Da varanda do meu quarto no castelo de Caelum, observo o pequeno exército do reino de Syltirion se aproximar lentamente. O grupo de soldados que chega está visivelmente abatido. Suas armaduras, desgastadas pela batalha e pelo tempo, brilham apenas de maneira opaca, enquanto seus passos arrastados denunciam o cansaço e a falta de esperança.A energia que emana deles é sufocante, e meu peito aperta com a percepção amarga de que nossas chances de vencer Malakar, a entidade que ameaça consumir tudo, são quase inexistentes. Mesmo de longe, posso sentir o peso da derrota pairando sobre eles, como uma sombra implacável.Desço até a entrada do castelo, o som de meus passos ecoando pelos corredores silenciosos. Quando alcanço o saguão, Caelum já está lá, imponente como sempre. Seu olhar está fixo, determinado, mas há algo nos olhos dele que me atinge: uma compreensão silenciosa que ele nunca verbaliza, mas que está sempre presente.Nós trocamos um olhar breve, e por um instante, minha mente se
Eu me encaro no espelho, mas a imagem que vejo não parece minha. Estou vestindo uma armadura preta de couro, ajustada ao meu corpo como se tivesse sido moldada diretamente na minha pele. Não é pesada, como imaginei que seria. Pelo contrário, é surpreendentemente leve, flexível, permitindo movimentos que parecem naturais, quase como se fosse uma extensão de mim mesma. Ao lado da minha cintura, uma adaga está pendurada em um coldre elegante, mas funcional.“Esse uniforme é enfeitiçado,” explica Caelum, que está parado logo atrás de mim. Sua voz é grave, mas há uma estranha suavidade em seu tom quando fala comigo. “Se for necessário você se transformar em meio à batalha, o uniforme permanecerá intacto quando você volta a sua forma humana.”Ele se aproxima, sua presença tão imponente quanto tranquilizadora, e coloca uma mão firme, mas gentil, em meu ombro. O calor de seu toque atravessa o couro da armadura, como se tentasse me ancorar na realidade. Sinto a tensão nos dedos dele, a preocup
Corro em direção ao lugar onde Caelum ficou, do lado de fora do castelo. Cada passo é um desafio contra o caos que me cerca. O som da batalha é ensurdecedor, uma cacofonia de gritos, rugidos e o clangor metálico das espadas. O cheiro de sangue e queimado paira no ar pesado, tornando cada respiração um esforço. A paisagem é uma visão de pesadelo: corpos caídos, pedaços de rocha do castelo desmoronando ao nosso redor.Assim que saio do castelo, meu olhar se fixa na cena à frente. Caelum e Alexander estão travando uma batalha brutal. Alexander, o homem que eu conhecia, o meu marido, está irreconhecível. Ele não é mais o mesmo; Malakar tomou o controle completo do seu corpo, e agora é um espectro distorcido do homem que ele era.Os cabelos castanhos claros de Alexander estão completamente escuros, como se absorvessem a luz ao redor. Seus olhos, antes um azul profundo e acolhedor, brilham com um vermelho intenso, como rubis incandescentes. Mas o pior é o rosto dele. Linhas espessas e verme
Observo a cena paralisado, incapaz de desviar o olhar do sofrimento diante de mim. Aria está ajoelhada sobre o corpo imóvel de Alexander, os braços apertando-o como se sua força pudesse trazê-lo de volta à vida. Seus soluços ecoam pelo ar, cravando-se na minha alma como tiros. Ela chora de forma histérica, cada lamento carregado de uma dor tão profunda que parece reverberar pelo campo devastado ao nosso redor.O caos que dominava o campo de batalha começa a desaparecer lentamente. Criaturas malignas evaporam em sombras, desaparecendo no ar com uivos estridentes, como se o próprio universo as estivesse puxando de volta para o vazio do qual vieram. Malakar foi enviado de volta ao reino proibido, e a escuridão que o acompanhava começa a ceder lugar a uma tênue luz cinzenta.Apesar dos gritos de vitória que explodem ao meu redor, celebrando o fim do tormento, meu foco permanece inabalável na cena à minha frente. Não consigo ouvir nada além dos soluços de Aria e do som abafado das batidas
