Dorothea, uma mulher de cinquenta anos de idade, com os cabelos mais grisalhos do que o normal, estava em pé atrás de mim.
Ela era dez centímetros mais baixa que eu e sua barriga era redonda e macia, como a massa de um pão antes de ir para o forno. As rugas em seu rosto marcavam a sua felicidade, pois ela estava sempre sorrindo e as vezes sua dentadura escapava de seus lábios. Era estranho e engraçado ver como os humanos definhavam tão rapidamente.
Mas ao mesmo tempo era triste. Dorothea estava na nossa família desde seus vinte e dois anos. Ela conhecia perfeitamente os hábitos de Alec e os meus. Não era apenas nossa governanta. Era nossa amiga. E logo ela morreria.
Sua saúde não estava boa, mas ainda assim ela trabalhava com um sorriso no rosto, cuidando de Alec e de mim dia após dia. Depois de sua morte, teríamos que substituí-la por alguém mais jovem, que ficaria conosco até envelhecer e morrer, e assim por diante.
Naquele momento, Dorothea estava apertando o espartilho em minha cintura. Ela era mais forte do que parecia e eu quase não conseguia respirar enquanto ela puxava as cordas com força em minhas costas.
Meus peitos saltaram para fora, subindo e descendo conforme eu respirava. Tranquei a respiração para Dorothea amarrar as cordas e então soltei pesadamente o ar dos meus pulmões, com medo de que o espartilho arrebentasse e voasse pelo quarto.
Ele continuou preso ao meu corpo.
Dorothea me ajudou a colocar o vestido vermelho e depois os sapatos de salto.
Me sentei na penteadeira e chequei o cabelo, para saber se o penteado que eu fizera mais cedo não havia se desmanchado. O coque profissional estava perfeito e minha franja se repartia ao meio e se ondulava nas laterais do meu rosto.
Minha maquiagem estava impecável, mas ainda assim eu retoquei o rímel, achando que meus cílios ficariam mais bonitos se ficassem um pouco mais longos.
Alec pediu ajuda a Dorothea e ela saiu do meu quarto depois de fazer uma mesura para mim, como eu havia ensinado quando a contratara.
Eu a segui para o quarto de Alec e a vi ajudá-lo a se vestir.
Ela colocou a camisa branca no corpo dele e fechou os botões, enquanto ele ficava parado feito uma estátua de frente para ela. Depois ela colocou uma faixa de seda ao redor do seu quadril, e por último o paletó curto com lapelas de seda preta.
Fiquei na porta de braços cruzados enquanto Alec dispensava Dorothea com um sorriso, agradecendo-a por tê-lo ajudado.
Ela saiu do quarto depois de fazer uma mesura para ele e fiquei sozinha com meu amigo.
Alec foi até a gaveta de sua penteadeira e pegou uma gravata borboleta pronta.
- Muriel vai ficar bravo se ver você usando isso. – Me apressei para tirar aquela coisa horrorosa das mãos dele.
- Ele não vai notar.
- Só de olhar para você, ele pode até dizer que tipo de cueca você está usando – falei, erguendo uma sobrancelha.
Joguei a gravata pronta na lixeira e peguei outra na gaveta, na qual eu teria que dar um nó de verdade, para garantir que nosso criador não expulsasse Alec da festa no mesmo instante que chegasse nela.
Alec ficou me encarando enquanto eu colocava a gravata ao redor de seu pescoço e dava o nó.
- Por que está me encarando? – quis saber, estranhando a forma como ele me olhava tão intensamente.
Olhei para cima e encarei seus olhos.
- Até que você não está tão feia nesse vestido – disse ele, erguendo o canto dos lábios.
Empurrei seu peito e lhe dei as costas pela grosseria.
- Espere, Alena – chamou Alec, pegando seus sapatos e vindo atrás de mim no corredor.
Parei de andar, mas fiquei de costas para ele.
- Estamos atrasados. Melhor se apressar. – Cruzei os braços.
