Antonieta, que estava sentada ao seu lado, segurou sua mão e apertou-a. Ela abaixou a cabeça por um segundo, limpando seu rosto. Os olhos de Henrique brilhavam demais para notar qualquer coisa.
— Você está bem?
A jovem sussurrou. Ela negou com a cabeça.
— Não.
— Quer sair daqui?
— Não posso. Não agora.
Olhou novamente para o palco, onde se encontrava o novo item de poder que logo seria vendido como um pedaço de carne. Em seu olhar jazia sofrimento, dor e arrependimento. Ela não tinha ideia do que havia acontecido para ela ter ido parar ali. E seu maior medo era que todo o plano tivesse ido por água abaixo e eles não viessem. Que ninguém entraria pela porta principal nos próximos cinco minutos. E isso não a apavorava pela ideia de morrer, mas de não poder salvá-la.
— Você a conhece?
Antonieta sussurrou novamente em seu ouvido. Ela inclinou-se com cuidado.
— Essa é a garota de quem te falei.
— Essa? Sério?
Assentiu, tentando manter o máximo de descrição possível, mas era notável, pelo menos pela dama ao seu lado, que ela estava há segundos de uma explosão. Não podia permitir que ela saísse de sua vista. Era seu dever protegê-la. Mesmo que isso colocasse seu disfarce em risco. Afinal, só haviam duas possibilidades: ou a polícia iria invadir aquele local e todos seriam presos, ou não tinha ninguém lá fora e quando tudo acabasse, a verdade viria à tona e a morte era inevitável. Se ao menos ela pudesse ajudá-la...
— 320 mil pela mulher!
— Mais alguém? 322.500,00? Alguém? Dou lhe uma, dou lhe duas...
— 330 mil!
Ela pegou a placa de número 07 sobre a mesa e levantou-a, dando um lance cujo ela precisaria vender todas as suas joias para pagar.
— 330 mil e 500!
Ofertou um senhor do outro lado, que tinha dado o lance final até sua interrupção. Ele olhou-a fervoroso e Henrique segurou-a pelo braço, com fúria semelhante.
— O que pensa que está fazendo?
— Te dando um presente?
— Como assim?
— Não vai me dizer que não ficou tentado em saber como é o gosto de uma espiã? Ou como seria bom torturá-la e vê-la sangrar? Eu sei que pensou no tanto de lucro que teria ao vendê-la ao invés de matá-la e sua ideia é genial. Mas acho que merece isso.
Ele afrouxou seu braço. As sobrancelhas antes erguidas voltaram ao lugar e o sorriso sombrio e perverso tomou conta de seus lábios. Pelo amor que ela ainda sentia por aquela mulher, se segurou para não vomitar no colo daquele homem asqueroso. Aquelas palavras fizeram-na se sentir tão suja quanto as roupas que Elizabeth usava. Depois de pôr sua máscara de noiva alegre e igualmente repugnante, ela ergueu a plaquinha novamente.
— 350 mil!
— Que belo lance! Quem dá mais? Alguém? 360 mil? Ninguém? Dou lhe uma... Dou lhe duas... Dou lhe três! Vendido para a moça de vestido vermel..
BUM!
Ela se abaixou, assim como outros. Agentes começaram a jogar bombas de gás lacrimogênio e entraram mascarados. Os homens e mulheres mais elegantes se desesperaram como animais sendo enjaulados.
— Mais que merda! Por que o alarme não ativou? E quem são esses caras?
O alarme, bom, aquilo tinha sido obra dela há dois dias. Mas ele jamais iria descobrir. Henrique se abaixou junto a Angélica e Antonieta. Seus seguranças logo se aproximaram buscando uma tática de fuga rápida e eficaz. No palco, Elizabeth estava deitada, sozinha, completamente machucada. Ela olhou para a mulher ao seu lado e segurou em seus cabelos.
— Me escute com atenção, quero que você vá para alguma sala segura. Quando te acharem, levante as mãos e diga que conhece a Agente doze, também conhecida como Major Albuquerque, usando o nome de disfarce de Angélica.
— Seu nome não é Angélica?
— Não. Mas isso não vem ao caso. Precisa sair daqui. Agora!
— Eu te encontrarei?
— É claro que sim. Agora vá.
Antonieta segurou no rosto da agente e selou os lábios. Fora rápido, mas o suficiente para Henrique ver, e também deixá-la com saudade.
— Que porra foi essa?
