Na manhã seguinte chegou no bordel uma nova meretriz, seu nome era Rute. Jovem, linda e bastante delicada, veio da capital a convite da Madame na pretensão de animar o recinto e fazer novos espetáculos, visto que era uma cantora das melhores boates paraenses. Ao ver a adolescente num dos quartos da casa, quando passava aos aposentos que lhe foi reservado.
Admirou-se do fato de uma criança estar ali e indagou para aquela que a acompanhava se a menina era filha da patroa. Sabendo de imediato que se tratava de uma desvalida que apareceu por lá de repente, sendo acolhida pela dona do ambiente. Segundo a informação recebida, ela estaria cuidando da garota até que aparecesse algum familiar, mas como uma experiente mulher na vida noturna dos prostíbulos.
Rute percebeu de imediato a verdadeira intenção da dona do ambiente para com a pobre infeliz, principalmente porque ela mesma foi vítima de situação semelhante, quando foi obrigada a viver num orfanato e sem parentes que a acolhessem foi violentada e obrigada a se prostituir por muito tempo num ambiente como aquele, para sobreviver.
Tendo seu corpo abusado dia e noite por homens de toda espécie e índoles, como una verdadeira escrava do sexo. Ao ver aquela menina sofrida e prestes a ser abusada sexualmente, sentiu reacender no peito a revolta que pensava já ter superado no decorrer dos anos e decidiu ajudá-la a fugir daquele antro de prostituição, antes que fosse tarde demais.
Naquela mesma noite, após fazer sua apresentação no palco, a cantora pediu encarecidamente a Noêmia, responsável pela administração do lugar, que lhe permitisse conhecer a garotinha linda que avistou num dos quartos ao passar pelo corredor. Tratando-se de alguém importante para o ambiente não lhe foi negado o pedido e logo estava a conversar com a menina. Claro que a curiosa “mão de ferro” permaneceu próxima das duas para ficar a par da conversa.
Mas, Rute foi insistente para que ela lhe deixasse a sós, alegando que nenhum mal faria a garota e que estava apenas querendo lhe dá um pouco de atenção, pois sentia saudades da filha com a mesma idade de quem estava distante e sem vê-la a muitos meses. A história sem fundamentos, pois nem filha alguma tinha, deu certo e elas puderam conversar sem interferências:
― Qual seu nome, querida? ―
Sou Walquíria
— Como você veio parar nesse puteiro imundo, menina, quem te trouxe para esse lugar maldito?
— É uma longa história, senhora
— Não se preocupe com isso, tempo é o que mais tenho de sobra para ouvi-la, me conte tudo
—Vim parar aqui por acaso, eu fugia de casa após acontecer uma grande desgraça
— Como assim, uma desgraça, o que aconteceu?
— Eu não conheci meus verdadeiros pais, fui criada como adotiva de um casal que me acolheram, quando fui deixada recém-nascida na porta de sua casa. Minha mãe sentia profundo amor por mim e me criou como uma filha de sangue.
Porém, o esposo dela era um viciado, que também tinha acolhido ela ainda jovem, quando vagava pelas ruas, pois também não conheceu seus pais. Na verdade, foi isso que fez ela me acolher, nossas histórias eram semelhantes
— Eram? Por que você usou o termo no passado?
— Minha mãe está morta, senhora, aquele assassino a matou!
— Nossa Senhora, coitadinha de você, e como aconteceu isso? Me explique!
— Foi ontem, eu acabava de voltar da escola e me deparei com os dois discutindo.
Isso era normal entre eles, viviam brigando e ele a espancava bastante. Mas, desta vez, a agressão foi além dos limites e ele a espancou com um pedaço de madeira, minha mãe caiu desmaiada e eu perdi a cabeça… Ela levanta-se e anda em direção a porta do quarto, onde as duas encontravam-se a conversar, e conclui:
― Então eu o matei! Cravei uma faca no peito daquele maldito, e o matei, senhora, eu matei aquele monstro!
