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5 - Entregue aos lobos

- Filhos e filhas – Muriel forçou um sorriso, como se quisesse dizer que estava tudo bem. – Esses são meus novos amigos. E nossos novos aliados nessa guerra. Eles fazem parte do clã de lobisomens do Norte.

Pelo menos metade dos vampiros do salão mostraram suas presas e sibilaram, vendo que estavam na verdade de frente para o inimigo. De frente para os monstros que nos perseguiam e nos matavam.

Alec e eu ficamos quietos, não querendo chamar atenção para nós.

Pelo menos não mais atenção do que aquele vestido vermelho já chamava.

Eu era um ponto vermelho em um mar negro.

Todos os lobisomens estavam olhando diretamente para mim.

Cada célula no meu corpo me mandava correr o mais rápido possível, mas eu sabia que Muriel iria atrás de mim e me mataria da pior forma possível.

Então eu fiquei parada, com o queixo erguido e com as batidas do coração controladas. A presença de Alec do meu lado me ajudava a ficar calma.

- Sei que devem estar se perguntando porque eu convidei lobisomens para vir à minha festa, então deixem-me explicar – disse Muriel, dando um passo para frente. Seu coração estava tão controlado quanto o meu. – Eu e o líder do clã de lobisomens do Norte resolvemos dar uma trégua entre nossas raças. Não podemos continuar com essa guerra que nem ao menos foi começado por nós.

Eu fixei meus olhos em meu pai, tentando ignorar os olhos escuros que me encaravam como se quisesse me comer viva.

- Um tratado de paz foi mencionado para acabar com essa guerra. – Muriel tinha atenção do salão inteiro. – Outros clãs de vampiros e lobisomens aceitaram assinar o tratado se isso for assegurar que ambos os lados não atacarão mais.

- É o que eles dizem – disse um vampiro no meio da multidão.

Eu não reconheci a voz.

Muriel olhou em volta, pronto para decapitar a cabeça de quem havia lhe interrompido.

Um dos lobisomens deu um passo à frente e tomou a fala, parecia ser o representante do grupo.

- Essa guerra não começou com a nossa geração, mas pode acabar nela. – Ele tinha uma bela voz, usava um sobretudo cinza sobre jeans e camiseta polo, era bonito e tinha olhos escuros. – Esse acordo está sendo trabalhado há meses e podemos garantir que da nossa parte, não faremos nada que possa iniciar outra guerra.

Ele colocou a mão sobre o peito e olhou ao redor, finalmente tirando os olhos famintos de mim.

- Meu povo quer a paz tanto quanto vocês. Não queremos mais temer encontrar um vampiro depois de cada pôr do sol, tanto quanto sei que vocês não querem passar as noites de lua cheia trancados em suas casas.

Alec e eu nos olhamos por alguns segundos. Ele levou uma mão até as minhas costas e assentiu com a cabeça.

Ele achava que aquele era um bom acordo. Se fosse acabar realmente com aquela guerra, valeria a pena.

- Então é só assinar um papel que a guerra acaba em um piscar de olhos? – perguntou o mesmo homem da outra vez. Dessa vez ele deu um passo à frente para mostrar seu rosto.

Muriel o fuzilou com os olhos, mas ficou onde estava.

O lobisomem, que ainda não havia se apresentado ainda, olhou para meu pai e sorriu.

- Quer explicar o restante do acordo? – perguntou ele.

Muriel pigarreou e olhou para seus filho e filhas que o encaravam com preocupação.

Ele olhou diretamente para mim, suspirou e depois desviou o olhar.

- Para oficializar o tratado, haverá uma união entre as duas espécies. Um casamento entre vampiro e lobisomem.

Os murmúrios começaram a se espalhar no salão.

Meu sangue gelou nas minhas veias e eu me senti um pouco tonta.

Os lobos estavam sorrindo, como se aquele fosse o dia mais feliz da vida deles. Mas eu podia ver a maldade por trás daqueles olhos e aquele sorriso falso.

Quem seria o idiota de se casar com um lobisomem? Pensei.

Aquilo era estupidez. Seria com aquele casamento que a guerra poderia começar.

