Capítulo 2

Tomaz Vasconcelos

Finalizo o dia no trabalho e resolvo malhar, ser professor de luta torna-se cansativo se esta o tempo inteiro em ação. Faço um treino pesado de no máximo uma hora para poder ir mais cedo para casa prometi a Melissa que iria comemorar com ela pelo emprego novo.

Não sei exatamente o que pensar sobre essa menina, mas se tiver que me aproximar para descobrir quem ela é farei isso independente de qualquer coisa. Sei que ela e Théo escondem algo e não irei permitir que me deixem no escuro por mais tempo.

Meu tio deixou claro que ela é território proibido para mim, mas não me importo afinal não possuo nenhum interesse além de descobrir suas mentiras. Estou tentando ganhar sua confiança e quando a tiver tudo ira ocorrer de forma perfeita.

Corro mais um pouco na esteira e vou fazer alguns exercícios de musculação quando já estou suado o suficiente vou para o vestiário, tomo um banho rápido e me visto, sinto-me renovado e pronto para sair.

Vejo Ana Clara na recepção e sorrio ao me aproximar dela, sinto-a especial e acho que realmente estou gostando dela.

— Aninha. – Digo e sorrio ainda mais quando ela olha para mim.

— Já vai Tomaz? – Indaga curiosa.

— Sim. – Respondo ficando mais próximo a ela que levanta para se despedir.

Ela aproxima-se lentamente e segura minha mão, sorri nervosa e beija meu rosto delicadamente, sinto um arrepio percorrer o meu corpo e aperto sua mão mostrando que gostei do beijo.

Vejo-a sorrir tímida e colocar uma mexa de cabelo atrás da orelha, começo a afastar-me lentamente desejando ficar ao seu lado.

— Até amanhã. – Ouço-a dizer.

— Até Aninha. – Despeço-me e saio com um sorriso bobo em meus lábios.

Vou até o carro e entro, coloco uma música para tocar e saio do estacionamento. Decido que irei levar pizza estou com fome e acredito que ela também vai gostar disso, escolho uma doce e outra salgada, pego um vinho e aguardo o pedido ficar pronto.

Sento-me em uma mesa e começo a mexer no meu celular, mas uma imagem insistente invade minha mente novamente. Lembro-me da noite passada e Melissa indo vomitar por causa do bolo.

Inicialmente pensei que ela estava grávida, mas quando retornou o que vi em seus olhos foi dor, uma dor que sei que não irá apagar-se jamais. Como estudante de psicologia sinto-me obrigado a ajudá-la, mas no momento estou mais curioso do que interessado em curar-lhe de algo.

Sei que isso pode parecer cruel, mas preciso saber quem é a mulher que permiti viver em minha casa. Quando o meu pedido fica pronto pago a conta e retorno ao carro, o caminho não é longo então no máximo em meia hora estou em casa.

Assim que entro estranho as luzes estarem apagadas, mas não me intimido e entro acendo as luzes e vou para a cozinha, coloco as coisas em cima da mesa como está calor dirijo-me ao quarto e troco de roupa, visto uma calça de tecido leve e uma regata. Saio do quarto e bato na porta do quarto dela.

— Melissa, eu já cheguei. – Digo e escuto-a destrancar a porta e me afasto.

Quando ela a abre fico confuso com o que vejo, ela usa uma calça e uma blusa de moletom e possui luvas em suas mãos e sapatos nos pés.

— Boa noite. – Murmura envergonhada.

— Você vai sair? – Indago observando-a, percebo seu constrangimento e encaro apenas seus olhos.

— Não... Eu... Hum... Estou com frio. – Diz, mas desconfio que esteja mentindo.

— Certo, venha comprei pizza para nós. – Convido-a forçando um sorriso.

— Não precisa fazer isso, sei que tem aula. Não quero lhe atrapalhar. – Fala rápido e isso me prova que esta nervosa.

