O caminho que seguiu após o bárbaro crime cometido contra o pai adotivo dentro de sua própria casa, ao tentar evitar que ele continuasse a espancar violentamente sua mãe era incerto. A menina fugiu pela floresta sem rumo. Durante a fuga perguntava-se sobre o que teria de fato acontecido com Damásio, indagava em seus pensamentos se ele estaria mesmo morto ou sobrevivido ao esfaqueamento no peito. A densa floresta que seguiu depois de deixar a estrada por onde esteve caminhando por várias horas, para evitar que fosse facilmente localizada por aqueles que porventura viessem ao seu encalço., era escura e fria, apesar de ainda ser dia e o sol está com seus raios a queimar a pele.
Era um caminhar como se estivesse andando às cegas, tanto pela escuridão que se formava a cada passo dado para o interior da mata, como pelo fato de desconhecer inteiramente o lugar. Só era possível ouvir o cântico dos insetos e de corujas que ali era noite permanente, parecia que nunca houve dia naquela parte da natureza. De repente parou e ergueu o olhar assustado, viu a muitos metros de altura a ponta das gigantescas árvores centenárias, de caules enormes e com raízes que se podia ver espalhadas sobre a terra.
Pôde perceber a ponta dos altos galhos que mais pareciam com ramos de pequenas plantas, tão distante estavam de onde ela se encontrava. Lembrou que estava deixando para trás um passado manchado de sangue, então compreendeu que a única saída seria prosseguir com sua caminhada. Esforçava-se para alcançar uma luz qualquer que lhe guiasse para fora daquela mata fechada, na esperança de encontrar um refúgio e onde passar a noite. A caminhada naquela escuridão foi longa, não podia perceber onde firmar os passos. Finalmente o ambiente começou a ser iluminado pela luz do sol.
Terminava a área mais densa e a alguns passos dali, depois de sair ao limpo, havia uma caverna com aspecto ideal para um bom descanso depois de várias horas caminhando sem saber ao certo para que direção seguia.
Já era final de tarde e à noite se aproximava, no céu um mormaço se formava, as nuvens cheias de água davam sinais de que um grande temporal se formava. A chuva começou a cair seguida de forte ventania, era típico daquela região aquele tipo de clima, quente e frio. Horas sol escaldante e em seguida repentina quedas de chuvas. A caverna era assustadora, escura, mas ideal para se proteger da ventania lá fora. Estando dentro do lugar, sem adentrar mais ao fundo temendo o pior, assentou-se e recostou a cabeça nas paredes em redor, exaustiva.
Pensava em todas as coisas que lhe aconteceram nas últimas horas. Seus pensamentos voltaram como um flash ao passado, quando, apesar das constantes agressões sofridas por sua mãe pelo grotesco Damásio ainda foi possível viver ao lado dela bons momentos, quando ambas estavam sozinhas e longe dele, vivendo como duas grandes amigas, uma cuidando da outra. Era seu maior sonho poder concluir os estudos, começar a trabalhar e ter condições de libertá-la daquele cativeiro horrível.
Mas o imprevisto aconteceu e seus sonhos foram impedidos de se concretizarem, agora teria que encarar a dura realidade diante da qual se encontrava. Tornou-se uma fugitiva, certamente procurada pela polícia como aquela que, depois de adotada pelo casal resolveu matá-los. Nada mais conveniente para deduzir, visto que ninguém poderia imaginar o inferno vivido pelas duas mulheres ao lado de um homem viciado como àquele. Claro que isto não era uma razão para que ela tirasse a vida do violento indivíduo.
Mas foi a única maneira que encontrou, naquela ocasião, para tentar conter a sua violência. Com o olhar fixo na chuva e no vento forte que soprava lá for a, balbuciou alguma coisa quase imperceptível, como se falasse a si mesma:
― Ele a matou, àquele miserável a matou. Maldito viciado!
Perdida entre tantos pensamentos e ainda bastante assustada, dominada pelo cansaço por conta da longa caminhada que a conduziu até ali, recostou a cabeça na parede de pedra e adormeceu. A tempestade parecia não querer passar, durou a noite inteira.
O dia nascia e o sol reapareceu depois de várias horas chovendo, sem nenhum intervalo. Os pássaros cantavam nas altas árvores que encobriram a vegetação rasteira do lugar, a menina despertou com um lindo cantar do pássaro colorido que estrategicamente pousou próximo a gruta onde ela dormia.
