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1. DOURADA COMO O SOL

Grécia antiga, milhares de anos antes de Cristo

O corpo dela se arrastava pela beirada do penhasco. 

Por um minuto ela não teve forças para continuar, não queria. Na verdade, ela apenas queria morrer ali. 

Reviveu as últimas horas e lágrimas escorriam por seu rosto. Seu corpo doía de tantas maneiras, que ela não conseguia sequer pensar. As violações cometidas contra ela, eram tão grotescas que não conseguia contabilizar em seus pensamentos, ainda mais por quem haviam sido feitas. Por algum tempo ela se permitiu chorar.

Atrás dela, a ilha mítica pegava fogo em caos e destruição. Como ela havia sido destruída. De tantas formas, que agonizava em pequenos soluços de desespero.

Mas, poderia suportar, alguns metros. Só mais um pouquinho, repetia em sua mente. Ela então tocou a beira do precipício que se abria para o mar Egeu. O corpo deixava uma trilha de sangue para trás, porém pouco se importava. Ela queria somente acabar com aquilo de uma vez. Nada na vida valia a pena agora. Tudo fora tirado dela de um jeito que era inominável. 

Em um último impulso de força, com o pouco poder sobrenatural que lhe restava, jogou-se para o mar. Fechou os olhos e esperou a morte vir buscá-la. Só que diferente do que ela pensava, quando as ondas furiosas a abraçaram, um tipo de ser diferente apareceu e ela sabia quem era, antes mesmo que conseguisse abrir os olhos em meio a escuridão daquela água.

Por que você fez isso? a voz sombriamente calma, sussurrou através dos redemoinhos de água que tocavam seu rosto. 

Sua mente ainda estava completamente clara, lúcida e sem precisar abrir os lábios, ele absorveu seus pensamentos mais rápido do que se tivesse dito. E ela sentiu a fúria devastadora que tomava conta dele. 

Eu vou tomar cada alma que te tocou, vou matar um por um daqueles que um dia amei, para vingá-la, meu amor. Como minha consorte, lhe tornarei minha igual, com um pedaço de minha alma e você viverá para sempre, como a minha deusa do mar. 

Ela abriu os olhos e o que viu, mudaria completamente a existência dela pelos próximos milênios. O feixe de luz incandescente se tornava cada vez maior e mais denso naquela escuridão do mar. As chamas bruxuleantes de um fogo dourado a tocou, fazendo com que gritasse.   

- Te vi de longe… Achei que talvez quisesse companhia e vi que estava aborrecida. - ela comentou tentando prolongar algum assunto.

Ela abriu um sorriso de lado, tentando ser gentil e senti minha pele se arrepiando. E vi que ela esperava uma resposta, se eu não respondesse ela iria embora. 

- Bem, eu… estou tirando alguns… dias… De folga, muito estresse. A vida não tem sido fácil. - falei, ajeitando o cabelo e fechando dessa vez a boca. 

Ela passou a mão pelo cabelo e seu rosto ainda era feroz, mas os olhos suaves e simpáticos. 

- Eu entendo perfeitamente. - ela se sentou na areia quente e cruzou as pernas. - O mundo às vezes se torna completamente estranho. 

Seu sorriso dessa vez foi mais amplo e ela parecia brilhar, não havia como descrever de outra forma, naquele sol intenso do meio da tarde. Algo nela me atraía, como se ela me lembrasse de alguém ou alguma coisa, mas que no fundo eu não lembrava. Afinal, eu jamais esqueceria um rosto como aquele. 

Nós estávamos sozinhas naquela parte da praia, onde ainda fazia parte do hotel beira mar. Olhei ao nosso redor e não parecia que nem mesmo na areia ela havia deixado seus passos. Sequer havia visto de onde ela vinha. Voltei meus olhos para os dela, e eles pareciam derretidos em mel. O arrepio desceu pela coluna e minhas mãos tremeram de leve. 

- Sou Hália. - ela coçou de leve a nuca, ainda tentando puxar assunto. 

Senti o rubor subindo por minhas bochechas.

- Me desculpe, sou Elescia. - estendi minha mão direita. 

Ela inclinou a cabeça e sorriu, como se estivesse feliz por eu finalmente parecer sã. Ela tocou minha mão com a sua e um calor emanou de nossas peles juntas. Dessa vez, senti cócegas como um formigamento no pé do estômago e abri um grande sorriso. Parecia um cavalo sorrindo, não deveria ser nada gentil, mas era o melhor que poderia fazer. Ela tinha tirado totalmente minha sanidade. E eu não sabia explicar como, nem por que. 

- Que nome… Diferente. - ela comentou, totalmente sorridente. 

Dei uma risada.

- Estranho, pode dizer. Minha mãe era escritora e editora. Conheceu os nomes mais terríveis e escolheu um para dar a mim. - brinquei. Se minha mãe ainda estivesse viva para me ouvir falando aquilo, me mataria. 

