Era uma manhã fria de inverno, quando ouviu-se bater à porta. Adelaide, uma mulher com mais de quarenta anos, visivelmente sofrida na aparência desgastada pelo tempo, devido a vida difícil que levava ao lado do esposo viciado em drogas e de quem constantemente sofria agressões, abriu a porta, deparando-se com um pequeno cesto e nele uma linda criança envolvida em lençóis rotos e sujos. O choro daquela minúscula vida comoveu-lhe a alma, enchendo seu coração angustiado de alegria, pois trazia em si o desejo de ser mãe.
O que infelizmente nunca lhe foi possível alcançar, devido um aborto involuntário sofrido após ter sido barbaramente espancada pelo companheiro. Sem refletir bem sobre que decisão tomar naquele momento, levou a criança para o interior da casa e providenciou-lhe um banho, envolvendo-a em lençóis limpos para mantê-la aquecida.
Porém, a fome que atormentava a pequena menina de pele clara e olhos azuis lhe fazia chorar incansavelmente, o que despertou no eufórico Luís Damásio a ira de silenciá-la a qualquer custo. O homem, possuído pelos efeitos da droga que diariamente consumia irritou-se ao perceber que havia uma criança em sua casa e agiu de forma violenta com sua companheira que a protegia:
— Mas que diabos de choradeira infernal é essa nesta casa, de onde veio essa criança, afinal?
— Acalme-se, homem, deixaram a pobre criança hoje cedo em frente de nossa casa e eu a acolhi, o que queria que eu fizesse, deixasse a pobrezinha morrer de fome e frio lá fora?
— Pouco me importa o que poderia ou não ter feito, apenas sei que não à quero aqui, dê um jeito de se livrar dela!
— Não farei nada disso, a menina é minha agora e irei adotá-la, será a filha que por sua causa eu nunca pude ter!
— Mulher, ficou louca em querer me confrontar, esqueceu com quem está falando, sua vadia?
Com grande ira ele atinge-lhe o rosto com os punhos cerrados e a mulher cai sobre um dos velhos móveis da sala, batendo a cabeça e sangrando bastante, mesmo assim ainda leva vários chutes e pontapés sob a violência do drogado que parecia sentir prazer naquilo que fazia. Porém, como das outras vezes, depois de espanca-la trancava-se no quarto e ela iria cuidar dos ferimentos sofridos na surra dada pelo agressor.
Possuía marcas de espancamentos por todo o corpo, durante vários anos suportava calada aquela situação. Era uma mulher sozinha no mundo, foi amparada por Damásio ainda bem jovem, quando vivia perambulando pelas ruas, sem direção e sobrevivendo como pedinte. Sentia-se grata a ele pelo teto onde podia morar e chamar de lar, apesar das constantes violências sofridas. Mas, agora parecia ter encontrado razões para reagir.
Aquela criança surgiu no momento exato em que precisava mudar o rumo das coisas. Parecia ter chegado a hora certa de dá um novo sentido à sua vida, tentar ser feliz. Enquanto Luís Damásio dormia, Adelaide foi até a cidade e comprou todo o enxoval necessário para o conforto daquela criança que agora seria sua tão sonhada filha.
Mesmo não possuindo nas veias seu sangue receberia o mesmo amor que daria a uma gerada em seu ventre, dedicaria a ela toda a atenção possível e se esforçaria para que crescesse e se tornasse uma grande mulher, o que ela jamais conseguiu ser. Nem que isso significasse maior dor e sofrimento ao lado do homem com quem vivia. Como a casa onde morava ficava distante do centro urbano, não possuía vizinhos que pudessem presenciar as agressões sofridas pelo companheiro.
Trabalhava como diarista nas residências dos mais ricos e com isso lhe era possível manter o sustento, já que do parceiro nada podia esperar, pois vivia grande parte do tempo embriagado ou drogado. Aliás, esta era uma das razões pelas quais ele queria mantê-la sempre por perto, assim não precisava trabalhar e ainda tirava dela o dinheiro necessário para manter seus vícios.
No decorrer dos meses ela levava a pequena Walquíria para o trabalho e aos poucos todos passaram a conhecê-la. Sua extrema beleza conquistava até os mais refinados que cuidaram em providenciar a documentação necessários para a adoção definitiva da criança, aquela minúscula vida que foi colocada propositalmente na porta da casa de Adelaide. Agora com a idade de quinze anos, teve sua infância marcada por contemplar inúmeras violências e agressões contra aquela que lhe amparou como filha.
Por parte do infame companheiro que constantemente a espancava. Cresceu, guardando no peito a mágoa de ter que ver e suportar inerte tamanha covardia sem nada poder fazer para ajudá-la. Porém, com o passar do tempo percebeu que havia crescido, não era mais uma criança indefesa e que poderia fazer algo para ajudar sua mãe, o que foi um grande erro de sua parte. Certo dia Damásio decidiu espancar Adelaide por algo banal, estava totalmente dominado pelas drogas e terminou por acertar-lhe a cabeça com um pedaço de madeira, ela caiu desacordada.