Antonieta saiu correndo. Um dos seguranças iria atrás, mas a agente levantou e esticou o pé, fazendo-o cair. Henrique se levantou, furioso e envergonhado, certamente tão confuso ou mais do que qualquer um naquele salão.
— O que está fazendo, Angélica?
— Infelizmente eu não tenho tempo pra você. Isso não fazia parte do plano, sabe? Era pra eu ir presa junto com você. Mas existe algo mais importante do que manter minha identidade nesse momento.
Ela tirou seus saltos e subiu ao palco, correndo. Não iria se preocupar com ele. As saídas foram todas trancadas, e além de seus homens serem uns incompetentes, a Agência estava fazendo um trabalho muito grande para trazer só meia dúzia de agentes. Havia polícia civil e federal na área, além de membros da equipe tática e dos agentes da ANISE.
Ela parou ao lado de Elizabeth e a segurou em seus braços. Seus olhos estavam abertos, mas ela parecia em choque demais para conseguir dizer alguma coisa. Antes de se trancar em uma sala, Antonieta parou de correr e olhou para trás. Sua amada segurava a mulher machucada em seu colo. Algo em seu íntimo se remexeu e quis afundar em uma profunda dor por saber que não a teria, mas ela sufocou aqueles sentimentos pelo bem de sua sobrevivência e voltou a correr para o lugar que considerava mais seguro no momento.
O salão era um caos. Gritos, choros, pedidos de clemência e algumas trocas de tiro bem sucedidas para os agentes.
Henrique tentou escapar, mas não conseguira. Fora preso pelo agente 03, Maicon de Carvalho. Somente então, que Janaína veio ao encontro de suas agentes. O olhar de Henrique carregava ódio, arrependimento e muita raiva. Não havia dúvidas de que ele iria tentar se vingar. Sua mente, a partir do momento que processou o fato de que ele havia sido enganado durante todos aqueles meses, traçou um plano de vingança para ser elaborado da pior forma possível, para a agente doze. Ela o conhecia bem o suficiente para saber que aquele era seu pensamento e seu olhar apenas confirmou o esperado.
— Como ela está?
— Muito fraca e machucada. Chame a ambulância imediatamente.
— Já chamamos, está a caminho. Você está bem?
— Esqueça-me, Janaína. Não estou machucada.
Janaína ergueu as mãos em sinal de rendição. A Major suspirou, tentando manter a calma. O salão estava menos tumultuado, com toda a galera sendo levada para as vans da polícia. Mas o rosto de Elizabeth não transmitia qualquer sinal de calma. E até que a ambulância chegasse, ela permaneceu com ela em seu colo, tentando deixá-la segura. Ela odiava olhar para aquele rosto. Era simplesmente perfeito. Seu ar sumia e ela não era capaz de olhar em seus olhos tão vivos e penetrantes. Porém, ainda sentia muita dor e mágoa... Não descobrira qual receita resolvia essa dor desesperada e abundante, mas tinha prometido que iria descobrir.
Elizabeth fora levada para um hospital próximo, onde passou por uma cirurgia. Horas depois, o médico informou que ela iria ficar muito bem em algumas horas e que apenas restava aguardar o tempo necessário para o corpo se recuperar do trauma. Aliviada, ela sentou na poltrona do quarto e adormeceu, vigiando-a.
— Agente... Agente doze. Major!
— Sim?
Ela respondeu, no dia seguinte, abrindo os olhos devagar.
— Como ela está?
Ela se aconchegou na cadeira, coçando os olhos, despertando.
— Vai ficar bem. Teve algumas fraturas, costelas quebradas, cortes faciais, desidratação, mas ficará bem.
— Que ótimo. Devia ir pra casa. Está horrível.
— Obrigada, chefe.
— É sério.
Ela sorriu, envergonhada, se levantando. Estava horrível, de fato, mas pouco importava. Pelo menos ela estava bem. Mesmo que...
— Merda...
Elizabeth sussurrou, abrindo devagar os olhos. Janaína se aproximou.
— Bem vinda de volta, agente treze.
— Oi chefe. Estou encrencada?
— Um pouco, mas resolvemos depois. Como se sente?
— Com dor... e com sede.
Janaína apertou um botão de um dos controles e no minuto seguinte apareceu uma enfermeira com um medicamento e um copo d'água.
Elizabeth sentou devagar, com a ajuda da cama que praticamente fazia todo o esforço de se acomodar para ela ficar sentada.
— Está melhor?
— Sim. O que houve? A operação deu certo?
— Felizmente sim. Prendemos 100% dos homens e mulheres daquele salão. E com as provas reunidas pela agente 12, todos terão muitas contas para prestar.
