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Vingança
Vingança
Por: ABDENAL CARVALHO
Capítulo 1 - Infância

Era uma manhã fria de inverno, quando ouviu-se bater à porta. Adelaide, uma mulher com mais de quarenta anos, visivelmente sofrida na aparência desgastada pelo tempo, devido a vida difícil que levava ao lado do esposo viciado em drogas e de quem constantemente sofria agressões, abriu a porta, deparando-se com um pequeno cesto e nele uma linda criança envolvida em lençóis rotos e sujos. O choro daquela minúscula vida comoveu-lhe a alma, enchendo seu coração angustiado de alegria, pois trazia em si o desejo de ser mãe.

 O que infelizmente nunca lhe foi possível alcançar, devido um aborto involuntário sofrido após ter sido barbaramente espancada pelo companheiro. Sem refletir bem sobre que decisão tomar naquele momento, levou a criança para o interior da casa e providenciou-lhe um banho, envolvendo-a em lençóis limpos para mantê-la aquecida. 

Porém, a fome que atormentava a pequena menina de pele clara e olhos azuis lhe fazia chorar incansavelmente, o que despertou no eufórico Luís Damásio a ira de silenciá-la a qualquer custo. O homem, possuído pelos efeitos da droga que diariamente consumia irritou-se ao perceber que havia uma criança em sua casa e agiu de forma violenta com sua companheira que a protegia:

    — Mas que diabos de choradeira infernal é essa nesta casa, de onde veio essa criança, afinal?

    — Acalme-se, homem, deixaram a pobre criança hoje cedo em frente de nossa casa e eu a acolhi, o que queria que eu fizesse, deixasse a pobrezinha morrer de fome e frio lá fora?

    — Pouco me importa o que poderia ou não ter feito, apenas sei que não à quero aqui, dê um jeito de se livrar dela!

    — Não farei nada disso, a menina é minha agora e irei adotá-la, será a filha que por sua causa eu nunca pude ter!

     — Mulher, ficou louca em querer me confrontar, esqueceu com quem está falando, sua vadia?

Com grande ira ele atinge-lhe o rosto com os punhos cerrados e a mulher cai sobre um dos velhos móveis da sala, batendo a cabeça e sangrando bastante, mesmo assim ainda leva vários chutes e pontapés sob a violência do drogado que parecia sentir prazer naquilo que fazia. Porém, como das outras vezes, depois de espanca-la trancava-se no quarto e ela iria cuidar dos ferimentos sofridos na surra dada pelo agressor.

Possuía marcas de espancamentos por todo o corpo, durante vários anos suportava calada aquela situação. Era uma mulher sozinha no mundo, foi amparada por Damásio ainda bem jovem, quando vivia perambulando pelas ruas, sem direção e sobrevivendo como pedinte. Sentia-se grata a ele pelo teto onde podia morar e chamar de lar, apesar das constantes violências sofridas. Mas, agora parecia ter encontrado razões para reagir.

 Aquela criança surgiu no momento exato em que precisava mudar o rumo das coisas. Parecia ter chegado a hora certa de dá um novo sentido à sua vida, tentar ser feliz. Enquanto Luís Damásio dormia, Adelaide foi até a cidade e comprou todo o enxoval necessário para o conforto daquela criança que agora seria sua tão sonhada filha.

 Mesmo não possuindo nas veias seu sangue receberia o mesmo amor que daria a uma gerada em seu ventre, dedicaria a ela toda a atenção possível e se esforçaria para que crescesse e se tornasse uma grande mulher, o que ela jamais conseguiu ser. Nem que isso significasse maior dor e sofrimento ao lado do homem com quem vivia.  Como a casa onde morava ficava distante do centro urbano, não possuía vizinhos que pudessem presenciar as agressões sofridas pelo companheiro.

 Trabalhava como diarista nas residências dos mais ricos e com isso lhe era possível manter o sustento, já que do parceiro nada podia esperar, pois vivia grande parte do tempo embriagado ou drogado. Aliás, esta era uma das razões pelas quais ele queria mantê-la sempre por perto, assim não precisava trabalhar e ainda tirava dela o dinheiro necessário para manter seus vícios.

 No decorrer dos meses ela levava a pequena Walquíria para o trabalho e aos poucos todos passaram a conhecê-la. Sua extrema beleza conquistava até os mais refinados que cuidaram em providenciar a documentação necessários para a adoção definitiva da criança, aquela minúscula vida que foi colocada propositalmente na porta da casa de Adelaide. Agora com a idade de quinze anos, teve sua infância marcada por contemplar inúmeras violências e agressões contra aquela que lhe amparou como filha.

 Por parte do infame companheiro que constantemente a espancava.  Cresceu, guardando no peito a mágoa de ter que ver e suportar inerte tamanha covardia sem nada poder fazer para ajudá-la. Porém, com o passar do tempo percebeu que havia crescido, não era mais uma criança indefesa e que poderia fazer algo para ajudar sua mãe, o que foi um grande erro de sua parte. Certo dia Damásio decidiu espancar Adelaide por algo banal, estava totalmente dominado pelas drogas e terminou por acertar-lhe a cabeça com um pedaço de madeira, ela caiu desacordada.

  E a menina, dominada pelo ódio, partiu para cima do agressor com uma faca afiada que encontrou na cozinha ferindo-o gravemente. Ao vê-lo caído no chão da sala agonizante e meio a uma quantidade enorme de sangue, ficou desesperada e fugiu.  Seguiu sem destino pela mata que cercava a velha casa de madeira, passando o riacho de águas cristalinas onde diversas vezes tomara banho e lavou roupas com sua querida mãe, que agora parecia está morta.

Foi vítima daquele monstro em quem havia cravado uma faca com ódio profundo, a tragédia vivida pela linda adolescente de cabelos longos e olhos azuis ocorria na Primavera. Quando a natureza sorria e brotavam nos campos as mais belas flores. Exalando seus perfumes que eram levados pelos ventos e percebidos à distância, porém a fugitiva nem se dava conta do que havia ao redor.

Apenas corria assustada, tentando esconder-se de possíveis perseguidores que certamente iriam acusá-la pelo crime cometido contra seus pais adotivo. Os pensamentos que preenchiam sua mente logo se tornariam terríveis verdades, ela seria mesmo acusada de assassiná-los, assim, decidiu fugir antes de ser apanhada.

Procurava evitar o severo castigo pelo que acabava de fazer e sequer imaginava o duro preço que teria de pagar no futuro incerto que lhe aguardava. Pois não importa quem seja nosso adversário e nem as causas que nos levam a tirar-lhe a vida, derramar sangue de alguém é roubar-lhe o direito de viver e isto nos faz querer ser como Deus, o único com direito de encerrar a existência humana, condenando-nos a ter que prestar contas deste ato até que sejamos considerados livres de tal dívida, depois de muita dor e sofrimentos.  

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