E a menina, dominada pelo ódio, partiu para cima do agressor com uma faca afiada que encontrou na cozinha ferindo-o gravemente. Ao vê-lo caído no chão da sala agonizante e meio a uma quantidade enorme de sangue, ficou desesperada e fugiu. Seguiu sem destino pela mata que cercava a velha casa de madeira, passando o riacho de águas cristalinas onde diversas vezes tomara banho e lavou roupas com sua querida mãe, que agora parecia está morta.
Foi vítima daquele monstro em quem havia cravado uma faca com ódio profundo, a tragédia vivida pela linda adolescente de cabelos longos e olhos azuis ocorria na Primavera. Quando a natureza sorria e brotavam nos campos as mais belas flores. Exalando seus perfumes que eram levados pelos ventos e percebidos à distância, porém a fugitiva nem se dava conta do que havia ao redor.
Apenas corria assustada, tentando esconder-se de possíveis perseguidores que certamente iriam acusá-la pelo crime cometido contra seus pais adotivo. Os pensamentos que preenchiam sua mente logo se tornariam terríveis verdades, ela seria mesmo acusada de assassiná-los, assim, decidiu fugir antes de ser apanhada.
Procurava evitar o severo castigo pelo que acabava de fazer e sequer imaginava o duro preço que teria de pagar no futuro incerto que lhe aguardava. Pois não importa quem seja nosso adversário e nem as causas que nos levam a tirar-lhe a vida, derramar sangue de alguém é roubar-lhe o direito de viver e isto nos faz querer ser como Deus, o único com direito de encerrar a existência humana, condenando-nos a ter que prestar contas deste ato até que sejamos considerados livres de tal dívida, depois de muita dor e sofrimentos.
O caminho que seguiu após o bárbaro crime cometido contra o pai adotivo dentro de sua própria casa, ao tentar evitar que ele continuasse a espancar violentamente sua mãe era incerto. A menina fugiu pela floresta sem rumo. Durante a fuga perguntava-se sobre o que teria de fato acontecido com Damásio, indagava em seus pensamentos se ele estaria mesmo morto ou sobrevivido ao esfaqueamento no peito. A densa floresta que seguiu depois de deixar a estrada por onde esteve caminhando por várias horas, para evitar que fosse facilmente localizada por aqueles que porventura viessem ao seu encalço., era escura e fria, apesar de ainda ser dia e o sol está com seus raios a queimar a pele. Era um caminhar como se estivesse andando às cegas, tanto pela escuridão que se formava a cada passo dado para o interior da mata, como pelo fato de desconhecer inteiramente o lugar. Só era possível ouvir o cântico dos insetos e de corujas que ali era noite permanente, parecia que nunca
Depois daquela densa floresta havia um pequeno vilarejo, onde habitavam pessoas de má índole que sua mãe sempre advertida para que se mantivesse distante. Eram prostíbulos, onde viviam homens e mulheres escravizados pelo álcool e na prostituição. Mas não tinha outra solução que não fosse a de ir lá e tentar conseguir alguma ajuda, afinal, estava faminta, suja e precisando descansar da longa jornada. A casa vista ao longe era diferente das que costumava ver nas vezes que esteve na cidade, totalmente feita de madeira, com um salão amplo cheio de mesas e cadeiras, além de um enorme balcão. Por detrás a prateleira cheia de muitas garrafas de bebidas fortes. A casa estava estranhamente vazia e sem nenhuma pessoa por perto. A porta era bem larga e estava aberta, a passos lentos e cautelosos entrou no lugar bem iluminado por lampiões, um tipo de lâmpadas caseiras, que funcionava a base de gás, geralmente usado nos locais onde não há energia elétrica. Destemida passou a anda
Na manhã seguinte chegou no bordel uma nova meretriz, seu nome era Rute. Jovem, linda e bastante delicada, veio da capital a convite da Madame na pretensão de animar o recinto e fazer novos espetáculos, visto que era uma cantora das melhores boates paraenses. Ao ver a adolescente num dos quartos da casa, quando passava aos aposentos que lhe foi reservado. Admirou-se do fato de uma criança estar ali e indagou para aquela que a acompanhava se a menina era filha da patroa. Sabendo de imediato que se tratava de uma desvalida que apareceu por lá de repente, sendo acolhida pela dona do ambiente. Segundo a informação recebida, ela estaria cuidando da garota até que aparecesse algum familiar, mas como uma experiente mulher na vida noturna dos prostíbulos. Rute percebeu de imediato a verdadeira intenção da dona do ambiente para com a pobre infeliz, principalmente porque ela mesma foi vítima de situação semelhante, quando foi obrigada a viver num orfanato e sem par