— Não é nenhum sacrifício, vamos comer. – Insisto e vejo-a sair do quarto.

Permito que ande em minha frente, observo o seu corpo ela é muito magra, mas possui algumas curvas, penso que poderei ajudá-la na academia. Tento compreender o motivo de usar tantas roupas, porém nada compreensível vem a minha mente.

Entramos na cozinha e percebo que ela não se move, seus olhos percorrem o espaço como se procurasse por algo e o medo é perceptível em seus olhos, penso em algo para distraí-la preciso que essa noite seja boa.

Começo a pegar algumas coisas no armário e sinto-a aproximar-se, um sorriso imprevisível surge em meus lábios.

— Precisa de ajuda? – Indaga tímida.

— Sim, pode pegar as taças para nós. – Peço e ela obedece.

A forma que se move faz com que seja totalmente diferente da mulher que vi na academia, neste momento ela esta vulnerável e isso me deixa intrigado, não consigo compreendê-la de nenhuma maneira.

Faz apenas dois meses que mora aqui, nunca desejei conhecê-la e fui completamente contra o meu tio, mas ele insistiu e eu não soube falar não, porém minha mente sempre me disse que eu estaria me metendo em problemas caso aceitasse o que ele propôs e agora quero saber o tamanho do problema que me meti.

Ela fica sempre trancada no quarto, mal sai para comer e isso é notável, pois emagreceu bastante desde que chegou. Mal conversamos, ontem no aniversário dela foi o primeiro momento que trocamos algumas palavras e só fiz isso por que o meu tio persistiu nesta ideia, pois caso contrário não faria, acho-a completamente esquisita.

Terminamos de arrumar a mesa e nos sentamos, ela observa o próprio prato e isso começa a me perturbar esta completamente diferente do que imaginei, não esperava por uma menina tão indefesa.

— Você vai trabalhar em qual função? – Indago e ela me encara.

— Serei a recepcionista. – Diz em tom baixo.

— Isso é ótimo parabéns. – Falo e sorrio, abro o vinho e sirvo nossas taças.

Ela toma iniciativa e descobre a pizza salgada, após nos servimos começamos a comer.

Sinto o seu olhar distante e por incrível que pareça sei o que significa, não posso deixar que ela se perca igual aconteceu ontem, preciso conversar com ela. Seguro sua mão e ela me encara parecendo assustada.

— Desculpe. – Sussurra.

— Esta nervosa para amanhã? – Questiono ignorando suas desculpas, pois acredito que ela não precisa pedir.

— Mais do que pensei que estaria. – Confidencia e sorri fraco.

— Como pensou que seria? – Pergunto demonstrando interesse.

— Pensei que seria mais fácil. – Confessa tensa.

— Vai dar tudo certo, Melissa você é muito inteligente, vai ser incrível. – Digo para confortá-la e surpreendo-me com o que recebo.

O seu sorriso é realmente lindo e desperta em mim coisas que não pensei que sentiria por ela. É rápido, mas verdadeiro e isso me faz sorrir também, sinto como se barreiras estivessem sendo quebradas, mas isso não vai me fazer desistir do meu objetivo.

— Bem, obrigada. – Murmura e sinto a suavidade de sua voz.

Preciso repetir várias vezes em minha mente quem ela é, para que não confunda o que esta acontecendo e por alguns minutos isso não funciona.

— Comprei pizza de brigadeiro também. – Anuncio e vejo seus olhos brilharem, fico contente por descobrir que ela gosta de chocolate.

— Parece estar muito boa. – Diz assim que a descubro.

Sirvo nos dois e assim que terminamos de comer, ela arruma a mesa e eu lavo a louça.

— O que acha de assistirmos um pouco de televisão. – Convido-a e ela concorda.

Nós sentamos e coloco um filme de comédia romântica. Não assisto o filme, apenas a observo. Ela sorri timidamente e percebo que esta se divertindo, nunca reparei nela dessa maneira, mas por algum motivo comecei a admirá-la.