Rute, percebendo a angústia que dominava o coração despedaçado daquela adolescente vai ao encontro dela e tenta confortá-la com um forte abraço.
― Pobre menina, que Deus tenha compaixão de você! Tenha calma, tudo vai se resolver, tudo vai ficar bem, confie em mim. Mas, antes tenho que tirar você daqui, está correndo riscos de vida nessa casa!
— Como assim, não entendo, Dona Maria dos Anjos parece boa pessoa e acho que pretende me ajudar
— Mas que inocência a sua, minha querida.
Acha mesmo que uma cobra venenosa como esta, que ganha a vida explorando pobres mulheres desafortunadas teria um só segundo de dignidade para lhe prestar qualquer tipo de ajuda, que não fosse vender sua pureza aos coronéis destas terras?
— Desculpe, não estou conseguindo entender suas palavras
— Quantos anos você tem? ― Quinze, completos!
— Como pode, nessa idade, ser tão ingênua
— Não sou ingênua!
— Claro que é, além da conta!
— Simplesmente não entendo porque está tão preocupada, fui acolhida nesta casa por pessoas que decidiram me ajudar, com certeza Dona Maria irá me levar até Bragança, onde mora uma amiga de minha mãe
— Está certo, e ela vai perder a chance de ganhar bastante dinheiro, negociando a sua virgindade para os ricaços fazendeiros desta região? faz ideia de quanto isso vale por aqui, garota?
— Como entende tanto disso?
— Acorda, mocinha, você não é a única que não conheceu os pais e teve que ralar na vida para sobreviver
— Também foi adotada por uma família?
— Pior que isso, me jogaram como um lixo qualquer na porta de um orfanato. Depois, quando completei dez anos e após viver como um animal de cargas, fazendo todo tipo de serviços pesados naquele inferno, a madre superior decidiu ganhar um bom dinheiro me vendendo pros coronéis.
E depois de ser usada fui jogada nas ruas, onde para não morrer de fome e ter um teto para morar, tive que passar muito tempo vivendo num prostíbulo como este, sujeitando-me a todo tipo se abusos sexuais de homens que por serem ricos podem fazer o que bem querem de uma mulher desamparada como eu e você. Ao ouvir as declarações de da nova amiga passou a levar mais a sério seus avisos quanto ao risco que estava correndo ali, e demonstrou-se interessada no que ela teria para lhe propor.
― Se acha mesmo que estou correndo este risco, neste caso, o que faremos, senhora?
— Vamos fugir amanhã pela madrugada. Depois de minha última apresentação vou me recolher aos meus aposentos.
Você precisa encontrar um jeito de esconder-se na floresta antes do movimento no bar encerrar, como não fica trancada no quarto essa parte lhe será fácil fazer
— Está bem, farei como diz, estarei lhe aguardando lá
— Fique na direção onde estão localizados os currais dos animais
— Mas não sei onde ficam
— Dê um jeito de descobri, disse que não era ingênua!
Com isso findou a conversa e Rute retirou-se para seus aposentos. A curiosidade de Noêmia era tanta que mesmo de longe observava tudo. Ao ver que as duas haviam terminado a palestra, seguiu as pressas para contar as novidades para a patroa.
— E foi assim, patroa, elas ficaram conversando por um bom tempo no quarto da menina
— Mas, porque será que Rute teria tanto interesse nesta garota?
— Sei não, patroa, mas achei isso muito esquisito
— Sem dúvida alguma isso é mesmo muito estranho. Fique de olho nestas duas, Noêmia, precisamos estar alertas para qualquer surpresa desagradável para nossos negócios, afinal, já mandei avisar ao coronel Santiago e seria terrível para minha influência que ao chegar aqui eu não pudesse cumprir com o prometido
— O que a senhora está temendo que aconteça, que ela possa levar a menina daqui?
— Ela que ouse fazer isso, essa cantora de cabaré não sabe do que sou capaz de fazer contra quem mete o nariz nos meus negócios!