Eu não sabia como eram os lobos porque nunca tinha ficado muito tempo perto de um, mas sabia que eles eram monstros que, quando se descontrolavam, viravam feras e matavam tudo o que viam pela frente.

- E não apenas isso – o lobisomem tomou a fala novamente, colocando as mãos nos bolsos do seu sobretudo. – Para firmar a paz, o casamento entre as duas espécies deverá dar à luz à uma nova raça. Um filho. Meio vampiro. Meio lobisomem.

Dei um passo para trás e Alec precisou me segurar para que eu não caísse no chão.

Os olhos de Muriel se voltaram para mim.

Eu lembrei de suas palavras ditas anteriormente e me senti enjoada de repente, sentindo que todos os dez drinks estavam prontos para voltar garganta acima.

Algumas lagrimas se formaram atrás dos meus olhos e eu me controlei ao máximo para não as deixar rolar pelo meu rosto.

Eu nunca havia sentido tanto medo em toda a minha vida.

Eu sabia o que me aguardava. Depois de todo aquele papo sobre filhos e me manter calma, eu sabia que eu era a idiota que morreria pelas mãos de um lobisomem.

- Uma vampira dentre vocês será a escolhida – disse o lobisomem. – O casamento acontecerá em algumas semanas e a felizarda terá a honra de se mudar para Montana.

Casamento.

Felizarda.

Montana.

O vestido vermelho.

Eu já tinha sido escolhida antes mesmo de chegar naquela festa.

Muriel se aproximou da multidão e veio até mim. Ele soltou a minha mão da de Alec e olhou nos meus olhos.

- Não – a minha voz saiu num sussurro quando vi que ele estava me puxando.

- Quieta.

Olhei para trás e vi Alec com os olhos arregalados. Ele não sabia o que fazer. Se tentasse me ajudar, certamente morreria.

Eu engoli o choro e segui Muriel até os lobisomens.

- Essa é minha filha Alena. Ela é uma das poucas que ainda não procriou – meu pai me apresentou, segurando firme em meu braço como se temesse que eu fugisse. – Alena, esse é Lohan, representante do clã dos lobisomens.

Engoli em seco e deixei meu rosto o mais sereno possível, para não transmitir pela minha expressão o que eu realmente estava sentindo.

Lohan pegou minha mão e a beijou, fazendo uma breve mesura.

Minha pele se arrepiou de medo com o toque quente da sua mão na minha.

- É um prazer conhece-la, Alena – disse ele voltando a arrumar sua postura.

Apenas assenti com a cabeça.

Todos os olhares estavam em nós.

Eu nem consegui mais olhar nos olhos de Muriel quando ele me puxou para o lado para que eu ficasse de frente para os vampiros.

Fixei meus olhos apenas em Alec e desejei que ele pudesse ler meus pensamentos.

Eu queria lhe dizer o quanto estava com medo, mas que ele não deveria fazer nada, ou nós dois poderíamos morrer.

Eu não sabia se preferia morrer pelas mãos de meu pai ou pelas garras dos lobos. As duas opções pareciam ruins.

- Alena, do clã de Muriel, foi a escolhida para trazer paz entre os vampiros e lobisomens – disse Lohan erguendo os braços.

Uma salva de palmas se iniciou lentamente pelo recinto.

As pessoas estavam felizes por não precisarem fazer nada, mas triste por me ver naquela situação. Vários amigos meus de longa data me olhavam com pena, sabendo o que aquilo significaria para mim.

A moça do decote em V era a única que sorria e aplaudia com força, como se estivesse feliz por me ver como se tivesse com a cabeça na guilhotina.

Era como eu estava me sentindo naquele momento.

- Continuem com a festa. Vamos nos reunir para planejar um casamento.

Todos os lobos deram risada e abriram caminho para Muriel passar comigo. Fomos para a biblioteca e cinco dos doze lobos nos seguiram até lá.

Ficamos nós sete na biblioteca.

Browen entrou e ficamos em oito.

Ainda assim, tinha mais lobisomens do que vampiros.

Muriel me colocou sentada no sofá e ficou em pé do meu lado.

