O dia amanheceu com neve. Já era de se esperar que a temperatura fosse baixa tão próximo ao final do ano. Mas a neve sempre me incomoda um pouco porque traz muita burocracia, preciso tirar a neve da entrada, trocar os pneus do meu carro… E se eu aparecer usando menos que duas camadas de roupa na rua, mesmo sem sentir frio, me chamam de maluca. Esses são os dias que sinto falta de Miami, do calor, do sol e da praia. Mesmo com o tempo assim, acordei às 5h30 da manhã e fui correr. E adivinha só? Escorreguei na neve e torci o pé. 6h30 da manhã estava no pronto socorro e agora às 8h estou chegando na Prefeitura usando uma bota ortopédica e sentindo dor cada vez que encosto o pé no chão.Como as muletas não foram necessárias porque foi só uma torção, ainda estou dirigindo e caminhando manca por aí. -O que aconteceu contigo Furacão? -Brenda pergunta assim que entro mancando no Hall de entrada da Prefeitura. -Escorreguei na neve quando estava correndo hoje pela manhã. Mas é só uma tor
Eu já não estava no meu melhor dia hoje. Logo cedo enfrentei as milhares de perguntas da minha família sobre o fim do noivado. Mas nenhum deles escondeu a satisfação de não ter mais a Giny como um membro da família. Então cheguei cedo à Prefeitura para conversar com Rain e tentar entender o que estava acontecendo. Mas a julgar pela cena que acabo de presenciar no corredor, ela só não quer falar COMIGO, com os outros está tudo bem.Vejo Robert colocá-la no chão com cuidado e a bota ortopédica no pé. -Oi Will, como você está? -ele estende a mão para mim e demoro um pouco mais que o convencional para estender a minha de volta. -Estou bem. Seguindo a vida. -respondo tentando fingir um carisma que não tenho no momento. Que bom. Eu vou indo. -ele se vira para Rain antes de sair. -Se precisar descer, ou de alguma coisa lá de baixo antes do elevador voltar, me avisa ok? Ela apenas assente e agradece pela ajuda. -Bom dia Willian. -diz enquanto me dá as costas e segue mancando em direção
Esse dia pode ficar pior? Eu duvido muito. Eu estou com raiva, com dor, com ódio, humilhada e muito arrependida. Como eu posso não ter aprendido ainda? Eu lembro de tudo que aconteceu nas vezes em que eu acreditei nos homens, não esqueci de nada, e mesmo assim eu sempre acho que vai ser diferente dessa vez. Estou a quase 10 minutos parada na porta do gabinete esperando Anne voltar para mim perguntar se posso entrar na sala quando a porta se abre. -Eu menina, o que faz parada aí? -o Prefeito pergunta abrindo a porta. -Podemos conversar? -pergunto séria. -Claro, entra. -diz abrindo espaço para que eu entre. -Parece sério. Sento em uma das cadeira em frente a mesa e ao invés de sentar no lugar dele, ele senta na outra ao meu lado, a puxando mais para perto de mim. -Você está bem Rain? -ele fala me olhando nos olhos. -Eu não estou. Mas essa não é a questão. -explico. -A questão é o que está acontecendo em Nova Iorque e Miami. As coisas estão complicadas, minha mãe está tentando
Descendo do carro, eu não precisava olhar duas vezes para saber que era ela. Aqueles olhos de gelo, os traços afiados, o cabelo impecavelmente preso em um coque que parecia mais uma coroa de espinhos. Minha mãe. Olivia Brennan.Ela estava parada na entrada da Prefeitura, vestida como se tivesse saído de uma reunião de negócios, mas com uma expressão que revelava que esta visita não era meramente social. Mesmo depois de tantos anos, a presença dela ainda conseguia apertar algo dentro de mim, algo que eu jurava ter matado.A dor no meu pé me trouxe de volta para a realidade. A bota ortopédica tornava cada passo uma lembrança do meu tombo na neve desta manhã, como se o universo quisesse me lembrar da minha fragilidade antes desse encontro.— Mamãe — soltei, sem emoção.— Rain — ela respondeu, com aquele sorriso educado, mas afiado o suficiente para cortar.Ela não me abraçou. Não perguntou como eu estava. Apenas me analisou, da cabeça aos pés, seu olhar repousando na bota ortopédica por