Na manhã seguinte tomou as devidas providências de localizar os currais dos animais, como lhe havia solicitado a amiga, afim de que as duas pudessem encontrarem-se logo mais na madrugada. Tendo feito isso e escolhido o local exato onde deveria estar no momento da fuga o ideal agora seria voltar para a casa e aguardar a hora adequada para se evadir dali sem que ninguém percebesse e ocultar-se até que Rute fosse ao seu encontro. Entretanto, a asquerosa Noêmia estava atenta aos movimentos da menina e achou estranho seu interesse em andar próximo as cocheiras onde eram guardados os cavalos. Ainda na casa, ela permaneceu na cozinha, ajudando Rosa a preparar os alimentos para o almoço da mesma forma fez no início da noite durante o jantar. Neste interim, Rute limitou-se a não ter qualquer contato com a garota para não levantar qualquer suspeita em relação ao plano traçado pelas duas. Era meia noite de sábado e o prostíbulo como sempre se encontrava lotado de pe
Na manhã seguinte partiram na esperança de chegarem ao destino antes do meio dia, porém João Miro mudou os planos e alertou as duas passageiras que deveria antes entregar a carga que transportava no caminhão numa fazenda próxima e somente depois prosseguiriam viagem. Sem desconfiar das más intenções do infame traidor concordaram plenamente com a decisão do motorista, afinal, já teria sido uma grande gentileza dar-lhes carona sem nada pedi em troca. Na verdade, mal sabiam o que planejavam seus inimigos. Chegando a tal fazenda, foram recebidos por vários homens, todos muito bem armados, e levados para dentro de uma casa grande e luxuosa. Às mulheres ficaram desconfiadas da maneira como se deu a recepção, pois o que sabiam era de estarem ali para deixar uma carga. E não para serem recebidas daquela forma. Nas dependências do imenso casarão existiam diversos móveis feitos em madeiras de lei, tudo de primeiríssima qualidade e bem lustrados. No teto, forrado de gesso
Depois do terrível episódio, onde foi obrigada a presenciar a covarde morte de sua única amiga e após alguns dias de tolerância dada por Santiago para restabelecer-se do que passou lhe foi dada a permissão para andar livremente pela casa sem uma vigilância muito ortodoxa. No entanto, sob o olhar atento da mulher com aparência de homem que seguia seus passos de longe, sem sufocá-la. Um semblante triste pairava no seu rosto e o olhar sem brilho ou qualquer emoção deixava claro para quem a observasse que interiormente estava apagada. Como uma morta viva, faltava-lhe motivações para sentir prazer em viver. Por muitos meses foi abusada sexualmente pelo insensível Coronel, que tinha nas mãos o poder de fazer o que bem entendesse, visto que era um homem extremamente rico e ninguém seria estúpido para contradizer suas decisões. Seu filho mais novo, Carlos Eduardo, gerado num dos vários relacionamentos desfeitos era diferente do pai, mas sua covardia o impedia de contra
Naquela mesma noite os dois encontraram-se naquele local da propriedade, exatamente como haviam combinado, na hora que acontecia o jantar dos funcionários da fazenda. Como a casa era espaçosa e cheia de cômodos era fácil se ocultar nela sem que alguém percebesse sua ausência, além do que era costume não descer a qualquer uma das salas se o Coronel estivesse viajando a negócios e seus observadores relaxavam na vigilância. Acreditavam que sendo noite a menina não ousaria tentar fugir naquela escuridão sem conhecer bem a região. Aquele era o momento exato para tentar uma fuga, contando com a parceria de Carlos Eduardo que mesmo acovardado seria de grande valia, pois cresceu naquelas terras e as conhecia muito bem. Mostrando-se competente, o medroso rapaz providenciou duas montarias para escaparem, que se encontravam escondidos a pelo menos um quilômetro de onde estavam. Após ter certeza de que o caminho estaria realmente livre para seguirem viagem, partiram o mais breve
epois de serem apreendidos pelos policiais corruptos a delegacia em Castanhal e entregues a seus inimigos os dois amigos foram levados de volta à fazenda de onde fugiram dias antes. Enquanto ela foi trancafiada no seu quarto sob forte vigilância, Carlos Eduardo foi grandemente espancado por ordens de Santiago e em seguida lançado num porão escuro e cheio de ratos, amarrado pés e mãos, para que morresse aos poucos, sem alimentar-se e contaminado com as doenças transmitidas pelos roedores. Durante vários dias Walquíria permaneceu presa dentro de seus aposentos sem receber qualquer visita, nem mesmo do Coronel, para que pudesse ter notícias do amigo. Sua alimentação lhe era entregue por uma pequena passagem localizada por baixo da porta e ao gritar para que alguém a ouvisse e lhe prestasse ajuda, a resposta era um total silêncio. Ouvia passos no corredor, mas pareciam ser de fantasmas que nunca respondiam a seus clamores, as janelas fechadas e o teto forrado de ge