Elizabeth virou a cabeça na direção da Major, que estava um pouco atrás de Janaína. Ela não disse nada por alguns instantes. Mas a Major sentiu que havia mais do que um obrigada em seus olhos. Ela só não disse.
— Agente, por falar nisso, descumpriu o nosso acordo.
— Eu sei e sinto muito.
— Sente mesmo?
Ela encarou-a. A agente cruzou os braços e soltou a respiração pesada.
— Sinceramente? Nem um pouco.
— Não há jeito para você. Mas espero que na próxima possa obedecer minhas ordens e permanecer sobre disfarce até o último instante.
— O que houve?
Indagou Elizabeth, curiosa, como sempre. Janaína bufou e se aproximou da agente 13.
— A dona heroína aqui, se revelou para Henrique ao impedir que o segurança fosse atrás da filha do chefe e ainda por cima foi até onde você estava caída e não saiu de lá. O que decretou de uma vez sua culpa.
— Fiz o que devia e não me arrependo.
A agente deu de ombros, de fato pouco se importando com as consequências de suas escolhas finais. Mesmo que não merecesse sua compaixão, não podia permitir que a agente 13 ficasse exposta, correndo alto risco de ser eliminada de última hora para que não houvesse rastros de sua presença naquele salão.
— Não percebe que isso pode prejudicá-la? Mesmo preso, Henrique pode encomendar sua morte.
— E daí? O que me resta aqui, Janaína? Nada. A morte seria como um presente.
— Não diga uma coisas dessas. O que eu faria sem você?
Aquela voz, era inconfundível. Ela olhou para a porta e lá estava ela. Tão bonita e ardente como ela se lembrava. Ela deu um sorriso quando Antonieta veio ao seu encontro.
— Quem é essa?
A voz de Elizabeth ressoou hostil no quarto. Não havia gostado nem um pouco da intromissão daquela mulher e muito menos a forma como ela olhava para a agente.
— Antonieta Bitencourt.
— É a filha do chefe da máfia! O que ela faz aqui?
— Parece clichê, não?
A Major sorriu, vendo seus olhos brilharem. Antonieta deu um sorriso de canto. Aquele que ela sabia que a fazia derreter por dentro.
— Parece que ela colaborou com a investigação, não foi agente?
— Isso mesmo. Ela me deu a dica de onde o caderno estaria. Claro que não foi fácil encontrá-lo dentro daquele escritório. Mas sem ela, estaria perdida.
— Você é brilhante, saberia onde encontrar de olhos fechados.
A agente mordeu o lábio e sorriu, com o olhar de quem não sabia o que dizer.
— Eu fico muito feliz que esteja viva e bem. Pronta para um recomeço.
— Somente se for ao seu lado, major.
Seu sorriso aumentou e suas bochechas esquentaram.
Janaína limpou a garganta e deu um passo a frente, ficando bem próxima das duas, que se olhavam como se estivessem em seu mundo particular e ninguém pudesse tirá-las de lá.
— Bom, acho que Elizabeth precisa descansar e vocês duas, precisam de uma conversa.
A agente assentiu, lentamente, com os olhos ainda fixos em Antonieta, mas consciente de que havia outras pessoas no quarto.
— Tem razão, chefe. Obrigada por tudo e principalmente por estarem lá.
— Nós é quem devemos agradecê-la pelo excelente trabalho. Quase 300 homens e mulheres corruptos estão presos graças a sua audácia, determinação e coragem.
— Só fiz o meu trabalho.
— Ei, aproveita agente, não é todo dia que ela faz esses elogios.
Janaína piscou e saiu. A Major sorriu alegremente para Antonieta, depois de ouvir aquela verdade incontestável da boca de Elizabeth. Então, ela respirou fundo e se virou pra ela. Tinha que encerrar ali toda aquela coisa de ajudá-la e protegê-la, porque sabia o quanto estar perto de Elizabeth a machucava.
— Desejo melhoras, agente.
— Obrigada por tudo.
— Eu não fiz nada.
— Fez sim. Ficou ao meu lado quando mais ninguém estava.
— Eu só...
— Não diga mais nada, vai estragar tudo.
Ela assentiu, com um leve sorriso. Então, lá foi ela em direção a Antonieta e, não tinha certeza, devia ser alucinação pela falta de líquidos e nutrientes em seu corpo, mas ela jurava que tinha visto um toque de tristeza e solidão no olhar de Elizabeth. Ela não sabia o que fazer, mas havia perdido anos da sua vida apaixonada por alguém que não a queria e não podia desperdiçar a sua chance de reencontrar a felicidade somente porque Elizabeth ainda mexia com ela e seus efeitos poderiam ser intensamente explosivos. Que fosse para o espaço todo o amor cujo alimentou e cuidou durante anos apenas para permanecer em eterno sofrimento.
