POV Miguel
Acordo mais uma vez de um pesadelo na madrugada, sento de pressa e dou uma olhada no despertador na mesa de cabeceira.— Mas que droga! Ainda são só 04:30! — bato na cama, frustrado, observo o teto do quarto de madeira, pensando quando essa tortura vai acabar.Levanto-me, desistindo de tentar recuperar o sono, e, vou em direção ao banheiro tomar um banho para clarear as ideias. Ligo a ducha na água gelada, e entro, penso naquele trágico acidente em que acabei de sonhar. Dou um murro com força nos ladrilhos das paredes, sinto a dor nos nós dos meus dedos, e fecho os olhos com força.Abro o boxe e saio, pego uma toalha e envolvo em volta da cintura. Volto ao meu quarto e entro na porta ao lado, onde é o meu closet. Vasculho os cabides por alguns minutos, e, pego uma camiseta social de botões branca, um colete na cor grafite, um blazer e uma calças de linho em cores pretas.Fecho a porta do closet e olho o horário novamente, são 05:20, olho meu quarto escuro e sinto um vazio no meu peito, balanço a cabeça, dou as costas para tudo isso e saio do quarto, fechando a porta. O corredor está deserto e silencioso, caminho em direção as escadas, desço o primeiro degrau, e estaco, volto para trás e viro à esquina, paro em frente de uma porta, abro ela devagar e vejo a criança dormindo, parecendo um anjo, meu filho.Entro devagar, me aproximo de Fábio e sento no fim da cama, observo o quarto infantil que planejei para ele, parece que passou eras desde aquela época. Aquela foto em ainda está no criado mudo, foi um tempo feliz, antes de tudo desmoronar. Tiro minha atenção disso, e, volto a olhar para meu filho, sorrio, apesar de tudo, é ele que me mantém em pé e de cabeça erguida.Chego mais dele e acaricio seus cabelos sedosos, tão parecido comigo… e com os olhos dela. Retiro a mão delicadamente, ajeito o cobertor em seus ombro e me levanto, caminho para a porta, olho por cima do ombro uma última vez e saio do local.Volto às escadas e dessa vez desço até o fim, caminho até a cozinha e preparo um café na cafeteira, ligo a torradeira e aguardo alguns segundos, com tudo pronto me sento à mesa e começo a comer o café da manhã, olho em volta e vejo a cozinha totalmente limpa e até brilhando, roberta realmente não decepciona em nada.— Pensando nisso, hoje é o dia em que a nova babá, sobrinha da Roberta, vem. — Comento para mim mesmo em voz alta. — Melhor eu ir organizar o contrato e os outros papéis que me esperam.Levanto, vou de novo a cafeteira, encho minha xícara e ando até meu escritório, abro a porta e me sento em minha mesa, bebo um gole do café enquanto organizo as folhas e ligo meu computador. Trabalho por algum tempo em cláusulas de contratos do meu negócio e depois termino de redigir o contrato de experiência da nova babá, me levanto, indo em direção as prateleiras e retiro alguns livros para referências.Focado no trabalho, não vejo o tempo passar, quando finalmente olho pro relógio na parede percebo que o tempo literalmente voou.— Meu Deus já são 7:30! — Jogo minha cabeça para trás e passo os dedos em meus cabelos. Olho para o teto e fecho os olhos, me permito respirar e descansar um pouco.Espreguiço-me e levanto da cadeira de couro, ando até as grandes janelas e observo avista magnífica da minha casa, grama verde com gotas de orvalho, árvores variadas cheias de frutas e flores, uma grande piscina com água cristalina e um parquinho com alguns brinquedos para Fábio brincar. Realmente, foi uma boa ideia me mudar para essa casa.Perdido em pensamentos, não escuto baterem na porta, na segunda batida volto a mim e presto atenção, peço que entrem e uma mulher passa pela porta. Linda. Ela tem cabelos lisos castanhos como madeira, olhos também castanhos, mas esses parecem chocolates, me tentando para experimentá-los, uma estatura pequena e frágil, muito fofa.Foco, deixo essas coisas de lado e indico para que ela se sente, me apresento, se passam alguns segundos até ela notar que falo com ela, ela fala seu nome, Simone, um nome simples, mas muito bonito. Depois disso, conversamos sobre suas responsabilidades e trabalhos, ela é uma moça realmente simpática, a observo sem que ela perceba, o sorriso dela é encantador e brilhante.Levanto-me rapidamente tentando tirar esses pensamentos da cabeça, com nossa