Ela deu de ombros. 

- Não acho que seja estranho. Apenas diferente. Coisas diferentes costumam ser muito interessantes. - ela disse e passou a língua pelos lábios.

Me vi olhando para sua boca e para seus olhos intensos. 

- Ah… É. Sim, acho que sim. Até porque o seu parece ser bem diferente também. - comentei.

Ela passou a língua novamente daquele mesmo jeito e ergueu as sobrancelhas. 

- Hum, no meu caso é arcaico e totalmente fora da modernidade. - ela disse em uma careta. - Mas, escolhas que fazem por nós, não é? Eu com certeza teria escolhido um nome muito mais simples e comum. Só que fazem tantas e tantas escolhas em nosso nome, quando não temos a chance de poder optar, que isso é terrível. 

Seu rosto ficou levemente sério e depois ela voltou ao sorriso leve.

- Você está descansando, então? - ela mudou de assunto.

Balancei a cabeça. 

- Diria que fugindo. - sorri, brincando. - Mas, decidi sim tirar um tempo para mim. Estava começando a enlouquecer com meus problemas. E você?

Ela balançou os ombros. 

- Acho que se for ver, sempre estive fugindo. Não tenho casa, nem lar fixo. Vivo viajando. Acho que sinto inveja de você por ter seus problemas, uma vida para lidar. 

Neguei com o rosto. 

- Você não iria querer ter a minha vida. Nem hoje nem nunca. - senti em mim o gosto amargo da vida. Não queria ser ingrata a qualquer divindade religiosa, mas não tinha sido fácil. - Queria eu viajar toda a vida, ser desprendida, conhecer pessoas, lugares, culturas. 

Hália sorriu, mas não chegou aos incríveis olhos cor de ouro antigo.

- Não é tão legal. Saiba que quem tem essa vida nômade sempre está fugindo de algo ou alguém. Mas, entenda eu amo a minha vida. Acho que se pensasse em toda a minha existência poderia ter sido pior. Muito pior. No entanto, conheci cada pequeno espaço deste planeta. Províncias, povos, culturas, músicas, comidas e mulheres. - ela riu e senti um pequeno puxão entre as pernas. 

Assenti ouvindo. 

- No meu caso estou fugindo de mim mesma. - observei. 

Ela concordou.

- Não falei? - ela soltou um sorriso deslumbrante. - E é o que? Problemas com o namorado?

Semicerrei os olhos.

- Como pode ter tanta certeza que é um homem? - perguntei, atrevida de repente. 

Ela riu e eu ainda mantinha um sorriso enorme. 

- Você não parece… Alguém que se envolveria com mulheres. - ela passou a pontinha da língua entre os lábios. 

Ela estava flertando comigo. Uma mulher! 

Completamente verdade o que ela estava dizendo. Uma editora tão sem graça, sem grandes experiências sexuais e menos ainda em aventuras… Mas, algo no que ela disse me atraiu. Eu nunca tinha me envolvido seriamente com uma mulher, ainda mais uma tão linda quanto aquela. E no fundo, não poderia negar a mim mesma que estava caidinha por ela. O que Mateo, meu melhor amigo gay, diria se estivesse aqui? 

Fisicamente, nunca achei que para se envolver com outras mulheres eu precisaria parecer masculina - o que era uma ideia completamente errada -, até porque casais de mulheres se envolviam por química, sentimentos e não suas vestes. E nem poderiam ser denominadas por tal coisa. E sim, eu era mais feminina. Delicada. Mas, isso não queria dizer que eu não me envolveria com ela… Jesus, sim? Ou era loucura?

Joguei meu cabelo escuro e longo para trás.

- O que te garante isso? - olhei profundamente em seus olhos.

Ela fez que sim, como se tivesse bancado a idiota. 

- Me desculpe. Você é incrivelmente linda. - ela me olhou, vagarosamente desde o topo de meus cabelos longos e pretos, a pele branca demais, por anos sem tomar sol, meus seios pequenos expostos pelo biquíni azul, minhas pernas nada chamativas, e percebi que se demorou mais entre minhas pernas. Sim, fiquei vermelha. - Não sei dizer o porque conclui aquilo. Posso estar errada. 

A deusa do Sol me chamando de linda?

- Pode. E acho que está. - falei, ainda sorrindo. Ela me deixava completamente descarada. E eu não era nenhum um pouco assim.

Ela se levantou abruptamente. 

- Tem uma festa hoje em uma parte da praia. É uma festa particular de alguns amigos meus. Você quer ir? Posso te encontrar aqui às nove. - ela deu de ombros. 

Por um momento, minha mente viajou.

