Depois daquela densa floresta havia um pequeno vilarejo, onde habitavam pessoas de má índole que sua mãe sempre advertida para que se mantivesse distante. Eram prostíbulos, onde viviam homens e mulheres escravizados pelo álcool e na prostituição. Mas não tinha outra solução que não fosse a de ir lá e tentar conseguir alguma ajuda, afinal, estava faminta, suja e precisando descansar da longa jornada.
A casa vista ao longe era diferente das que costumava ver nas vezes que esteve na cidade, totalmente feita de madeira, com um salão amplo cheio de mesas e cadeiras, além de um enorme balcão. Por detrás a prateleira cheia de muitas garrafas de bebidas fortes. A casa estava estranhamente vazia e sem nenhuma pessoa por perto.
A porta era bem larga e estava aberta, a passos lentos e cautelosos entrou no lugar bem iluminado por lampiões, um tipo de lâmpadas caseiras, que funcionava a base de gás, geralmente usado nos locais onde não há energia elétrica. Destemida passou a andar no recinto, observando cada detalhe e a procura de alguém que pudesse recebê-la.
Uma música dos tempos antigos era ouvida ao fundo, um perfume de rosas pairava no ambiente, parecia ter sido derramado ali em grande quantidade. Aquela grande casa parecia ter sido construída para receber muitas pessoas, porém, estava deserta.
De repente ouviu passos, escondeu-se detrás do balcão. Uma mulher, aparentando uns cinquenta anos andava pelo salão, colocando toalhas floridas sobre as mesas e cantarolando aquela música horrível. Sem querer portou-se desastrosamente e bateu em algo, causando forte barulho que foi ouvido pela senhora de cabelos embranquecidos que logo procurou descobrir a origem do acontecido.
— Quem está aí?
O silêncio foi sua resposta.
— Apareça, vamos, seja quem for!
A menina, assustada e cheia de desconfiança decidiu mostrar-se. Ao ver aquela bela moça, de longos cabelos e olhar inocente, Maria dos Anjos teve a certeza de que estava diante de uma grande fonte de renda e que poderia ganhar muito dinheiro, explorando a pureza daquela pobre menina. Após alguns segundos de surpresa, ordenou que ela se aproximasse e lhe fez indagações a respeito da sua inesperada presença ali, naquele bordel.
— Quem é você, menina, o que faz aqui em minha casa? Depois de dá alguns passos na direção ao centro da ampla sala e fitando com um olhar firme de quem precisava proteger a si mesma, encontrou palavras para dar a resposta certa.
— Meu nome é Walquíria, senhora, desculpe pela invasão. Estava vindo da cidade pela floresta, me deparei com este lugar e entrei.
A mulher aproxima-se um pouco mais e observa melhor a visitante, prosseguindo com suas indagações.
: ― E o que uma menina linda como você faz perdida por estas bandas, andando sozinha por esta floresta? Onde estão seus pais?
— É uma longa história, senhora
— Pois acho bom começar a se explicar mocinha, pois não é todo dia que uma criança surge de repente na minha casa!
E, dando ordens a uma de suas meretrizes, determinou que cuidassem da visitante. Vânia, uma negra de bela aparência, bastante cobiçada pelos frequentadores do lugar segurou firme numa das mãos da menina e a conduziu para o interior do bordel, seguindo por um espaçoso corredor que levava até os amplos quartos, onde as prostitutas deitavam-se com seus amantes durante a noite. Todos estavam fechados à chave, as mulheres encontravam-se dormindo, recuperando-se para logo mais voltarem a circular pelo salão e satisfazerem o apetite sexual dos homens que ali iam à procura de saciar seus desejos.
Vânia levou a assustada adolescente para os fundos da casa, onde localizava-se o banheiro e ali providenciou-lhe um banho completo. Em pouco tempo estava limpa e usando roupas novas. Devido ter um corpo escultural e uma estatura maior do que seria normal para seus quinze anos foi fácil encontrar um vestido que lhe servisse entre as muitas peças disponíveis no vestuário de Vânia.