— Então, pode deixar patroa, ficarei de olhos bem abertos nas duas, qualquer coisa virei correndo lhe avisar!
Na manhã seguinte tomou as devidas providências de localizar os currais dos animais, como lhe havia solicitado a amiga, afim de que as duas pudessem encontrarem-se logo mais na madrugada. Tendo feito isso e escolhido o local exato onde deveria estar no momento da fuga o ideal agora seria voltar para a casa e aguardar a hora adequada para se evadir dali sem que ninguém percebesse e ocultar-se até que Rute fosse ao seu encontro. Entretanto, a asquerosa Noêmia estava atenta aos movimentos da menina e achou estranho seu interesse em andar próximo as cocheiras onde eram guardados os cavalos. Ainda na casa, ela permaneceu na cozinha, ajudando Rosa a preparar os alimentos para o almoço da mesma forma fez no início da noite durante o jantar. Neste interim, Rute limitou-se a não ter qualquer contato com a garota para não levantar qualquer suspeita em relação ao plano traçado pelas duas. Era meia noite de sábado e o prostíbulo como sempre se encontrava lotado de pe
Na manhã seguinte partiram na esperança de chegarem ao destino antes do meio dia, porém João Miro mudou os planos e alertou as duas passageiras que deveria antes entregar a carga que transportava no caminhão numa fazenda próxima e somente depois prosseguiriam viagem. Sem desconfiar das más intenções do infame traidor concordaram plenamente com a decisão do motorista, afinal, já teria sido uma grande gentileza dar-lhes carona sem nada pedi em troca. Na verdade, mal sabiam o que planejavam seus inimigos. Chegando a tal fazenda, foram recebidos por vários homens, todos muito bem armados, e levados para dentro de uma casa grande e luxuosa. Às mulheres ficaram desconfiadas da maneira como se deu a recepção, pois o que sabiam era de estarem ali para deixar uma carga. E não para serem recebidas daquela forma. Nas dependências do imenso casarão existiam diversos móveis feitos em madeiras de lei, tudo de primeiríssima qualidade e bem lustrados. No teto, forrado de gesso
Depois do terrível episódio, onde foi obrigada a presenciar a covarde morte de sua única amiga e após alguns dias de tolerância dada por Santiago para restabelecer-se do que passou lhe foi dada a permissão para andar livremente pela casa sem uma vigilância muito ortodoxa. No entanto, sob o olhar atento da mulher com aparência de homem que seguia seus passos de longe, sem sufocá-la. Um semblante triste pairava no seu rosto e o olhar sem brilho ou qualquer emoção deixava claro para quem a observasse que interiormente estava apagada. Como uma morta viva, faltava-lhe motivações para sentir prazer em viver. Por muitos meses foi abusada sexualmente pelo insensível Coronel, que tinha nas mãos o poder de fazer o que bem entendesse, visto que era um homem extremamente rico e ninguém seria estúpido para contradizer suas decisões. Seu filho mais novo, Carlos Eduardo, gerado num dos vários relacionamentos desfeitos era diferente do pai, mas sua covardia o impedia de contra
Naquela mesma noite os dois encontraram-se naquele local da propriedade, exatamente como haviam combinado, na hora que acontecia o jantar dos funcionários da fazenda. Como a casa era espaçosa e cheia de cômodos era fácil se ocultar nela sem que alguém percebesse sua ausência, além do que era costume não descer a qualquer uma das salas se o Coronel estivesse viajando a negócios e seus observadores relaxavam na vigilância. Acreditavam que sendo noite a menina não ousaria tentar fugir naquela escuridão sem conhecer bem a região. Aquele era o momento exato para tentar uma fuga, contando com a parceria de Carlos Eduardo que mesmo acovardado seria de grande valia, pois cresceu naquelas terras e as conhecia muito bem. Mostrando-se competente, o medroso rapaz providenciou duas montarias para escaparem, que se encontravam escondidos a pelo menos um quilômetro de onde estavam. Após ter certeza de que o caminho estaria realmente livre para seguirem viagem, partiram o mais breve