Como Alec já estava de meias, se apoiou na parede do corredor para colocar os sapatos apressadamente. Ele fez um nó qualquer nos cadarços e veio para o meu lado, me dando o braço para descermos a escadaria juntos.
Dei o braço a ele e descemos.
Ao pé da escada, perto da porta de entrada, estava Dorothea com meu sobretudo preto.
- A limosine os aguardam lá fora – disse ela, segurando o sobretudo de modo que eu deveria apenas ficar de costas para ela colocá-lo sobre meus ombros.
Agradeci e ela abriu a porta da casa para que saíssemos.
O ar fresco da noite nos atingiu e respiramos profundamente. Alec foi na minha frente até a limosine preta parada em frente à casa.
Benjamin, nosso motorista particular, também era humano. Ele era jovem, tinha pouco menos de trinta anos e sorriu ao abrir a porta de trás da limusine para Alec entrar.
Benjamin trabalhava para nós a poucos anos, e como Dorothea, ele também tinha desistido da sua vida para se dedicar a nós. Havia cortado laços com os amigos e familiares. Não tinha namorada, nem pretendia ter filhos. Ele gostava do trabalho dele, e não precisávamos hipnotiza-lo para que ele quisesse ficar ali. Ele poderia ir embora quando quisesse.
Dorothea fechou a porta atrás de mim e eu desci os poucos degraus até o chão de pedra, andando os cinco metros da porta da casa até a rua. Benjamim segurou a porta para eu entrar e me cumprimentou, tocando seu quepe com a ponta dos dedos.
Depois que a porta do carro se fechou, eu olhei pela janela, para a casa grande onde eu morava a mais tempo do que conseguia me lembrar.
A casa era amarela e tinha pilares e telhas brancas. O jardim da frente era bem cuidado, por que Dorothea tinha a mão boa para mexer com plantas. Por mais que a casa fosse antiga, ela estava bem cuidada. A tinta começava a descascar nos cantos, mas logo mandaríamos pintar a faixada da casa novamente, e tudo voltaria a parecer novo.
Eu adorava morar ali, mesmo depois que Benjamin saiu com a limusine, eu continuei pensando na vida que tivera morando naquela casa. Estávamos ali desde antes de Dorothea vir morar conosco.
Devia fazer mais de trinta anos que estávamos naquela casa.
Enquanto o carro andava, eu olhava a casa dos meus vizinhos que eu não costumava ver. Como eu ficava acordada durante a noite e dormia durante o dia, eu os via poucas vezes durante o mês. Muitos deles não sabiam meu nome ou o de Alec.
Alguns deles deviam achar estranho nosso modo de vida, mas não se intrometiam em nossas vidas e não faziam perguntas, nem imaginando que eram vizinhos de dois vampiros.
A vida ali em Nova Orleans era boa.
Eu sentia saudades dos outros lugares onde já morara e sabia que em breve teria que deixar aquela casa para trás e ir em busca de um novo lar.
O fato de Alec e eu não envelhecermos era um problema para criar laços entre a comunidade humana. Tínhamos que tomar cuidado para não chamar atenção.
Se isso acontecesse, Muriel teria que intervir. E ele não era do tipo que usava palavras.
Ele não gostava de quando os humanos descobriam sobre os vampiros, pois haviam muitos loucos que começavam a nos seguir para que os transformássemos.
Muriel odiava esses tipos de humanos, e se suas presas chegassem perto da garganta deles, seria para drená-los até a morte.
Como Alec e eu ainda não havíamos feito aquilo, deixando um humano saber da nossa existência, não sabíamos o que acontecia com os vampiros que quebravam essa regra.
Como eu não conhecia nenhum dos vampiros que havia cometido aquele erro, acho que provavelmente estavam mortos, para que não fizessem novamente.
Era mais um motivo para temer Muriel.