Enquanto jantava numa pequena sala, distante do salão, Maria dos anjos deixava Vânia ciente de suas pretensões para a garota recém-chegada ao cabaré. Pretendia negociar sua virgindade com seus clientes, de preferência os mais ricos. Como os fazendeiros da região que frequentavam aquele antro de prostituição a procura de novas fantasias a cúmplice deu-lhe a ideia de comunicar a novidade ao Coronel Santiago, o maior e mais poderoso criador de gado daquela região e seu principal cliente:
— O coronel precisa ser avisado sobre a menina, caso contrário vai ficar bravo com a senhora
— Sei disso, vou enviar Cesário lá na fazenda para dar a notícia, além do que somente ele vai poder pagar o que essa pirralha vale
— Mas, como ter certeza de que ela ainda está pura, Dona Maria?
— Por Deus, mulher, é só uma menina!
— Grandes coisas, eu me perdi aos treze anos!
— Não queira se comparar a uma menina como está, Vânia, ela parece ter sido criada com decência, já você era filha de uma vadia qualquer!
Após dizer estas coisas, retirou-se para o salão e ordenou o empregado que fosse levar a novidade ao Coronel, para que viesse ter com ela o mais breve possível. Enquanto isso a inocente menina, que acabara de sair de uma situação terrível na vida, estava prestes a entrar noutro labirinto de dor e sofrimentos. Ela tranquilizou-se com por ser acolhida pela dona da casa, acreditando que fosse um lugar de pessoas descentes.
Que poderia ficar ali alguns dias e depois partir. Tinha em mente conseguir dinheiro para pagar uma passagem até Bragança, onde morava Dona Brigite, amiga de sua mãe. Para lhe deixar ciente dos últimos acontecidos e pedir que ela a acolhesse. Mas, o destino lhe tinha traçado outra história e naquela mesma noite pôde ver de perto o que antes somente ouvia falar.
As mulheres se enfeitaram como se fossem a uma festa, o largo corredor que dividia os quartos da esquerda e da direita ficou estreito demais para o trafegar de tanta gente. Os perfumes de jasmim e rosas tomaram conta dali e ficou impossível não sentir o odor, podiam ser percebidos a longa distância. As vestimentas enfeitadas e extravagantes das meretrizes chamava atenção, deixavam seus corpos expostos e ao adentrarem no salão os homens as agarravam de forma violenta e faziam carícias ousadas.
Outros dançavam, bebiam e faziam todo tipo de atos indecentes, o ambiente ficou tomado pela devassidão. Ela observava tudo ao longe, escondida por detrás da parede que dividia os cômodos, mal podia ser notada, olhando na fresta da porta feita de angelim. Aos poucos os casais seguiam para os quartos no corredor, ela teve que retornar de imediato para seus aposentos para evitar que fosse notada.
Mesmo assim observava o vai e vem das meretrizes com seus parceiros, entrando e saindo nos quartos, e se perguntava o que tanto faziam. Como foi criada longe da cidade e distante de certas verdades da vida, desconhecia o pecado da prostituição. Sabia apenas que existiam as pessoas boas e as más. Que as mulheres mundanas praticavam muitas indecências e que moravam nos bordeis.
Onde recebiam seus amantes e dormiam com eles. Mas sua mãe nunca entrou em detalhes sobre o que realmente era o sexo nem como tudo acontecia. Era pura demais para entender o que estava acontecendo ao seu redor, estava bastante assustada. Aquilo era novo para ela que cresceu numa rotineira ida de casa para a escola. dividindo-se entre os estudos, o trabalho doméstico e a convivência harmoniosa com seus bichinhos de estimação, como a jiboia estrela, com quem as vezes dividia seus segredos. Por várias vezes também conheceu a violência ao ser testemunha das inúmeras ocasiões em que Damásio agrediu sua mãe e descobriu, da pior forma possível, o efeito negativo que as drogas podem causar naqueles que fazem uso delas.