Ela era muito linda, e nem um milhão de anos eu imaginaria que alguém como ela se interessasse por alguém como eu… E não sabia explicar de onde sentia aquela… Atração intensa por ela, como algo magnético. É tão clichê. E disso eu entendia. Trabalhava com isso todos os dias em livros, mas ver acontecendo era tão incrível. 

Respirei fundo. Eu não tinha nada a perder.

- Claro. Seria ótimo. - dei um sorriso nervoso.

Ela mordeu os lábios, seu rosto tão selvagem se iluminou. Ela pegou uma mecha que corria solta e colocou atrás de minha orelha. 

- Te vejo depois. 

Ergui as sobrancelhas surpresa. Minha pele enviava correntes pulsantes de choques por meu corpo. 

Experiências novas… Era isso que eu precisava. 

                                 Hália

Greta. Ela me lembrava Greta. 

Parada ao longe, estava entre muitas árvores, quando tinha avistado ela esbravejando com o celular e falando sozinha. Ela era o tipo exato de mulher com que eu me atraía. Mas, quando foi a última vez? 

Eu nem conseguia me lembrar. 

Nada durava o suficiente para ser eterno para mim e as mulheres com que me envolvia eram passageiras, como o tempo que passava inconstante e completamente tedioso. Mas, algo naquela mulher me fez sorrir. Ela tinha o jeito exato de minha melhor amiga tão antiga… Esta, morta há tempo demais para que eu me recordasse de seu rosto. Seria a maneira como ela levantou a sobrancelha? Mas, eu vi nos seus olhos a surpresa quando apareci. Eu tinha ideia do poder da aparência, vinha lutando em uma longa jornada, usando tudo que podia quando queria. Aparência era um desses recursos. Lutava pelas causas certas, mas na guerra e no amor, para mim valia tudo.

Mas, ver em seus olhos tão claros, não sabia definir se eram mais verdes ou castanhos ou uma mistura perfeita dos dois, o quão aquilo a abalou fez com que eu me sentisse vulnerável de um jeito que não me afetava há… Bem, uma vez só. Uma única vez alguém me fez sentir tão exposta, tão à mercê de suas ações ou de suas atitudes. E Elescia havia feito isso. 

Como uma presa atraída por seu caçador, me vi amarrada às suas falas, seus sorrisos, o jeito com que ela era tímida, inocente ao fato de ser uma mulher linda. A delicadeza dela era algo muito delicioso de ver. 

E obviamente eu não iria negar em conhecê-la, em ver de perto até onde chegava seus limites. 

Caminhei até uma parte do arquipélago e me sentei sob a areia quente. Eu queria passar um tempo sozinha, porque de algum jeito aquela doce menina tinha conseguido mexer comigo e despertado algo dentro de mim. Algo grandioso e que causava tremores dentro de meu peito. Me deitei, sentindo o sol aquecendo minha pele e então a água do mar, que estava próxima, facilmente se aninhou ao meu redor, fazendo com que as ondas molhassem meu corpo. Apenas onde eu estava deitada. Sentia falta de casa. Acho que Elescia me fazia lembrar da pequena ilha onde morei, há longas vidas atrás. 

- Você não pode fazer isso… - sussurrei com meus lábios em Greta. 

Ela olhou para os lados no beco escuro à noite. 

- Quem você acha que irá aparecer aqui? - seus lábios me beijaram com força. 

Fechei meus olhos e me deixei saborear aquela boca tão doce. Sentia as lágrimas escorrendo e agarrei sua nuca. Ela apertou minha cintura e girei nossos corpos, encostando o dela sob a parede gelada de pedras cinzas. Ela subiu sua mão para minha coxa, deslizando a ponta de seus dedos para dentro de minha túnica. Gemi em sua boca e desci meus lábios para seu pescoço, mordendo e lambendo tudo que eu conseguia. Ela respirou mais alto e abri com força seu decote, fechado pelos botões do vestido longo.

Foi quando deslizei na terra, como se tivesse sob areia movediça. 

Soltei Greta e olhei para seu rosto confuso, nós viramos e um trovão soou ao longe. O céu havia fechado e um relâmpago cortou o horizonte. 

À nossa frente a figura escura e sombria se erguia com um tridente. 

Coloquei Greta atrás de mim e a protegi da água que começou a inundar abruptamente ao nosso redor. 

A lembrança sumiu, mas fez com que eu me lembrasse de Greta, ela realmente era muito parecida com Elescia. Mas, diferente do meu antigo caso, Elescia me deixa inquieta. Como borboletas no estômago. Ri porque isso era muito estranho. 

Me levantei da areia molhada e minha túnica colava ao meu corpo. Peguei o tecido branco e transparente. Acho que ao longo de minha existência, eu não havia mudado muito meu estilo, mas achei que precisava. 

Andei até minha casa afastada ligeiramente da praia e comecei meus preparativos para a noite que viria. 

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