Parecia ter sido enviado propositalmente para despertá-la de seu pesado sono e seguir viagem rumo ao desconhecido. Ao acordar, ainda permaneceu de olhos fechados ouvindo o cantar suave dos pássaros. Até que sentiu algo gelado passando por cima de suas pernas, acompanhado por um barulho estranho, era como se um chocalho estivesse sendo sacudido. Conhecia aquele barulho, viveu bastante tempo morando longe da cidade e teve um longo contato com a natureza, sabia tratar-se de uma cascavel, animal peçonhento e altamente venenoso.
Aprendeu nas aulas de ciências que os répteis possuem visão infravermelho, só percebem a presença de suas presas pelo movimento das mesmas. O segredo para evitar seus ataques é manter-se imóvel, completamente quieto, tentar evitar até a respiração ofegante. Ficou ali, paralisada por alguns segundos até que a enorme cobra passasse calmamente sobre suas pernas. Não ficou apavorada, era valente e além de corajosa gostava de répteis, não era à toa que a maioria das pessoas da cidade achavam-na estranha, meio louca. Ela tinha em casa sua amiga “Flor”, uma jiboia de estimação que criava desde bem pequena. Fo um presente de Otaviano, seu tio, também meio esquisito.
A coitada ficou por lá, abandonada depois da tragédia que lhe sobreveio e mudou radicalmente sua vida. A noite passou, a tempestade se foi, era um novo dia. Agora era o momento de sair dali e seguir em frente, tentar encontrar alguém que pudesse lhe ajudar.
Depois daquela densa floresta havia um pequeno vilarejo, onde habitavam pessoas de má índole que sua mãe sempre advertida para que se mantivesse distante. Eram prostíbulos, onde viviam homens e mulheres escravizados pelo álcool e na prostituição. Mas não tinha outra solução que não fosse a de ir lá e tentar conseguir alguma ajuda, afinal, estava faminta, suja e precisando descansar da longa jornada. A casa vista ao longe era diferente das que costumava ver nas vezes que esteve na cidade, totalmente feita de madeira, com um salão amplo cheio de mesas e cadeiras, além de um enorme balcão. Por detrás a prateleira cheia de muitas garrafas de bebidas fortes. A casa estava estranhamente vazia e sem nenhuma pessoa por perto. A porta era bem larga e estava aberta, a passos lentos e cautelosos entrou no lugar bem iluminado por lampiões, um tipo de lâmpadas caseiras, que funcionava a base de gás, geralmente usado nos locais onde não há energia elétrica. Destemida passou a anda
Na manhã seguinte chegou no bordel uma nova meretriz, seu nome era Rute. Jovem, linda e bastante delicada, veio da capital a convite da Madame na pretensão de animar o recinto e fazer novos espetáculos, visto que era uma cantora das melhores boates paraenses. Ao ver a adolescente num dos quartos da casa, quando passava aos aposentos que lhe foi reservado. Admirou-se do fato de uma criança estar ali e indagou para aquela que a acompanhava se a menina era filha da patroa. Sabendo de imediato que se tratava de uma desvalida que apareceu por lá de repente, sendo acolhida pela dona do ambiente. Segundo a informação recebida, ela estaria cuidando da garota até que aparecesse algum familiar, mas como uma experiente mulher na vida noturna dos prostíbulos. Rute percebeu de imediato a verdadeira intenção da dona do ambiente para com a pobre infeliz, principalmente porque ela mesma foi vítima de situação semelhante, quando foi obrigada a viver num orfanato e sem par
Na manhã seguinte tomou as devidas providências de localizar os currais dos animais, como lhe havia solicitado a amiga, afim de que as duas pudessem encontrarem-se logo mais na madrugada. Tendo feito isso e escolhido o local exato onde deveria estar no momento da fuga o ideal agora seria voltar para a casa e aguardar a hora adequada para se evadir dali sem que ninguém percebesse e ocultar-se até que Rute fosse ao seu encontro. Entretanto, a asquerosa Noêmia estava atenta aos movimentos da menina e achou estranho seu interesse em andar próximo as cocheiras onde eram guardados os cavalos. Ainda na casa, ela permaneceu na cozinha, ajudando Rosa a preparar os alimentos para o almoço da mesma forma fez no início da noite durante o jantar. Neste interim, Rute limitou-se a não ter qualquer contato com a garota para não levantar qualquer suspeita em relação ao plano traçado pelas duas. Era meia noite de sábado e o prostíbulo como sempre se encontrava lotado de pe