Assim que o filme acaba nos levantamos e eu acendo a luz.

— O filme foi muito legal. – Comenta parecendo a vontade.

— Que bom que gostou, podemos repetir isso. – Digo e sem pensar aproximo-me desejando-a e quando ela percebe minha intenção afasta-se em estado de choque.

— Por favor Tomaz, não toque em mim. – Suplica encarando-me.

Não sei o que pensar neste momento, mas eu não encostaria nela desta forma. O pavor em seu rosto mostra que esta desesperada e isso primeiro me entristece e depois faz com que uma raiva desconhecido cresça em meu peito. Não sei se tenho raiva dela ou de quem a feriu.

Aproximo-me dela rapidamente e seguro seu rosto entre minhas mãos faço com que me encare e encaro seus olhos que transmitem o espanto.

— Você precisa me falar Melissa, me diga quem é... Este silêncio esta me matando. – Falo sem pensar e vejo o seu pavor transformar-se em ódio, ela me afasta rapidamente.

— Então é disso que se trata não é? – Indaga irritada. — Essa noite não foi para comemorar, mas sim para que tente descobrir algo. Eu sou uma idiota. – Diz mais para si mesma do que para mim.

Sinto raiva dela, por não perceber que em um período da noite eu realmente me interessei, me senti atraído por ela e desejei beijá-la verdadeiramente. Porém o que mais me irritou foi perceber como ela é esperta, muito mais espeta do que eu.

— Você achou que era o que? Acreditou mesmo que eu queria me aproximar de você? – Indago sem pensar, o assombro em seu rosto me entristece.

— Eu... – Ela não termina a frase apenas me encara.

— Não seja tola Melissa, como eu poderia sentir algo por você nós nunca conversamos, olha para você. – Digo com raiva sem medir minhas palavras, sem pensar se a estou ofendendo ou não.

— Como você pode ser tão cruel? – Questiona decepcionada, odeio ver essa expressão em seu rosto.

— Cruel? – Grito. — Eu permiti que fique em minha casa sem ao menos lhe conhecer. – Falo expondo minha indignação.

— E agora tentou me seduzir para descobrir algo. – Exclama como se cuspisse as palavras.

— Se eu conseguisse algo com isso teria uma vantagem. – Discorro vendo a raiva crescer em seus olhos.

Ela anda pela sala parecendo pensar, vejo vários sentimentos passarem pelo seu rosto, porém não é nada que eu identifique. Ela me encara e eu vejo a Melissa que estava na academia em minha frente.

Esta é segura de si, confiante, não possui medo ou pavor. Ela me assusta e me encanta. A encaro com admiração e isso me faz perceber que o nervosismo que ela sentia era por jantar comigo e não por causa do trabalho.

— Isso foi muito baixo para alguém como você. – Diz ríspida.

— Alguém como eu? – Indago sem compreender.

Ela caminha lentamente até mim, não me movo mesmo que eu quisesse sair do lugar sinto que o meu corpo não permitiria.

— Você vai se arrepender, pode ter certeza disso.- Afirma e sai.

Fico encarando a escada por onde subiu tentando entender o que realmente aconteceu. Passo as mãos pelos meus cabeços irritado e me sentindo um completo fracasso, não entendo como deixei chegar a esse ponto.

Lembro-me do sorriso dela e me sinto privilegiado por ter visto ao mesmo tempo em que me odeio por ter tirado isso dela em uma noite que estava sendo tão especial.

Pego o meu celular decidido a acabar com tudo, estou certo que não podemos viver desta maneira e por outro lado não sei o que ela insinuou quando disse que vou me arrepender.

Ligo para o meu tio e ele não atende, continuo ligando até que finalmente escuto sua voz.

— Tomaz, sobrinho querido. – Diz ao atender, ignoro suas palavras.