Elizabeth as viu sair e não tinha certeza sobre seus pensamentos. Tudo estava confuso demais e talvez a ajuda que a agente doze lhe oferecera tivesse mexido com ela. Não sabia e sinceramente, não queria. Fez mal àquela mulher muitos anos atrás e não havia jeito de reparar tal erro. Era mais do que justo que ela encontrasse um pouco mais de felicidade em alguém que a merecesse. E ela não tinha de ficar incomodada com isso. Havia perdido qualquer direito há 16 anos.
Major Albuquerque ainda usava o vestido da noite anterior, quando se sentou na cafeteria do hospital. Antonieta ficara em silêncio.— Então, o que vai fazer?— Eu não sei. Pela primeira vez em anos, eu não tenho um lugar pra ir. Essa é a sensação?— De que?— De liberdade?Ela não se lembrava. Deste o instante em que conseguiu entrar pra família Bitencourt, seus dias foram vigiados por meia dúzia de seguranças atentos e nada discretos. Seus únicos momentos sozinha era durante o banho. Quando ela não tinha a companhia das mãos nojentas passeando por seu corpo. O pensamento a fez desejar um banho com a maior das urgências.— Acho que sim.— Como você se sente? Foram meses longos.— Ainda não tive tempo pra assimilar tudo o que aconteceu.Ela assentiu. Um garçom-robô trouxe os pedidos e a agente ficou em silêncio, encarando aquele copo de café fumegando. Ela não era nenhuma viciada em cafeína ou coisa do tipo, mas uma parte de
Eram quatro da manhã quando gritos despertaram a agente. Mas não era o tipo de grito que a faria pôr a mão embaixo do travesseiro para pegar sua arma. Era um grito de fome. Ou talvez fralda suja.Ela caminhou com os olhos entre abertos. Tateou a parede para chegar ao quarto ao lado do seu, onde um bercinho tinha sido montado de última hora.— Oi coisinha. O que você tem?Ela tinha zero experiência com crianças, mas havia assistido algumas aulas educacionais sobre o comportamento de bebês. Uma forma de traumatizar as crianças para que evitasse uma gravidez precoce. A vida de mãe devia ter assustado a agente, mas sempre lhe fascinou. Contudo, não achava que poderia fazer aquilo sozinha.Com a ajuda de um banco de doação de leite, ela pôde alimentar a pequena, que parou de chorar depois que se alimentara. De anti mão, a agente trocou sua fralda e deixou-a bem limpinha.— Talvez a gente se dê bem, coisinha.De olhos vidrados, a pequena Christina
A solução veio rápido a mente da espiã. Ela instruiu Elizabeth a vestir as roupas de enfermeiro do homem que encontrava-se ao chão, algemado do lado da cama. Por sorte o uniforme não ficou folgado demais para parecer suspeito. E ela pôs a roupa de hospital, tendo em vista que não sairia andando dali com aquele ferimento a vista. O lençol deixaria óbvio que tinha algo de errado. A agente 13 buscou uma cadeira de rodas que havia sido deixada por algum enfermeiro no corredor e fez a agente 12 sentar-se. A contragosto, ela obedeceu, sabendo que era a única maneira de saírem despercebidas. Elizabeth verificou se estava tudo limpo no corredor e saiu de fininho. Caminhou devagar, cabeça baixa, ainda com dores no corpo. A Major fingiu estar adormecida para não ser reconhecida.Elas foram até o elevador de serviço. Com discrição, Elizabeth cumprimentou alguns médicos e funcionários que passavam, que não estranharam nem o uniforme e muito menos a paciente. Ninguém reconheceu-a ou
O peito da Capitão Elizabeth Reis descia e subia em ritmo frenético, depois de encarar, mais uma vez, a morte. A Major ria, incrédula que tinha dado certo.— Eu sempre quis fazer isso! Sempre deu certo nos filmes.— Isso não é um filme, Major. Estamos lutando por nossas vidas!— Desculpe, mas escapamos, não foi?— Por pura sorte!A Major suspirou. A adrenalina correndo em alta velocidade em sua veia, e o pé indo cada vez fundo no acelerador.— Mantenha a calma agente. Estamos bem e viva.— Não graças a você.— Oh, não?Elizabeth ficou em silêncio. A agente sacudiu a cabeça e ajeitou seu corpo no banco.— Eu não sei porque acredito que alguma coisa possa ser diferente. Que por algum motivo, o final não será o mesmo.— Eu não sou a mesma garota. Fiz besteira, mas crescemos. Me desculpe por isso. Só estou assustada.— Depois ainda perguntam porque nunca trabalhamos juntas.— Eu já entendi Ma