Na manhã seguinte partiram na esperança de chegarem ao destino antes do meio dia, porém João Miro mudou os planos e alertou as duas passageiras que deveria antes entregar a carga que transportava no caminhão numa fazenda próxima e somente depois prosseguiriam viagem. Sem desconfiar das más intenções do infame traidor concordaram plenamente com a decisão do motorista, afinal, já teria sido uma grande gentileza dar-lhes carona sem nada pedi em troca. Na verdade, mal sabiam o que planejavam seus inimigos. Chegando a tal fazenda, foram recebidos por vários homens, todos muito bem armados, e levados para dentro de uma casa grande e luxuosa. Às mulheres ficaram desconfiadas da maneira como se deu a recepção, pois o que sabiam era de estarem ali para deixar uma carga. E não para serem recebidas daquela forma. Nas dependências do imenso casarão existiam diversos móveis feitos em madeiras de lei, tudo de primeiríssima qualidade e bem lustrados. No teto, forrado de gesso
Depois do terrível episódio, onde foi obrigada a presenciar a covarde morte de sua única amiga e após alguns dias de tolerância dada por Santiago para restabelecer-se do que passou lhe foi dada a permissão para andar livremente pela casa sem uma vigilância muito ortodoxa. No entanto, sob o olhar atento da mulher com aparência de homem que seguia seus passos de longe, sem sufocá-la. Um semblante triste pairava no seu rosto e o olhar sem brilho ou qualquer emoção deixava claro para quem a observasse que interiormente estava apagada. Como uma morta viva, faltava-lhe motivações para sentir prazer em viver. Por muitos meses foi abusada sexualmente pelo insensível Coronel, que tinha nas mãos o poder de fazer o que bem entendesse, visto que era um homem extremamente rico e ninguém seria estúpido para contradizer suas decisões. Seu filho mais novo, Carlos Eduardo, gerado num dos vários relacionamentos desfeitos era diferente do pai, mas sua covardia o impedia de contra
Naquela mesma noite os dois encontraram-se naquele local da propriedade, exatamente como haviam combinado, na hora que acontecia o jantar dos funcionários da fazenda. Como a casa era espaçosa e cheia de cômodos era fácil se ocultar nela sem que alguém percebesse sua ausência, além do que era costume não descer a qualquer uma das salas se o Coronel estivesse viajando a negócios e seus observadores relaxavam na vigilância. Acreditavam que sendo noite a menina não ousaria tentar fugir naquela escuridão sem conhecer bem a região. Aquele era o momento exato para tentar uma fuga, contando com a parceria de Carlos Eduardo que mesmo acovardado seria de grande valia, pois cresceu naquelas terras e as conhecia muito bem. Mostrando-se competente, o medroso rapaz providenciou duas montarias para escaparem, que se encontravam escondidos a pelo menos um quilômetro de onde estavam. Após ter certeza de que o caminho estaria realmente livre para seguirem viagem, partiram o mais breve
epois de serem apreendidos pelos policiais corruptos a delegacia em Castanhal e entregues a seus inimigos os dois amigos foram levados de volta à fazenda de onde fugiram dias antes. Enquanto ela foi trancafiada no seu quarto sob forte vigilância, Carlos Eduardo foi grandemente espancado por ordens de Santiago e em seguida lançado num porão escuro e cheio de ratos, amarrado pés e mãos, para que morresse aos poucos, sem alimentar-se e contaminado com as doenças transmitidas pelos roedores. Durante vários dias Walquíria permaneceu presa dentro de seus aposentos sem receber qualquer visita, nem mesmo do Coronel, para que pudesse ter notícias do amigo. Sua alimentação lhe era entregue por uma pequena passagem localizada por baixo da porta e ao gritar para que alguém a ouvisse e lhe prestasse ajuda, a resposta era um total silêncio. Ouvia passos no corredor, mas pareciam ser de fantasmas que nunca respondiam a seus clamores, as janelas fechadas e o teto forrado de ge
Amanheceu e percebia-se um grande alvoroço na fazenda, com os empregados correndo de um lado para o outro, matavam-se bezerros, organizava-se a casa, espalhavam-se muitas mesas e cadeiras por todo o grande terreiro da propriedade, bebidas, muitas frutas e comidas diversas eram preparadas na espaçosa cozinha... Ela apenas observava tudo por trás do vidro escuro da janela do quarto de horrores onde vivia trancada como um animal enjaulado, aguardando o dia da matança. Completava naquele domingo de primavera mais um ano de vida, aqueles preparativos eram para a festa que aconteceria em sua homenagem. Cinicamente o Coronel decidiu comemorar seus dezesseis anos e trazer vários de seus convidados para conhecer aquela que dizia ser sua “sobrinha”, filha de uma irmã distante. Mentira que era confirmada pelos subalternos, que não correriam o risco de perder a vida caso falassem o contrário. Somente os amigos mais próximos dele, igualmente pedófilos, sabiam a verdade. Por