epois de serem apreendidos pelos policiais corruptos a delegacia em Castanhal e entregues a seus inimigos os dois amigos foram levados de volta à fazenda de onde fugiram dias antes. Enquanto ela foi trancafiada no seu quarto sob forte vigilância, Carlos Eduardo foi grandemente espancado por ordens de Santiago e em seguida lançado num porão escuro e cheio de ratos, amarrado pés e mãos, para que morresse aos poucos, sem alimentar-se e contaminado com as doenças transmitidas pelos roedores. Durante vários dias Walquíria permaneceu presa dentro de seus aposentos sem receber qualquer visita, nem mesmo do Coronel, para que pudesse ter notícias do amigo. Sua alimentação lhe era entregue por uma pequena passagem localizada por baixo da porta e ao gritar para que alguém a ouvisse e lhe prestasse ajuda, a resposta era um total silêncio. Ouvia passos no corredor, mas pareciam ser de fantasmas que nunca respondiam a seus clamores, as janelas fechadas e o teto forrado de ge
Amanheceu e percebia-se um grande alvoroço na fazenda, com os empregados correndo de um lado para o outro, matavam-se bezerros, organizava-se a casa, espalhavam-se muitas mesas e cadeiras por todo o grande terreiro da propriedade, bebidas, muitas frutas e comidas diversas eram preparadas na espaçosa cozinha... Ela apenas observava tudo por trás do vidro escuro da janela do quarto de horrores onde vivia trancada como um animal enjaulado, aguardando o dia da matança. Completava naquele domingo de primavera mais um ano de vida, aqueles preparativos eram para a festa que aconteceria em sua homenagem. Cinicamente o Coronel decidiu comemorar seus dezesseis anos e trazer vários de seus convidados para conhecer aquela que dizia ser sua “sobrinha”, filha de uma irmã distante. Mentira que era confirmada pelos subalternos, que não correriam o risco de perder a vida caso falassem o contrário. Somente os amigos mais próximos dele, igualmente pedófilos, sabiam a verdade. Por
Maurício, apesar de ainda muito moço, era o responsável por todas as propriedades agrícolas do pai que depois de alcançar certa idade decidiu aproveitar os anos de sua velhice divertindo-se na prostituição com meninas, um costume característico dos coronéis daquela época. Filho único de um casal de imigrantes espanhóis, morava sozinho com o pai viúvo, na grande mansão construída numa das dezenas de fazendas que possuíam no Sul do Estado paraense. Até o dia anterior não passava de um jovem milionário, criador de gados, dono de mais terras que qualquer outro na região, bem mais que o Coronel Santiago. O mesmo maldito pedófilo que o tinha convidado para o aniversário daquela que disse ser sua sobrinha. Desde o dia em que teve aquele inesquecível encontro com aquela mulher encantadora nunca mais conseguiu tirá-la de seus pensamentos. Em algumas ocasiões a vontade de voltar a vê-la era tanta que chegou a querer criar situações que lhe permitissem retornar ao lugar o
Os dois amigos passaram vários dias preparando um minucioso plano para libertar a jovem que a muito tempo vivia como prisioneira do temido Coronel e o principal cuidado no planejamento era evitar que ele pudesse voltar a repetir a façanha anterior, quando, além de capturar os dois fugitivos ainda teve a chance de executar Eduardo de formar horrível. Aumentando ainda mais o domínio sobre seus subalternos e o respeito de seus aliados sobre seu nome, que já era bastante temido por toda a região. Após concluírem os pormenores da ação passaram a colocar em prática suas teorias. Antônio reuniu cerca de cem homens que atuavam como pistoleiros de aluguel. Eram jagunços demitidos de fazendas que faliram ou não precisavam mais de seus serviços e decidiram viver prestando serviços de pistolagem a quem os contratassem. Durante a reunião foram orientados do objetivo central da missão e deram o preço que acharam justo pelo trabalho a ser prestado, pediram um altíssimo valor.