Eu estava furioso. Furioso comigo mesmo, com Rain, com a maneira como essa mulher bagunçava minha cabeça sem o menor esforço. Desde a nossa discussão mais cedo, minha mente estava uma tempestade de pensamentos desconexos. Eu não conseguia aceitar que ela simplesmente me descartasse como se nada entre nós tivesse acontecido. Como se Nova Iorque nunca tivesse existido. Como se eu fosse um qualquer.E agora tinha o Robert. Ela podia dizer o quanto quisesse que eram só amigos, que não havia mais nada entre eles, mas eu conhecia aquele olhar, aquele sorriso. O mesmo sorriso que ela me deu quando finalmente cedeu a mim. Eu sabia que não era da minha conta, que ela não me devia satisfações. Mas isso não tornava mais fácil aceitar.Por isso, fui até sua casa. Não sabia exatamente o que ia dizer, mas precisava vê-la. Precisava acabar com essa guerra dentro de mim.Foi quando vi uma mulher saindo da casa dela. Na casa dos 40, com postura elegante e um ar de superioridade. Nunca a tinha visto pe
Eu mandei Willian embora.A porta se fechou atrás dele e um silêncio pesado caiu sobre a casa. Meu peito subia e descia rapidamente, ainda tomada pela raiva da discussão. Eu não deveria ter cedido. Não deveria ter permitido aquele beijo. Mas, como sempre, Willian era uma tempestade em minha vida, bagunçando tudo, me fazendo esquecer qualquer lógica. O gosto dele ainda estava nos meus lábios, misturado com a frustração de tudo que tinha acontecido.Abracei meu próprio corpo e respirei fundo. Meus pensamentos voltaram para minha mãe. Ela apareceu depois de tantos anos, não para me ver, não para saber se eu estava bem, mas para tomar o que era meu. Para me processar pela herança do meu avô. A surpresa inicial havia se transformado em ódio puro. Como ela ousava? Depois de tudo o que ela permitiu que me acontecesse, depois de me deixar à mercê de um monstro, agora queria me arrancar aquilo que era meu por direito?Eu sabia que isso aconteceria em algum momento. Ela nunca se importou comigo
Cheguei cedo na Prefeitura. Mais cedo do que o necessário. O prédio ainda estava silencioso, sem o fluxo habitual de funcionários e visitantes. Me acomodei no meu escritório improvisado ao lado da sala de reuniões, mas não consegui focar em nada. Minha mente estava em um turbilhão desde a noite passada.Rain.Fechei os olhos e apertei a ponte do nariz, tentando afastar a lembrança da discussão. Nós sempre fomos como fogo e pólvora, mas daquela vez foi diferente. Havia algo quebrado nela, algo que eu não tinha percebido antes. Algo que, de alguma forma, fazia minha culpa crescer.Eu queria pedir desculpas. Mas mais do que isso, queria entender o que estava acontecendo.Quando o relógio passou das oito, saí do escritório e fiquei perto da recepção. Não demorou muito para vê-la chegar. Ela usava um sobretudo preto fechado até o pescoço, uma calça social escura e a bota ortopédica que ainda precisava usar por causa da torção. O rosto dela estava pálido, as olheiras mais fundas do que nunc
O silêncio na minha sala era quase reconfortante, interrompido apenas pelo som rítmico dos cliques no teclado e do leve zumbido do computador. O trabalho era a única coisa que me mantinha ocupada, impedindo que minha mente vagasse por lugares dos quais eu preferia manter distância. Editar vídeos e organizar fotos da última campanha municipal estava longe de ser a atividade mais emocionante do mundo, mas era melhor do que lidar com a bagunça emocional que insistia em me assombrar.Marcus tinha saído para acompanhar a equipe responsável pela construção do novo hospital e, sem ele por perto para me distrair, eu estava sozinha com meus pensamentos. Grande erro. Meus pensamentos ultimamente não tem sido bons comigo. Não consigo evitar, afinal, não consigo esquecer. Uma batida na porta me tirou da minha bolha de concentração. Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, a porta se abriu e Maya entrou com sua energia contagiante.— Rain! Você sumiu, mulher! — Ela sorriu, se jogando na cadeira