Na manhã seguinte chegou no bordel uma nova meretriz, seu nome era Rute. Jovem, linda e bastante delicada, veio da capital a convite da Madame na pretensão de animar o recinto e fazer novos espetáculos, visto que era uma cantora das melhores boates paraenses. Ao ver a adolescente num dos quartos da casa, quando passava aos aposentos que lhe foi reservado. Admirou-se do fato de uma criança estar ali e indagou para aquela que a acompanhava se a menina era filha da patroa. Sabendo de imediato que se tratava de uma desvalida que apareceu por lá de repente, sendo acolhida pela dona do ambiente. Segundo a informação recebida, ela estaria cuidando da garota até que aparecesse algum familiar, mas como uma experiente mulher na vida noturna dos prostíbulos. Rute percebeu de imediato a verdadeira intenção da dona do ambiente para com a pobre infeliz, principalmente porque ela mesma foi vítima de situação semelhante, quando foi obrigada a viver num orfanato e sem par
Na manhã seguinte tomou as devidas providências de localizar os currais dos animais, como lhe havia solicitado a amiga, afim de que as duas pudessem encontrarem-se logo mais na madrugada. Tendo feito isso e escolhido o local exato onde deveria estar no momento da fuga o ideal agora seria voltar para a casa e aguardar a hora adequada para se evadir dali sem que ninguém percebesse e ocultar-se até que Rute fosse ao seu encontro. Entretanto, a asquerosa Noêmia estava atenta aos movimentos da menina e achou estranho seu interesse em andar próximo as cocheiras onde eram guardados os cavalos. Ainda na casa, ela permaneceu na cozinha, ajudando Rosa a preparar os alimentos para o almoço da mesma forma fez no início da noite durante o jantar. Neste interim, Rute limitou-se a não ter qualquer contato com a garota para não levantar qualquer suspeita em relação ao plano traçado pelas duas. Era meia noite de sábado e o prostíbulo como sempre se encontrava lotado de pe
Na manhã seguinte partiram na esperança de chegarem ao destino antes do meio dia, porém João Miro mudou os planos e alertou as duas passageiras que deveria antes entregar a carga que transportava no caminhão numa fazenda próxima e somente depois prosseguiriam viagem. Sem desconfiar das más intenções do infame traidor concordaram plenamente com a decisão do motorista, afinal, já teria sido uma grande gentileza dar-lhes carona sem nada pedi em troca. Na verdade, mal sabiam o que planejavam seus inimigos. Chegando a tal fazenda, foram recebidos por vários homens, todos muito bem armados, e levados para dentro de uma casa grande e luxuosa. Às mulheres ficaram desconfiadas da maneira como se deu a recepção, pois o que sabiam era de estarem ali para deixar uma carga. E não para serem recebidas daquela forma. Nas dependências do imenso casarão existiam diversos móveis feitos em madeiras de lei, tudo de primeiríssima qualidade e bem lustrados. No teto, forrado de gesso
Depois do terrível episódio, onde foi obrigada a presenciar a covarde morte de sua única amiga e após alguns dias de tolerância dada por Santiago para restabelecer-se do que passou lhe foi dada a permissão para andar livremente pela casa sem uma vigilância muito ortodoxa. No entanto, sob o olhar atento da mulher com aparência de homem que seguia seus passos de longe, sem sufocá-la. Um semblante triste pairava no seu rosto e o olhar sem brilho ou qualquer emoção deixava claro para quem a observasse que interiormente estava apagada. Como uma morta viva, faltava-lhe motivações para sentir prazer em viver. Por muitos meses foi abusada sexualmente pelo insensível Coronel, que tinha nas mãos o poder de fazer o que bem entendesse, visto que era um homem extremamente rico e ninguém seria estúpido para contradizer suas decisões. Seu filho mais novo, Carlos Eduardo, gerado num dos vários relacionamentos desfeitos era diferente do pai, mas sua covardia o impedia de contra