A sala de jantar está iluminada por velas delicadamente posicionadas sobre a longa mesa de carvalho.Elowen, com seus cachos dourados reluzindo sob a luz, levanta os olhos curiosos do prato para me encarar. Sua voz doce quebra o silêncio.“A mamãe não vai vir jantar com a gente?” Elowen pergunta curiosa.Eu e Lyra trocamos olhares rápidos, cúmplices e preocupados, acima da mesa. Tento encontrar a resposta certa, algo que alivie sua preocupação sem expor completamente o peso da situação.“Não, minha princesa. Ela está cansada, talvez amanhã…” Digo com suavidade, inclinando-me ligeiramente para que minha voz alcance Elowen como um sussurro reconfortante.Elowen parece aceitar a resposta com um aceno de cabeça leve, voltando a focar em seu prato. Para ela e Thorne, a guerra e a perda de Alexander parecem ser apenas eventos distantes, como um sonho ruim que já começou a se desvanecer na memória. A compreensão deles sobre a morte ainda é superficial, quase inocente. Eles sentiram a ausênc
O consultório é pequeno, com paredes brancas que refletem a luz fria e impessoal das lâmpadas fluorescentes. Aria está deitada em uma maca coberta por um lençol de papel, que estala suavemente sob o peso dela. A barriga está exposta, a pele parda contrastando com o ambiente estéril ao redor. Sua expressão é estoica, mas seus olhos trazem um cansaço profundo.Os exames de sangue confirmam a gravidez rapidamente. Seis semanas. A notícia é como um choque elétrico no meu sistema. Sinto um turbilhão de emoções — empolgação, surpresa, talvez até um pouco de medo — tudo misturado e difícil de processar. Tento conter a felicidade, consciente de que o bebê não é meu, mas não consigo evitar. Um sorriso involuntário brota no meu rosto.Aria, por outro lado, permanece inexpressiva. Seus olhos se fixam em algum ponto distante, como se estivesse presa em seus próprios pensamentos. Ela não reage, não sorri, nem demonstra qualquer vestígio de alegria. Isso me corta, mas eu sei que o tempo dela é dife
“O que vocês querem de presente de aniversário?” pergunto para os gêmeos assim que eles chegam da escola.Os olhos deles, idênticos na forma, mas com personalidades tão diferentes, brilham em uníssono com a pergunta. Eles trocam olhares cúmplices e, antes mesmo de articular uma resposta, abrem um sorriso idêntico e gritam juntos:“UM DRAGÃO!”A empolgação na voz deles é tão intensa que quase me convence de que isso é uma possibilidade real. Aria e eu não conseguimos conter o riso. Sua risada é um som leve e contagiante, como se uma brisa quente tivesse atravessado a sala. Ela está sentada em sua cadeira de balanço favorita, o tecido do moletom que veste se estica suavemente sobre a curva proeminente de sua barriga de sete meses de gestação. O bebê mexe de vez em quando, como se estivesse respondendo ao caos controlado que sempre parece cercar nossa família.O brilho que antes havia nela tem voltado a cada dia, aos poucos. Os pesadelos diminuíram, agora consigo contar nos dedos as noi
Acordo com alguém me chamando, a voz carregada de urgência e as mãos quentes balançando meu ombro com insistência. É Aria. O quarto está mergulhado na penumbra da madrugada, com apenas o luar tímido atravessando as cortinas entreabertas, iluminando seu rosto tenso e marcado pela dor.“Caelum… o bebê está vindo!” A voz dela sai trêmula, ofegante, como se cada palavra fosse uma luta. “A minha bolsa estourou.”Num instante, minha mente desperta por completo, o sono abandonado como se nunca tivesse existido. Levanto em um salto para fora da cama, o coração disparado como se estivesse prestes a entrar em uma batalha. Minha primeira reação é ajudá-la a sentar-se na poltrona próxima, as mãos segurando seus braços com cuidado, embora minha mente esteja em alerta absoluto, cada fibra do meu ser se concentrando na segurança dela e do bebê.“As contrações estão vindo de quanto em quanto tempo?” pergunto, tentando manter a voz calma, mas o tom denuncia minha preocupação.Aria está ainda usando a