A limusine parou, meia hora depois, na frente da mansão de Muriel. Uma das muitas casas que ele tinha no país.A casa era três vezes maior que a minha. Era toda branca com pilares altos, uma escadaria larga cheia de vampiros novatos que estavam ali trabalhando de guarda. Todos eles vestiam ternos simples pretos.Um deles abriu a porta da limusine e eu saí primeiro. Alec veio atrás de mim e passou a mão sobre o paletó preto, respirando o ar puro.Ele deu o braço para mim e começamos a subir a escada. Benjamin saiu com a limusine enquanto outros convidados chegavam atrás deles. Meus saltos faziam barulho na escadaria de pedra recém reformada. Entramos dentro da casa e uma mulher usando um vestido justo tirou meu sobretudo e o pendurou na parede atrás dela, fazendo uma leve mesura para mim.Me senti nua estando com os ombros despidos. Eu não estava com frio, mas os olha
Voltei para o salão de dança e encontrei Alec conversando com uma moça. Ela era linda e estava usando um vestido preto. A cor não era chamativa, mas o decote em V que ia até seu umbigo chama atenção para os seus seios. Era naquele ponto da pele dela que estavam os olhos de Alec. Ele nem tentava disfarçar. Foi quando ele ergueu a mão e a apalpou que eu cheguei perto o bastante para cutuca-lo no ombro. Ele se virou para mim e sorriu. Apontou para os seios da mulher à sua frente e teve a audácia de me perguntar se eu os achava bonitos. Revirei os olhos e concordei com a cabeça. Realmente eram seios lindos, mas aquele não era lugar para aquele tipo de assunto ou para aquele tipo de toque íntimo. Pedi licença à moça e ela me olhou de cima a baixo. O sorriso sumiu de seus lábios pintados de vermelho e ela nos deu as costas, indo conversar com outro vampiro. Alec se virou para mim e me ofereceu a bebida que estava em sua outra mão. Er
- Filhos e filhas – Muriel forçou um sorriso, como se quisesse dizer que estava tudo bem. – Esses são meus novos amigos. E nossos novos aliados nessa guerra. Eles fazem parte do clã de lobisomens do Norte. Pelo menos metade dos vampiros do salão mostraram suas presas e sibilaram, vendo que estavam na verdade de frente para o inimigo. De frente para os monstros que nos perseguiam e nos matavam. Alec e eu ficamos quietos, não querendo chamar atenção para nós. Pelo menos não mais atenção do que aquele vestido vermelho já chamava. Eu era um ponto vermelho em um mar negro. Todos os lobisomens estavam olhando diretamente para mim. Cada célula no meu corpo me mandava correr o mais rápido possível, mas eu sabia que Muriel iria atrás de mim e me mataria da pior forma possível. Então eu fiquei parada, com o queixo erguido e com as batidas do coração controladas. A presença de Alec do meu lado me ajudava a ficar calma. - Sei que d
- O que eu devo fazer agora? – perguntei, olhando nos olhos de Lohan. Ele se levantou e pegou o pergaminho para ver as assinaturas. - Por agora, não há mais nada a ser feito. – Ele sorriu para mim. Um sorriso normal, sem malícia, sem desejos ocultos. – Pode aproveitar a festa e depois vá para casa. Em dois dias alguém irá busca-la para leva-la para Montana. Muriel nos dará seu contato e seu endereço. Me levantei. Browen e Muriel se levantaram comigo. - Não preciso alertá-la para não fugir, não é? – Lohan olhou para o meu criador e depois para mim. – Espero que tudo ocorra bem, para que seu pai não precise escolher outra pessoa para tomar seu lugar. Eu queria que Muriel escolhesse outra pessoa, mas eu não podia fugir. Ele me encontraria. E se eu pensasse em dar um passo sem a autorização dele, estaria condenando Alec. - Estarei aguardando ansiosamente. – Tentei forçar um sorriso, mas sabia que se tentasse, iria começar a chorar e não ir