Naquela mesma noite os dois encontraram-se naquele local da propriedade, exatamente como haviam combinado, na hora que acontecia o jantar dos funcionários da fazenda. Como a casa era espaçosa e cheia de cômodos era fácil se ocultar nela sem que alguém percebesse sua ausência, além do que era costume não descer a qualquer uma das salas se o Coronel estivesse viajando a negócios e seus observadores relaxavam na vigilância. Acreditavam que sendo noite a menina não ousaria tentar fugir naquela escuridão sem conhecer bem a região. Aquele era o momento exato para tentar uma fuga, contando com a parceria de Carlos Eduardo que mesmo acovardado seria de grande valia, pois cresceu naquelas terras e as conhecia muito bem. Mostrando-se competente, o medroso rapaz providenciou duas montarias para escaparem, que se encontravam escondidos a pelo menos um quilômetro de onde estavam. Após ter certeza de que o caminho estaria realmente livre para seguirem viagem, partiram o mais breve
epois de serem apreendidos pelos policiais corruptos a delegacia em Castanhal e entregues a seus inimigos os dois amigos foram levados de volta à fazenda de onde fugiram dias antes. Enquanto ela foi trancafiada no seu quarto sob forte vigilância, Carlos Eduardo foi grandemente espancado por ordens de Santiago e em seguida lançado num porão escuro e cheio de ratos, amarrado pés e mãos, para que morresse aos poucos, sem alimentar-se e contaminado com as doenças transmitidas pelos roedores. Durante vários dias Walquíria permaneceu presa dentro de seus aposentos sem receber qualquer visita, nem mesmo do Coronel, para que pudesse ter notícias do amigo. Sua alimentação lhe era entregue por uma pequena passagem localizada por baixo da porta e ao gritar para que alguém a ouvisse e lhe prestasse ajuda, a resposta era um total silêncio. Ouvia passos no corredor, mas pareciam ser de fantasmas que nunca respondiam a seus clamores, as janelas fechadas e o teto forrado de ge
Amanheceu e percebia-se um grande alvoroço na fazenda, com os empregados correndo de um lado para o outro, matavam-se bezerros, organizava-se a casa, espalhavam-se muitas mesas e cadeiras por todo o grande terreiro da propriedade, bebidas, muitas frutas e comidas diversas eram preparadas na espaçosa cozinha... Ela apenas observava tudo por trás do vidro escuro da janela do quarto de horrores onde vivia trancada como um animal enjaulado, aguardando o dia da matança. Completava naquele domingo de primavera mais um ano de vida, aqueles preparativos eram para a festa que aconteceria em sua homenagem. Cinicamente o Coronel decidiu comemorar seus dezesseis anos e trazer vários de seus convidados para conhecer aquela que dizia ser sua “sobrinha”, filha de uma irmã distante. Mentira que era confirmada pelos subalternos, que não correriam o risco de perder a vida caso falassem o contrário. Somente os amigos mais próximos dele, igualmente pedófilos, sabiam a verdade. Por
Maurício, apesar de ainda muito moço, era o responsável por todas as propriedades agrícolas do pai que depois de alcançar certa idade decidiu aproveitar os anos de sua velhice divertindo-se na prostituição com meninas, um costume característico dos coronéis daquela época. Filho único de um casal de imigrantes espanhóis, morava sozinho com o pai viúvo, na grande mansão construída numa das dezenas de fazendas que possuíam no Sul do Estado paraense. Até o dia anterior não passava de um jovem milionário, criador de gados, dono de mais terras que qualquer outro na região, bem mais que o Coronel Santiago. O mesmo maldito pedófilo que o tinha convidado para o aniversário daquela que disse ser sua sobrinha. Desde o dia em que teve aquele inesquecível encontro com aquela mulher encantadora nunca mais conseguiu tirá-la de seus pensamentos. Em algumas ocasiões a vontade de voltar a vê-la era tanta que chegou a querer criar situações que lhe permitissem retornar ao lugar o