O sorriso de Humberto desapareceu ao ouvir uma voz diferente, quando a porta ficou entreaberta.- Quem é? Guilherme, tem gente na porta!- O Gui está aí? É o Humberto.- Só um momento.Antes que a porta fosse fechada, Humberto percebeu que o rapaz estava nú. Mais que isso, havia outro homem atrás dele. Dez minutos depois, a porta abriu. Para sua surpresa, Guilherme saiu.- O que quer a essa hora, Humberto?- Amor, fui despedido da fundação, pela Renata. Ela também me expulsou do apartamento. Estou na rua.Guilherme olhou para as malas no chão. Humberto olhou bem para o outro, só de roupão e de cabelo molhado. Tinha o semblante de alguém que estava numa festinha particular, com muita bebida.- Será que eu poderia ficar com você, só até arrumar um lugar? Quebra o meu galho.Guilherme apertou os lábios.- Infelizmente, meu caro, não vai dar. Quem quebra galho é macaco gordo. Minha tia vem do Paraná, com meus dois sobrinhos. O meu tio Lauro faleceu e ela quer vir pra cá. Terei que acolher
A ambulância chegou a praça. Apollo estava impaciente, olhando os paramédicos colocarem Humberto na maca. O colete cervical foi colocado com cuidado. Humberto estava desacordado.- O senhor conhece a vítima?Perguntou um policial a Apollo.- Conheço, sim. O nome dele é Humberto e trabalhou comigo, numa fundação de ajuda a refugiados. Não estou mais lá, ele sim. Ocupa um cargo alto e importante, de coordenar a fundação no território nacional.Disse Apollo, sem saber que Renata o havia despedido.- Por favor, levem-no para o hospital Redenção. Tenho o convênio e sou colaborador deles, desde a fundação. Pagarei todas as despesas hospitalares do meu amigo. Tenho que levar esses remédios a minha noiva. Logo em seguida, irei para o hospital. Vou guardar as malas no meu carro, pra devolver a ele depois.Apollo entregou seu cartão médico ao enfermeiro. - Podemos confiar no senhor? Não está mentindo pra pegar as malas dele?- De jeito nenhum, policial. Esse rapaz esteve comigo, recentemente
- Acho que a gente se falou mais nessas horas, aqui no hospital, do que no nosso tempo na Hermann.- É verdade, Humberto. - Você devia me achar muito chato.- Essa era a sua visão. Nós somos o que somos. Você nunca foi chato, ao contrário. Era alegre e comunicativo. As pessoas nos enxergam de um modo, nós também as vemos de outro modo. Essa visão pode mudar, logicamente. Para melhor ou pra pior de acordo com o conhecimento do outro. Sempre o achei muito capaz, uma pessoa agradável e zelosa para com os refugiados. - Legal, Apollo. É bom ouvir isso. Realmente, a minha visão sobre você mudou muito.- É o que falei sobre o conhecimento. Eu conheci o Humberto da fundação. Por isso, a minha visão é baseada na sua atuação na fundação.- Entendi. Apollo verificou as horas no celular.- São dez para as onze da noite. Eu tenho que ir.- Achei que ia dormir aqui, de acompanhante?- Gostaria mas não posso. Jheniffer está com uma alergia forte, estava tremendo até. Imagina, uma pessoa jovem,
Apollo deixou o corpo cair na poltrona de acompanhante do hospital.- Não creio.Humberto se manteve sério.- Pode acreditar, Apollo. Só estou lhe contando porquê você foi muito bom comigo, quando estava no fundo do poço, onde estou agora. Eu estou lascado, quebrado, valendo menos que uma moeda de um real. Perdi o cargo na fundação, o teto, o companheiro, o chão, tudo. Estava a um passo da morte mas você me resgatou.Humberto começou a chorar.- Eu fiz tanto mal a você. É um tapa na cara que a vida está me dando pois, aquele a quem fiz tanta coisa ruim, me estende a mão. Me salva, paga as despesas do hospital e me dá um quarto de hotel.- O que você me fez de ruim?- Talvez não tenha feito, diretamente mas ajudei a fazer, indiretamente. Colaborei com as falcatruas da Bianca, levado pela influência da Renata, que me apunhalou pelas costas. Pensava que ela era a minha melhor amiga.- Isso é muito sério, Humberto.- Eu juro. Após a decepção com o Guilherme, pensei em me jogar de um viadu