O vestido deslizou e caiu no chão. Eu só não fiquei nua pois estava usando espartilho e várias saias de enchimento por baixo. Me virei para Alec com raiva. - Por quê fez isso? Eu ganhei esse vestido de presente de Muriel – gritei. Ele deu de ombros. - Eu odiei esse vestido – disse ele, olhando nos meus olhos com total desprezo. – Precisa que eu tire o seu espartilho também? Cruzei os braços sobre os peitos. Minha pele estava arrepiada e minhas mãos estavam suadas. - Para você rasga-lo também? A expressão no rosto de Alec suavizou. - Este foi dado por mim. Eu não faria isso. Prometo tirar com cuidado – disse ele, com sinceridade nos olhos. Me virei de costas e apoiei as mãos nas laterais do espelho. Dessa vez as mãos de Alec tocaram gentilmente os fios que prendiam o meu espartilho e ele começou a desatar os nós feitos por Dorothea. Eu levantei o olhar e percebi um brilho em seus olhos, que estavam cravad
Acordei no dia seguinte depois do almoço. O sol brilhava do lado de fora, impedindo que eu saísse. Alec estava dormindo de bruços na minha cama, respirando silenciosamente. As vezes ele dava pequenos sorrisos e murmurava algo, como se estivesse tendo um bom sonho. Eu me levantei em silêncio para não o acordar e fui para o banheiro tomar um banho. Encostei a porta e enchi a banheira, colocando sais minerais para fazer espuma. Entrei na água quente e fiquei olhando a espuma em silêncio, me sentindo estranha. Eu estava feliz e triste ao mesmo tempo por ter tido a oportunidade de estar com Alec. Feliz pois o sexo tinha sido muito bom, mas triste porque não poderíamos mais continuar juntos e depois que eu fosse embora eu não sabia quando eu o veria novamente. Àquela hora William já deveria ter assinado o tratado. Eu já estava noiva de um lobisomem. Fiquei olhando a espuma sumir e a água esfriar. Fiquei ali por horas. Alec ac
Naquela mesma noite recebi uma visita inesperada. Muriel e mais cinco guarda-costas apareceram na minha casa para passar a noite e o dia seguinte comigo, para garantir que eu não fugiria. Se eu tivesse qualquer plano de fuga em mente, teria corrido por água a baixo naquele momento. Dorothea limpou os quartos para nossos novos hóspedes e depois trouxe-lhes o que beber. Uma bolsa de sangue humano para cada. Eu fui a única a não me alimentar. Estava nervosa demais. Quando o sol nasceu e eu já estava me preparando para dormir, recebi uma visita nos meus aposentos. Muriel entrou sem bater na porta, pegando-me vestida com o mesmo robe do dia anterior, sentada na beirada da cama com lágrimas nos olhos. Assim que eu o vi, virei-me para secar o rosto e em seguida me pus de pé. Muriel fechou a porta e ficou parado, com a mão ainda na maçaneta. - Veio garantir que eu não me exibiria à luz do sol para fugir desse casamento?
Lohan apareceu com cinco humanas assim que o sol se pôs. Eles entraram no apartamento e começaram a arrumar as coisas. Tecidos, tesouras, fitas métricas, cadernos de anotações, revistas de noivas... Cruzei os braços e fiquei olhando, horrorizada com aquilo tudo. Eu nem perdi tempo trocando de roupa e fiquei apenas com meu roupão de banho, sem nada por baixo. Lohan não se incomodou com a minha aparência, e manteve seus olhos longe do meu decote, como um cavalheiro. - Como William é? – perguntei, em pé ao lado de Lohan enquanto as humanas organizavam suas coisas sobre os sofás e mesas na sala. - Aparência ou personalidade? – ele olhou nos meus olhos e ergueu uma sobrancelha. Havia um sorriso leve em seu rosto. Senti-me estranhamente confortável ao seu lado. Dei de ombros. A aparência não me importava. Eu não era fútil para querer um homem bonito como noivo, ainda mais quando estava sendo obrigada a me casar com um desconhecido. -