A agente 12 se esforçava para manter os olhos abertos, mas com a mesma velocidade que ela tinha para chegar em um alvo, aquela dor tinha para atingi-la violentamente. Elizabeth se virou para o homem, que não sabia o que fazer com os corpos e os clientes que surgiram em sua loja.— Ei, você, chame uma ambulância, rápido!— Não...— Não uma ova! Você não vai protestar quanto a isso.— Me escute... Por favor. Ele disse que tem um infiltrado na agência. Se... Se descobrem, matam nós duas.Sua voz era falha, mas ela se esforçava para ser clara e enfática no que dizia.— Não temos escolha, Major.— Temos sim. Tem um lugar... Nunca vão nos achar.— Você foi baleada!— Lá podemos cuidar disso. Por favor. Não podemos ir para o hospital.— Lá vai estar cercado de gente nossa, não vão tentar nada.— Você acha mesmo? Assim que a coisa esfriar... Na calada da noite, eles invadem o hospital que ninguém irá descobrir. Somente.
A Major não sentia qualquer tipo de orgulho por ser filha de quem era. Alexander já tinha sido um bom homem, mas a morte de sua esposa o transformou, trazendo para si, o que poderia ter de pior no ser humano. E desde que ele deixou sua criação, tentando lhe forçar a assumir uma responsabilidade que não condizia com seu caráter, ela parou de sentir algo por ele. Mesmo passado mais de uma década, as lembranças ainda eram tão frescas quanto o cheiro do mar que elas acabaram de inalar.— Papai, o que houve? Por que o senhor não fala comigo?Ela havia acabado de chegar da escola e, depois de largar a mochila na sala, se inclinou para beijar o rosto de seu pai que desviou, irritado.— Estou cansado de lidar com tudo isso. Preciso de algum tempo sozinho.— Mas o senhor passa uma boa parte do dia sozinho. Eu fico na escola, depois vou pro curso e pras aulas de Capoeira, só chego de noitezinha.Ele permaneceu com o corpo parado, inclinado para frente, os o
Elizabeth queria perguntar sobre o que ela estava falando, sacudir-lhe os ombros e dizer que elas ficariam bem, que tudo terminaria bem. Mas ela não tinha como ter certeza disso. E pior, sentia que as palavras da Major não eram em vão e que ela tentava lhe preparar para alguma coisa. Para o quê? Esperava que não fosse para o que suas palavras davam a entender. Ela não estava pronta... Ainda tinha que aproveitar mais algum tempo com ela. Precisava disso e apenas nas últimas horas descobrira. Com um suspiro pesado, ela voltou a cozinha, se perguntando o que seria das próximas horas.Depois do jantar improvisado, a Major permaneceu sentada no sofá, sem parar de encarar o mar revolto. A lua estava cheia e iluminava as águas cristalinas como uma luz cheia de beleza e graça, impondo-se de forma que apenas o sol poderia lhe tirar dali. Elizabeth lhe fazia companhia, mas sem dizer uma palavra.O celular da Major tocou. Ela olhou para o nome escrito na tela e lágrimas brota
Elizabeth ficara parada, sem saber o que fazer para impedi-la.No fim, sabia que não havia saída. Que não importava o que dissesse, demonstrasse, a Major estava decidida. Seu arrependimento nunca fora tão grande. O tanto de tempo que elas perderam... Tudo apenas por medo, vergonha de si mesma. Seu pai sempre dissera que ser gay era a maior vergonha que alguém poderia dar a um familiar e ela aceitara isso. Se prendera dentro de si mesma, enfrentando relacionamentos banais, aceitando viver qualquer migalha de amor, para satisfazer o ego da sua família. Mesmo depois de adulta, não deixara de tentar agradá-los, namorando homens escrotos, vivendo relações sem qualquer sentimento, perdendo anos da sua vida em busca de algo que estava bem a sua frente.A Major terminou de colocar tudo que precisaria no carro, o que não era muito. Ela deixou as coisas arrumadas e se encaminhou para o carro.— Quer que eu a deixe na agência?— Eu vou com você.