Quatro lobisomens ficaram na porta, com os braços cruzados sobre o peito.

Apenas Lohan se sentou conosco, no sofá do outro lado da mesinha de centro.

Ele se recostou e cruzou as pernas, esticando um dos braços sobre o encosto do sofá.

- Então, Alena – ele me olhou de cima abaixo. – Está feliz por ter sido escolhida?

Ao invés de lhe responder, eu olhei para Muriel.

Ele assentiu com a cabeça, querendo que eu respondesse.

Eu olhei nos olhos escuros de Lohan e forcei um sorriso.

- Sim – minha voz saiu trêmula e as lágrimas inundaram os meus olhos.

Pisquei rapidamente para afastá-las.

Lohan sorriu tristemente.

- Não precisa mentir. Todos nós ficamos apreensivos com esse tratado de paz. – Ele olhou para os seus amigos e assentiu com a cabeça, depois voltou seus olhos para mim. – Imagino que você deve estar assustada.

Engoli em seco e não soube o que responder.

Sim, eu estava assustada. Eu não queria aquilo, mas sabia que não poderia fugir, ou então algo pior estaria aguardando por mim.

Browen veio até o sofá onde eu estava e se sentou ao meu lado.

Na mesinha de centro, ele colocou um pergaminho aberto, uma pena e um pequeno recipiente de tinta preta.

- Esse é o contrato. Assim que você assinar você será noiva do nosso futuro líder – disse Lohan apontando para o pergaminho à minha frente.

- Eu posso ler? – perguntei, com a voz rouca.

- Fique à vontade.

Peguei o pergaminho na mão e li o contrato. A letra era curvada na diagonal e havia um brasão de um lobo desenhado ao pé do pergaminho, abaixo da linha onde eu deveria assinar.

Em um mundo marcado com a guerra existente entre vampiros e lobisomens foi estabelecido que a paz entre as raças seria a melhor maneira de garantir um futuro para ambas. O compromisso de ambas as espécies é para assegurar que haja paz e segurança para os herdeiros e novos transformados.

Após a união das espécies, contratos como este serão entregues a todos os clãs deste país, e clãs amigos de países vizinhos, para que gradualmente incentivar as partes em conflito a superar suas disputas por meio pacífico. Razão pela qual não poderá ser confundida com formas ilegais de intervenção armada.

Nos últimos séculos os dois clãs tem lutado pela sobrevivência por culpa de uma guerra iniciada antes de nossa época.

Com este contrato, é formado um tratado de paz, assegurando que nenhuma das partes irá reagir de forma bruta para com a outra parte.

Os termos da paz sugerem a união entre vampiro e lobisomem. Um casamento. Mas para assegurar que as partes concordarão em se manter unidos, e que farão aquilo que um casal deve fazer, deverão dar à luz à um novo ser.

A mistura das espécies pode trazer a paz que tanto desejamos. Um herdeiro que lutará para que não haja mais guerra.

Segundo isso, a escolha do vampiro(a) que se unirá ao lobisomem será decidido pelo líder dos vampiros.

Assinado isso, terão o prazo de duas semanas para oficializar o casamento. Após isso, terão o prazo de até dois anos para gerar um novo ser.

- Isso é verdade? – perguntei, colocando o pergaminho novamente sobre a mesinha de centro.

Aquilo era ridículo. Um contrato de paz.

Um pedaço de papel assinado por duas ou mais pessoas não iria garantir que vampiros e lobisomens iriam parar de se matar cada vez que se esbarrassem.

- Totalmente verdade. Os lobisomens já estão cientes disso, falta convencer os vampiros – disse Lohan. – Nós aceitamos os termos. Sem invasão de domicilio, e isso inclui os bares e boates que já são frequentados por lobos. Uma lista de lugares será entregue aos lobos, onde não poderão ir, pois será governado pelos vampiros. A mesma coisa será feita para proteger os lobos. Nós costumamos andar em grupos.

Ele apontou com a cabeça para seus parceiros e sorriu.

- Chega de ataques. Haverá lugares que ambos poderão frequentar se quiserem, ao mesmo tempo, para poderem fazer amizades, mas serão supervisionados para que não haja conflitos – ele continuou.