— Quero ela fora daqui. – Exclamo irritado andando de um lado para outro.

— O que aconteceu? – Questiona preocupado.

— Não importa, mas não dá para convivermos desse jeito. – Informo sentindo a raiva me possuir, sei que estou gritando, porém não me importo se ela vai ouvir.

— Ela não vai a lugar nenhum e nem você. – Fala simplesmente.

— O que? – Indago indignado. — Você não pode me obrigar a conviver com ela. — Grito ainda mais.

— Sinto muito, mas nós precisamos de você. Eu preciso de você. – Justifica deixando-me mais irritado.

— Como se eu não sei em que merda estão metidos. – Exclamo.

O silêncio do outro lado da linha parece gritar para mim que estou em uma roubada ao mesmo tempo em que me faz ter vontade de ver o sorriso dela de novo.

— Você esta ai? – Indago.

— Você é mais espero do que isso. – Confidencia.

— Não sei do que esta falando. – Assumo tentando me acalmar.

— Pare de ver apenas o que quer que irá descobrir o que procura. – Afirma o meu tio parecendo irritado, nunca o vi com tanta raiva.

— Não jogue comigo tio, apenas fale a verdade. - Peço e o ouço derrubar alguma coisa.

— Por enquanto é isso que terá, não é seguro para você uma hora vai ter que compreender isso. – Grita e eu sento-me no sofá, sentindo que esta falando a verdade.

— Não sei se consigo lidar com essas coisas. – Exclamo e ele sorri.

— Consegue sim, mas Tomaz, prometa que terá paciência com ela. – Ordena.

— Eu vou tentar. – Murmuro.

— Ela já sofreu demais, não seja mais um motivo para ela desistir de lutar por sua vida. – Orienta-me e sinto-me enlouquecido.

Penso no excesso de roupa, na forma em que ficou quando tentei beijá-la, o pavor, o medo, a maneira como perde-se em seus pensamentos. Merda, eu deveria ter notado antes, ela com certeza sofreu algum tipo de abuso e eu provavelmente serei um gatilho para ela.

— Tomaz, você esta ai? – Questiona.

— Sim, eu tenho que desligar. – Digo e despeço-me.

Sentindo a vergonha invadir o meu rosto começo a subir a escada, não faço nenhum barulho, não possuo presa. Se seu dissesse que sei exatamente o que quero fazer estaria mentindo, pois sinto-me completamente perdido.

Chego a frente à porta de seu quarto e levanto meu braço, contudo não consigo emitir um único som que indique que estou aqui. A vergonha é tamanha que sinto medo da rejeição que tenho certeza que irei sofrer.

Sei que ela tem razão para isso, mas não me sinto pronto. Abaixo o braço e o levanto novamente decido a bater, porém o som que escuto me desestabiliza. Ela esta chorando e isso é minha culpa.

Eu a tratei como se não tivesse sentimentos e agora acabei de iludi-la e magoá-la em uma mesma noite. Minha vergonha torna-se maior do que imaginei e agora sem coragem alguma resolvo ir para o meu quarto.

Não sei o que ela fará para vingar-se, porém acredito que qualquer coisa ainda será pouco para isso, preciso recompensá-la.

Vou para o banheiro e tomo um banho rápido, em seguido encaminho-me para o meu quarto e percebo que ela ainda não saiu do seu, pressinto que só sairá amanhã quando for trabalhar.

Entro no quarto e deito-me na cama sentindo o colchão frio invadir-me, após alguns minutos ouço meu telefone tocar e quando o pego e percebo que recebi uma mensagem da Aninha, abro-a e verifico rapidamente.

Tomaz, a academia ficou mais vazia depois que saiu, estou ansiosa para vê-lo amanhã.

Leio a mensagem algumas vezes e o sorriso que costumava surgir em meu rosto dessa vez não veio. Guardo o telefone e não respondo, pois hoje não sou digno dela.

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