conversa terminada a acompanho até a sala de estar, andamos algum tempo em um silêncio confortável até lá. Chegamos até lá e me despeço, olho uma última vez para ela, pego minha maleta, caminho em direção a saída.Vou até à garagem com todos os meus carros, acabo escolhendo um esportivo prateado, abro a porta e coloco o cinto de segurança, ligo a ignição do carro e olho para trás para dar a ré, começo a dirigir em direção ao grande portão de entrada que vai se abrindo automaticamente. Saio para a rua e vou deslizando com o carro pela cidade, paro no farol de trânsito e aguardo o tempo de espera. Observo o cenário ao meu redor, vários carros soltando fumaça e quando dou por mim penso nela, em seus olhos de chocolate e seu jeitinho doce de ser.Minha imaginação corre solta, já me vejo estando perto dela e sentindo seu perfume de rosas, seus lábios estando a centímetros dos meus, quando… Dou um pulo ouvindo as buzinas estridentes, rapidamente arranco o carro do semáforo e saio dali, pensar nela dirigindo não é uma boa ideia.Depois de alguns minutos, chego a minha empresa, e coloco o carro no estacionamento, entro na grande construção de metal e vidro, e caminho em direção do elevador. As pessoas ao meu redor como sempre me observam, suspiro cansado, elas só veem o rico dono da empresa e esperam a chance de conseguir uma casquinha de tudo isso.Aperto o botão para o último andar e as portas se fecham, me observo no espelho enquanto os andares vão subindo, relembro meu fracassado casamento e meu fracassado divórcio, a única coisa boa de toda aquela confusão foi o Fábio.Patrícia e eu éramos namorados de infância, um compromisso arranjado pelos nossos pais para duplicar a riqueza de ambas as famílias, no começo era um relacionamento comum, mas frio, sem sentimentos fortes da parte de nenhum dos dois. Conforme fomos entrando na adolescência, nosso relacionamento ficou mais especial, ou pelo menos eu achava isso.Participávamos sempre de eventos e bailes da alta sociedade, todos já sabiam que um dia iríamos nos casar, éramos o casal ideal e invejados por todos, ricos, bonitos e muito apaixonados. Tudo ia indo na mesma, terminamos o ensino médio, oficializamos o noivado com uma festa de arromba e eu estava apaixonado por ela, mesmo ela não estando por mim, achei que pelo menos Patrícia iria tentar gostar de mim com o tempo, mas estava redondamente enganado.Nossos pais combinaram de fazer nosso casamento depois que terminássemos a faculdade, e foi assim, 4 anos de estudo, muita farra com bebidas e um relacionamento fracassado em que só eu amava e assim, meu martírio começou.Nos casamos em uma manhã ensolarada, foi uma cerimônia enorme e grandiosa como a sociedade julga correta, milhares de convidados em uma igreja com vários ornamentos em ouro e a festa estava ricamente decorada em tons nudes, uma banda famosa tocava ao vivo e nas mesas com toalhas de linho estava um bufê ornamentado demais para o meu gosto.Depois das longas horas de festa, nos despedimos dos convidados e fomos a um hotel para nossa lua de mel, a suíte era belíssima, confortável e maravilhosa para um casal recém-casado. Mas Patrícia não parecia notar nada disso, apenas ficou em silêncio e aguardou eu me aproximar dela.Naquela noite, consumamos o casamento, mas não foi muito agradável para ambos, foi mais como uma obrigação para ela e muito desconfortável para mim, como sempre, pensei que com o tempo iríamos nos soltar e aproveitar o casamento, mas não foi o que aconteceu.Não toquei mais nela, nas três semanas de lua de mel, e ela não reclamou e nem perguntou sobre, apenas curtimos o hotel como se estivéssemos de férias entre amigos, apesar de tudo, foi um período em que pude relaxar, sem as pressões da família por perfeição.Depois que a lua de mel acabou, fomos para um apartamento que nossos pais nos deram de presente de casamento e a vida de casal oficialmente começou. Fora semanas turbulentas, com mudanças, e até nos acostumarmos com tudo ao redor, foi bem estressante.Finalmente, tivemos uma conversa séria sobre o que esperávamos daquele relacionamento. Conversamos muito e ela falou que não gostava de mim como eu gostava dela, foi pressionada pelos pais para aceitar o casamento e que sentia muito por tudo o que estava acontecendo, e