrasos! Você me fez parecer uma idiota, todos estavam me olhando como se eu tivesse sido rejeitada, mas você só em si mesmo, não é? Até perdi o clima de jantar.

— Sinto muito, Ashley. Houve um incêndio e as ruas estavam impedidas, não atrasei por querer. — expliquei e abri a carta de vinhos, sabendo que as reclamação não parariam tão cedo e seria bom estar minimamente embriagado para aguentar.

— Não interessa, Filipe! Você deveria ter saído mais cedo ou algo assim, podia ter caído um meteoro no seu apartamento, ou qualquer coisa, mas você deveria estar aqui as sete! — continuou histérica, mas sem aumentar o tom de voz. Uma leve dor de cabeça ameaçou surgir enquanto eu avaliava o cardápio.

— Vou querer uma entrada de foie gras com torradas, de principal épaule d’agneau e um vinho tinto. — avisei sem tirar os olhos do cardápio.

— Eu estou sem fome.

Chamei o garçom e fiz meu pedido, Ashley mudou de ideia e pediu uma salada. Todas elas pediam salada de entrada e um prato fit do cardápio, nunca vou entender essa obsessão pelo peso. Ashley era a pior de todas. O sommelier me indicou o melhor vinho para acompanhar o prato e me serviu uma taça, notei que minha noiva o encarava impaciente e assim que ele saiu, ela pegou um papel na bolsa e o colocou na mesa. Sem se importar que eu estava degustando o vinho, ela deu a notícia:

— Estive no cartório hoje, para marcar a data do nosso casamento. Você estava me enrolando a tempo demais. — quase engasguei com o vinho e comecei a tossir.

Não queria me casar. Muito menos com a Ashley. Eu e ela nos conhecíamos desde crianças, ela é filha da melhor amiga da minha mãe e crescemos ouvindo que faríamos um ótimo casal, mas toda essa aproximação me fez enxergá-la como uma irmã menor e não sinto a menor atração por ela. Por isso nunca a toquei. Mas numa manhã, após uma noite que eu acredito ter sido drogado, pois não me lembrava de nada, ela estava nua na minha cama. Depois disso inventou que estava grávida, nossas mães insistiram que devíamos nos casar, mas eu recusei por ser mentira, então ela "perdeu" o bebê. Ela e minha mãe ameaçaram me expor se eu não a pedisse em casamento. Isso já tem dois anos.

— Ashley, sabe muito bem que não desejo me casar com você. — falei firme, após me recuperar.

— Eu não vou ser uma noiva rejeitada! — respondeu entredentes.

— Você não precisa! É só dizer que cancelou o noivado para se dedicar ao trabalho, você vive viajando, todos iriam acreditar. — ela jogou os longos fios loiros para trás e cobriu o rosto com as palmas das mãos. Não demorou para que eu ouvisse fungar, estava chorando. — Ashley…

— Por que você me odeia tanto, Filipe?! — perguntou com a voz embargada. Não era a primeira vez que essa conversa sobre casamento terminava assim.

— Eu não te odeio, só não quero me casar com você. — respondi e nossas entradas chegaram. O garçom ficou nos olhando, mas não perguntou nada e logo se retirou.

— Você está apaixonado por outra? É isso? — perguntou ainda em seu teatro.

— Não, Ashley, essa é a questão, não sou capaz de amar ninguém. Não serei um bom marido e você não merece um homem que não te ama. Você é bonita, famosa, com certeza consegue alguém melhor. — tentei ao máximo ser convincente em minha palavras, pois se a atitude não partisse dela, minha mãe faria um inferno na minha vida até que eu assinasse o documento marcando a data do casamento.

— Eu quero você, só você e eu sei que se nos casarmos vai se apaixonar por mim. Não vou abrir mão desse casamento, espero que assine o documento até amanhã de manhã, para não perdermos a data. — ela tentou me dar um ultimato, mas eu estava decidido a não seguir com esse casamento.

Ashley se levantou e saiu da mesa, me deixando sozinho para jantar. Ela ia viajar no dia seguinte e me deixaria em paz por três meses, tempo suficiente para que eu pensasse em algo para anular de vez esse casamento. Peguei a folha do cartório, a data era para daqui 8 meses, com certeza escolheu todos esses meses para ter tempo de fazer uma festa grandiosa.

Depois que comi, sozinho no restaurante, paguei a conta e voltei para casa. Não demorou muito para minha campainha tocar. Era minha mãe, dona de um gênio forte e controlador, eu sabia do que se tratava e estava preparado para ser firme em minha decisão.

— Filipe! Ashley me ligou aos prantos dizendo que você quer terminar o noivado! Está ficando maluco? — ela disse adentrando meu apartamento claramente irritada, mas isso ela sempre estava.

— Boa noite, mãe. Não, não estou maluco. Todos sabem que não quero esse casamento, será melhor para nós dois cancelar esse noivado. — expliquei esfregando o cenho, sentindo aquela mesma dor de cabeça voltar.

— Eu não te criei para ser um irresponsável! Você engravidou a garota, foi o responsável pelo aborto dela e agora quer simplesmente dispensá-la? Não! Eu não vou permitir que faça isso!

— Olha, sei que a senhora gosta muito da Ashley, mas eu não e isso nunca vai dar certo. — tentei manter a calma, para não explodir com esse assunto. Já tinha problemas demais na empresa.

— Você nunca tentou conhecê-la melhor, nunca sequer se esforçou para sentir algo. Se fizesse isso, ia perceber a mulher linda e incrível que ela é. A nora perfeita. — ela se acalmou e se aproximou de mim, colocando a mão no meu braço e o acariciando, numa tentativa de me fazer mudar de idéia.

— Está vendo? Isso é sobre você querer ela como nora, não sobre a tal gravidez que você sabe ser mentira. — falei me afastando, fui até a mesa com bebidas e me servi um gole de Whisky.

— Isso é insulto a pessoa da Ashley! Acha que ela mentiria de tal forma? Ela sofreu e muito com você, merece um casamento digno e você vai honrar com sua palavra! Vai se casar com ela, ter filhos e uma família linda!

— Ou então um casamento fracassado igual ao seu! O que acha? Me caso sem amor, arrumo uma amante bem mais nova e não escondo de ninguém, enquanto ela passa os dias em casa chorando, com um filho que ela trata como uma marionete!

Com os nervos à flor da pele, expus a história do casamento dela, a única coisa capaz de causar o mínimo de dor naquela mulher. Mas ao ver seus olhos se encherem de lágrimas, me arrependi das palavras que lancei sem o mínimo de empatia. Eu estava nervoso, mas não precisava passar dos limites.

— Desculpe mãe, eu não devia ter dito isso. — com uma postura durona, ela secou as lágrimas.

— Não tem problema, Filipe. Se você me ama não vai agir igual ao seu pai. — ela caminhou para a porta e colocou a mão na maçaneta, mas não abriu. — Se case com Ashley, seja um bom marido e você verá o quanto é bom ser amado e o quão valioso é ter uma família.

Assim que ela saiu, arremessei o copo de whisky contra a parede para aliviar a raiva que sentia. Minha mãe era uma mulher manipuladora e não me admirava meu pai a ter trocado por outras no mínimo 20 anos mais novas, mas eu sendo filho, não conseguia escapar tão facilmente de suas garras. E talvez nem mesmo desse casamento. Ao menos as duas sabem bem onde estão se metendo.

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