Repousei minhas mãos inquietas sobre as pernas e torci meus dedos.

A palavra paz ecoava na minha mente. Eu queria acreditar que aquilo seria realmente algo bom, assim como Lohan fazia parecer, mas tudo no que eu conseguia pensar era que eu teria que me deitar com um deles.

Aquilo era repugnante.

Eles eram monstros que matavam vampiros apenas por diversão. Como eu poderia garantir que não fariam o mesmo comigo depois de eu parir um herdeiro para eles?

- Por que eu? – quis saber.

Meus olhos se encheram de lágrimas e meu coração doeu por estar segurando o choro a tanto tempo.

Lohan e Muriel se entreolharam.

- Como Muriel disse antes, você é uma das poucas que ainda não procriou – disse ele.

Passei a odiar aquela palavra.

Desviei os olhos e fiquei olhando a mesinha de bebidas no canto. Eu não me sentia mais tão bêbada.

- Muriel escolheu você dentre as outras por um motivo, ele acredita que você possa ajudar a levar a paz para todos os clãs. – Lohan descruzou as pernas e se inclinou para frente, apoiando os cotovelos sobre os joelhos. – Você é linda e forte. É a mulher de que William precisa.

Balancei a cabeça, confusa.

- Quem é William?

Ele suspirou.

- Depois que você assinar esse acordo, ele será seu noivo. É o filho do nosso atual líder. Depois do casamento, William Volkov tomará o lugar de líder do nosso clã, e você estará ao lado dele.

Lohan empurrou o pergaminho na minha direção, até a ponta da mesinha.

- E se eu me negar? – não custava nada perguntar.

Lohan voltou a se recostar no sofá e cruzou os braços.

- A guerra continua de onde parou. Vampiros e lobisomens lutando até a morte. – Ele olhou em volta.  – O banho de sangue pode começar dentro dessa biblioteca, se você assim desejar.

Olhei em volta também.

Os lobisomens estavam em maior número.

- Cinco contra três – sussurrou Lohan erguendo as sobrancelhas. – Seria um desperdício estragar seu lindo vestido.

Meu sangue nem se destacaria sobre o vermelho do vestido.

Engoli em seco e olhei o pedaço de papel na minha frente.

- Assine seu nome, Alena – disse Muriel, pela primeira vez desde que entramos ali.

Olhei em seus olhos verdes e pela primeira vez eu senti mais raiva do que medo.

- E se eu não quiser? – o desafiei.

Ele respirou fundo e se sentou do meu lado. Se inclinou sobre mim e sussurrou no meu ouvido:

- Assine isso ou eu mato o seu amigo bem na sua frente, e faço você assistir.

Arregalei os olhos de medo. Eu sabia que ele não estava blefando, se eu me negasse, ele mataria Alec. Se eu apenas hesitasse por um segundo, ele mataria Alec.

E eu não queria perder meu melhor amigo e irmão para o homem que eu achava que me amava como uma filha.

Muriel tinha deixado de ser meu pai no minuto em que me arrastou até a biblioteca.

Mas eu ainda tinha medo dele. Seria burra se não tivesse.

Ele tinha quase o dobro da minha idade. Era muito mais forte que eu.

Voltei a olhar para o pergaminho.

Me inclinei e peguei a pena. Molhei a ponta na tinta preta e escrevi meu nome na linha pontilhada.

Alena Mayer.

Abaixo do meu nome, Muriel escreveu o seu, como testemunha.

Só faltava a assinatura do meu noivo.

Uma lágrima escorreu pelo canto do meu olho e Muriel teve a audácia de secá-la com a ponta dos dedos. Eu não ousei me mover. Deixei que ele me tocasse carinhosamente como já havia feito incontáveis vezes.

Eu sentia meu corpo reagir a ele, mesmo que estivesse com raiva. Eu sentia atração pelo meu criador e não conseguia me controlar. Ele era um homem poderoso. E não apenas por ser um vampiro com mais de mil anos.

Ele tinha poder sobre mim, e o estava usando para me casar com um lobisomem.

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