por ter me arrastado para tudo aquilo.Naquele momento, senti como se meu coração tivesse se partido, claro que, esperava algo assim dela depois de toda a frieza de todos esses anos, mas ela falando toda a verdade na minha cara, ainda doeu muito.Depois disso, meio que nos acertamos de vez, combinamos que ficaríamos juntos até termos um bebê, pelo bem da nossa família e para que não acontecesse nenhum escândalo envolvendo nossos nomes, infelizmente era assim que eu pensava na época, me deixava dominar sobre o que minha família e a sociedade pensariam de mim.POV MiguelVivemos assim por mais ou menos 1 ano, apenas cumpríamos o que esperavam da gente e como o casal perfeito, foi quando ela finalmente engravidou, todos à nossa volta ficaram felizes, eu incluindo, mas Patrícia parecia estar em choque e em desespero, tentei conversar com ela e ajudar, mas não fui muito bem recebido, ela parecia me culpar. Mais tarde descobri que ela tinha um amante, ela dizia ser o amor da vida dela, por isso não queria e não podia ter aquele filho.Consegui convencer ela de ter o filho por mim, eu queria e muito aquela criança, foram nove meses horríveis de convivência, a ajudei em tudo o que ela precisava e dava tudo o que queria, mas, era como se não bastasse, a gestação toda Patrícia estava distante e indiferente. Me sentia um lixo desprezível, fingíamos na frente de nossos pais e de outras pessoas que éramos uma família feliz e amorosa, mas, quando ficávamos a sós, cada um ia para o seu canto. Fábio nasceu numa madrugada muito chuvosa, o parto foi um pro
POV SimoneJá se passaram alguns dias desde que comecei a cuidar do anjinho Fábio, incrivelmente temos nos dado muito bem, pensei que demoraria um pouco para ele confiar em mim, mas, estava enganada, ele me aceitou muito mais rápido do que eu esperava possível. Temos uma convivência ótima e agradável, como ele não tem a mãe por perto, me parece que ele tem essa carência de atenção elevada, e como o pai trabalha mais do fica em casa, ele direcionou toda essa carência para mim, tento ao máximo possível suprir o amor e o carinho que ele precisa, mas, entendo às vezes em que ele fica um pouco triste, precisamos dos pais por perto, ainda mais quando se é apenas uma criança.Vou até à cozinha para pedir um lanche para Fábio, ele está assistindo alguns desenhos infantis na grande televisão de plasma da sala, aproveito e vou lá rapidinho.— Bom dia galera, como vocês estão? — Converso um pouco com minha tia e os outros funcionários da cozinha.— Tia Roberta, a senhora pode fazer um lanche para
POV MiguelNão sei o que deu em mim, sinceramente, nunca algo do tipo tinha acontecido, quando dei por mim, já tinha pedido para que Simone se sentasse e comesse conosco, a sua timidez e hesitação em aceitar o convite de primeira fizeram, com que eu insistisse mais do que devia. Quando ela por fim aceita e se senta ao lado de Fábio, um sorriso adorna meus lábios, de longe dá para perceber o carinho genuíno que ela tem pelo meu filho, diferente das outras babás que contratei, eram muito frias e cheias de regras, depois de alguns dias tinham que ser mandadas embora, porque Fábio não se enturmava e nem se acostumava com elas.Mas essa menina, não sei como conseguiu a proeza de conquistar meu filho, só de olhar nos olhos dá criança se percebe o carinho que ela nutre, meu coração se aperta quando penso nisso e evito olhar novamente para lá. Tento focar no jantar, sim, o jantar, tusso e chamo a atenção dos dois do outro lado.— Vocês podem começar a se servir, e senhorita Simone, fique a von
POV Miguel— Concordo, sim, senh... Miguel, está mais que certo, Fábio vai ser muito legal você tomar outro banho, você e seus brinquedos vão poder andar de novo no mar, não é incrível? — Ela olha para ele e fala cada palavra com uma empolgação palpável.Fascinado, observo Fábio acenar e concordar mais que prontamente com o que Simone fala, me parece que meu filho está tão encantado com a nova babá que concorda com tudo o que ela diz.— Meu Deus! O que seria de mim sem você aqui, para convencer essa criança, Simone? — Bato minhas palmas e exclamo em voz alta.— Que isso Miguel! Fábio é um amor, é só saber falar com ele, que tudo vai dar certo. — Corando Simone explica a situação e olha com carinho para direção de Fábio.— Fique tranquila Simone, estou apenas brincando, e, além disso, fico muito feliz que meu filho respeite você. — Olho para ela, enquanto falo.Nos encaramos depois disso, e como se um ímã nos atraísse, não consigo desgrudar meus olhos dela, tudo nela parece atrair meu o