Apollo e Humberto chegaram ao hotel, no Itaim.- É um lugar luxuoso, Apollo. Estarei feliz em qualquer pensão, meu anjo.- Não é um cinco estrelas. Me passe seu telefone pessoal, pra mantermos contato. - Certo.- Seu telefone é a sua chave pix?- Não, é o meu número de CPF.- Perfeito. Deixarei três semanas de hospedagem pagas. Terá cinco mil na sua conta, caso precise comprar alguma coisa.- Puxa, Apollo. Nem sei como agradecer e retribuir.- Já está fazendo isso, Humberto. Confiando em mim e me abrindo os olhos. O que me contou não tem preço.- O que eu poderia fazer, se você salvou a minha vida? Estou envergonhado. Como administrador da fundação, eu devia ser o exemplo. Diz tudo ao contrário das palestras de médicos, psicólogos e assistentes sociais que eram voluntários na fundação.- Eu entendo, Humberto. O bom padre não é aquele que sabe pregar, falar bonito, cantar ou ser carismático. É bom ser assim mas o fundamental é viver aquilo que prega. Ser cristão é ser seguidor do Cris
Jheniffer e Apollo terminaram o café. Pouco depois, o casal sentou-se, confortavelmente, no sofá. Théo veio da sacada e pulou no colo dela. - Pela sua cara, lá vem bomba.- Sim. E das grandes. Falando em bomba, sabia que a bomba atômica não era pra ter caído em Hiroshima?- Não sabia. Era pra ter caído aonde, em Araçatuba, onde tem muitos japoneses?- Não. Araçatuba e região têm muitos descendentes de japoneses, é verdade. Não era Araçatuba, amor. O alvo era outra cidade, não me lembro o nome mas não era Hiroshima. Acontece que o vôo para a cidade alvo estava compromisso pelo mau tempo. Isso faria abortar a operação de jogar a bomba atômica e forçar o Japão a se render. Informações chegaram que o tempo em Hiroshima estava bom e com ótima visibilidade. O fator clima decidiu que a bomba seria lançada sobre a cidade, o que aconteceu.- Puxa. Vivendo e aprendendo. Voltemos ao Humberto.- Ele estava no velório da Consuelo, Jheniffer. Sabe disso. A novidade é que ele foi procurar um banhei
Sem palavras. Assim estava Jheniffer, após a conversa com Apollo. - Por favor, levante-se.Ele a obedeceu, ainda que sem entender. Jheniffer se levantou e o abraçou. Um carinho demorado, os corpos colados. Apollo deu vazão ao sentimento e as lágrimas dele molharam o ombro dela. Jheniffer também estava emocionada. Eles se beijaram e voltaram as cadeiras.- Obrigado. Eu precisava de um abraço.- Não é só você que lê pensamentos. Depois dessas revelações de Humberto, verdadeiras bombas ainda que a gente desconfiasse, é cruel saber que tudo se confirmou. Tiraram Manoela de você, amor. Podaram a felicidade e o futuro de vocês dois.- É verdade. Saber disso tudo é insano. Tiraram a filha da Consuelo também. Manoela tinha planos espetaculares para a fundação também, uma visão inovadora sempre pautada no respeito e integração dos refugiados. Sua proposta era expandir aos poucos, com recursos próprios.- E os filhos de vocês? Fazia planos?- Sim. Queria dois filhos, um casal. - Já falou com
Jheniffer e Apollo chegaram ao hotel, onde Humberto estava hospedado. Apollo ligou para o rapaz.- Humberto, é o Apollo. Podemos subir?- Sim. Trouxe a Jheniffer?- Ela quis vir para vê-lo.- Não vai ver grande coisa ou a sétima maravilha do mundo mas podem subir. É o quarto 43.Minutos depois, o casal entrou no quarto. Humberto os recebeu com alegria.- Apollo. Que bom receber visitas. Bem vindos ao hotel.- Não se alegre muito, vai me ver quase sempre.- Isso é bom. Jheniffer, obrigada por vir.- Olá, Humberto. Não poderia deixar o Apollo vir sozinho. Da última vez que se viram, ficaram conversando por horas.- Não se preocupe. Ele será só seu. Você está linda, como sempre.- São seus olhos, Humberto. Me alegra ver que está bem, apesar dos pesares. O braço engessado.- Verdade. Estou vivo e isso é motivo de gratidão, ao mundo e ao nosso criador. Que percebi que gosta muito de mim. Apollo tem sido fantástico. Você tem um noivo de ouro.- Com certeza, amigo. - Como você está? - Mel