POV SimoneEm choque, observo meu chefe se despedir e praticamente sair correndo para longe, o que foi isso? Chacoalho a cabeça, e, devido ir até à cozinha em busca de um copo de leite. Chegando lá, encontro minha tia, e peço para ela o copo de leite, estranho que ela começa a me encarar fixamente, parecendo em busca de respostas, me sento no banquinho da bancada e espero ela trazer a bebida, com mais alguns biscoitos.Começo a beber o leite morno e mordo um biscoito, incomodada ainda com seu olhar em mim, resolvo perguntar o que ela quer.— Tia Roberta, o que houve? Tem alguma coisa de errado? — Aflita, pergunto para ela.— Bem, minha filha, você sabe que em casa de rico as paredes têm olhos e ouvidos, não sabe? — Ela questiona me encarando com seriedade. — Fiquei sabendo que você jantou com o patrão e o menino Fábio, os empregados daqui já estão fofocando sobre isso.— Sim, o patrão acabou me convidando e eu aceitei, mas não aconteceu nada de mais tia, apenas jantei e ajudei o Fábio
POV Simone— Meu celular! Ainda bem que hoje me lembrei dele! — Volto correndo até o criado mudo e pego o aparelho, o colocando dentro da minha bolsa. Saio do meu quarto e vou até à sala de estar, já encontrando tia Roberta pronta e esperando por mim, chego ao seu lado e vamos para fora de casa, espero ela trancar a porta e vamos até o ponto de ônibus perto de casa. Chegando lá, nos sentamos e esperamos o ônibus certo por alguns minutos, ao longe vejo ele chegar e me levanto, puxando minha tia comigo, entramos nele e a viagem dura em torno de 20 minutos, o trânsito estava bom e graças a Deus não pegamos engarrafamentos. Descemos no ponto próximo à mansão e o restante do caminho vamos a pé, chegando perto do grande portão, nos aproximamos e minha tia toca o interfone identificando a nós duas, logo ele se abre e adentramos para o jardim da casa. Andamos até a porta dos fundos que dá para a cozinha e entramos, me despeço da minha tia e vou até às escadas, depois que as subo sigo o caminho
POV MiguelDepois daquela desastrosa despedida com Simone, não parei de pensar nela e no que eu quase fiz, se não tivesse me segurado no último minuto, não sei se teria forças para parar aquilo depois. A noite foi longa, fiquei me revirando na cama sem conseguir fechar os olhos, só conseguir um tempo de sono quando já eram altas horas da madrugada, quando o despertador me acorda, sinto que um trem passou por mim, o cansaço ocupa todo o meu corpo e mente, desistindo de continuar deitado, me levanto e vou até o banheiro jogar uma água no rosto, me olho no espelho e vejo as grandes orelhas em baixo de meus olhos, resignado bufo e pego a escova e o creme dental para escovar meus dentes.Gargarejo e enxáguo minha boca, tiro a toalha do gancho na parede e seco meu rosto, me observo no espelho novamente e passo a mão na região da minha bochecha, reparo que minha barba já começa a pinicar, e assim, me incomoda bastante, decido por fim a aparar e abro a segunda gaveta do gabinete da pia, dou um
POV SimoneO caminho para a mansão foi feito em um silêncio absoluto e desconfortável, Fábio ainda está no meu colo, com um olhar perdido , acaricio seus cabelos e o observo com preocupação, ele sempre foi um menino alegre, o que pode ter acontecido para ele ficar assim? Olho para a janela do carro, pensando em uma forma de ajudar o menino.O tempo passa e logo chegamos na vizinhança conhecida, entramos no portão da casa e o carro por fim para, espero o senhor Antônio abrir a porta para mim, e, com cuidado saio do automóvel, ajustando Fábio em meu colo e tomando cuidado para não bater a sua cabeça no teto do carro.Me despeço de seu Antônio e vou andando para dentro da casa, colocando minhas mãos em suas costas para firma-lo, me dirijo até a sala de estar e me sento no grande sofá fofo. – O que houve, meu amor? Me conta o que está acontecendo, por favor. – Seguro seu rosto e o encaro com carinho. – Eu preciso saber, para poder te ajudar.Ele me olha de volta, com os olhos começan