Me esforço para abrir os olhos, sentindo as pálpebras pesarem.
O teto com molduras brancas e as pequenas luzes deixam claro que não estou no galpão. Estou deitada sobre algo macio, tão macio que parece que estou sobre nuvens.
Será que morri e estou no céu?
Então as memórias da noite passada me acertam em cheio e ergo o corpo rapidamente.
Estou sobre uma cama com lençóis claros, então olho ao redor, tentando me levantar, mas sinto que meu corpo pesa uma tonelada, consigo me sentar e então percebo a ausência das minhas roupas.
Uma camiseta preta cobre meu corpo, então meu coração acelera e sinto vontade de vomitar. O desespero me invade e uso toda a força que me resta para me levantar.
Meus pés tocam um tapete macio e felpudo, passo as mãos pelo meu corpo, ignorando as dores, movida somente pelo medo de alguém ter me tocado enquanto eu estive desacordada.
Sinto o cheiro de jasmim, então percebo que vem de mim, eu estou limpa, não estou com minhas roupas porque tomei banho.
Eu não me lembro de tomar banho, eu fui limpa enquanto estava desacordada?
Por que eu não lembro de nada?
Não sinto dores nas partes íntimas, o que poderia trazer certo alívio, mas não traz.
Arfo, sentindo o peito doer.
— Apolo... — murmuro, cobrindo a boca com as mãos.
Por que ele não está aqui?
Olho ao redor e reparo que estou em um quarto grande, decorado com elementos modernos, não consigo deixar passar despercebido o escudo do Capitão América e o martelo do Thor na parede, compondo a decoração.
Dou alguns passos, sentindo minhas pernas tremerem, e me esforço para me manter de pé.
Meu alvo é a porta.
Minha garganta coça e começo a ter uma crise de tosse, sinto o perto doer e o ar se esvair dos meus pulmões, então eu berro.
— Apol...A-Apolo! — grito, tossindo em seguida, dou alguns passos para trás, me sentando sobre a cama.
A porta é aberta, e meu único e fiel amigo, entra, pulando sobre mim, lambendo meu rosto.
Fecho os olhos, sentindo um breve alívio.
— Está acordada? — ouço a voz feminina e viro o rosto em direção à porta, vendo a mesma moça de antes caminhar para perto de mim.
Me esforço para lembrar seu nome. Evelyn!
meu corpo tremer novamente.
— Sua febre passou. — Ela espalma uma das mãos sobre minha testa, até tento me afastar, mas o peso de Ares me impede. — Como está se sentindo? — pergunta.
Não quero responder, mesmo sentindo uma certa honestidade vinda dela.
Mary também parecia sincera.
— Onde estão minhas roupas? — pergunto, fechando a cara. — Por que estou usando isso? — Aponto para a camiseta preta que mais parece um vestido.
Ela afaga a cabeça de Ares, que aceita o carinho de bom grado.
— Você desmaiou e estava ardendo em febre, então resolvi te dar um banho frio, só para diminuir sua temperatura. — Sorri.
— Eu não me lembro...
— Você estava delirando por causa da febre...
Me sinto incomodada por não conseguir lembrar de nada, também por uma estranha ter me visto sem roupas, mas pelo menos foi somen... Arregalo os olhos ao me lembrar do homem.
Ele me viu sem roupa?
— Foi você quem me limpou? Só você? — pergunto, olhando para ela.
Ela sorri mais uma vez e seu sorriso é bonito, ela é toda muito bonita, seu rosto é pequeno e delicado, assim como sua boca, já os olhos castanhos são grandes e se destacam. Olhando-a agora, não acho que seja muito mais velha do que eu.
— Sim, somente eu, não precisa se preocupar, nenhum homem te viu sem suas roupas — responde.
— Ela está bem? — Olho em direção à porta, vendo o homem para ali, escorado no batente. Ele me disse o nome... Owen? Jose? Owen?
Noto o quanto ele é alto e, diferente de Evelyn, ele não usa a mesma roupa da qual me recordo, é só uma névoa de lembrança, mas acho que quando o encontrei na rua e depois, quando acordei naquele sofá, ele estava usando outra coisa.
Percebo que passei tempo demais o encarando e abaixo a cabeça.
— Como está se sentindo? — pergunta em sua voz grave e bonita.
— A febre passou, Owen — ela diz, voltando a espalmar a mão na minha testa.
Owen...Isso!
Quando sinto os dedos no meu rosto, jogo a cabeça para trás e me afasto da mulher.
— Eu estou bem — minto, respirando fundo e buscando forças para me levantar.
— Não, você não está. Fique sentadinha aí — fala e Ares volta a deitar sobre o meu colo. — Muito bem, garoto.
Agora meu cachorro obedecia a eles?
— Ares, levante-se, temos que ir — digo e ele dá um chorinho e Evelyn me olha com o cenho franzido, mas ignoro os dois. — Onde estão minhas roupas?
— Você não vai a lugar algum — a voz grave de Owen me faz tremer.
— Não fala assim, Owen, vai assustá-la. Não precisa se preocupar, nos só queremos ajudá-la.
— Não quero sua ajuda — respondo e aproveito quando Ares se levanta, fazendo o mesmo. — Me deixem ir embora, por favor — peço e Owen se aproxima, ficando ao lado de Evelyn.
Eles são namorados? E por que eu quero saber disso?
— Você não pode sair nesse estado — ele fala, cruzando os braços —, mal consegue ficar de pé.
Respiro fundo, sentindo meu estômago doer.
— Só me deixem ir embora, por favor...
— Não, você não vai sair daqui — ele insiste e o medo me invade, então tento dar alguns passos para o lado e me afastar.
— Você já pegou sua carteira, o que mais quer de mim? — pergunto, com medo da resposta.
— Eu só quero que fique bem — ele fala e olha para Evelyn.
— Só queremos ajudar — ela complementa e eu forço uma risada.
— Ninguém ajuda uma pessoa como eu sem querer nada em troca, e eu roubei o bonitão — Aponto para ele, sem me importar com minhas palavras —, então não banquem os bons samaritanos, porque eu não caio nessa. Vocês nem me conhecem!
— Então vamos começar do zero. — Ele endireita os ombros e me encara. — Sou Owen Pergatti — Estende a mão —, o bonitão de quem você roubou a carteira, e seu anfitrião. — Ergue a sobrancelha e sinto meu rosto queimar.
Ares desce da cama e pula nele, de um jeito para lá de amigável.
— E eu sou Evelyn Galvin, amiga do bonitão, caso não se lembre. Você pode nos dizer seu nome? — pede.
— O que vocês querem de mim? — pergunto, elevando a voz — Parem de dizer que querem me ajudar.
Sempre querem algo em troca, ninguém ajuda alguém como eu de graça.
— Mas é essa a verdade, estamos preocupados com você.
Tento respondê-la, mas uma crise de tosse me impede.
— Droga, Owen, ela está mal. — Evelyn segura minha cintura, fazendo com que eu me sente.
Eu não quero me sentar, quero pegar Ares e dar o fora daqui o mais rápido que conseguir, mas eu estou tão fraca.
— Fique tranquila, um médico vai vir vê-la e você vai ficar bem — Evelyn fala de um jeito doce. — Não sei pelo que você passou, só saiba que sinto muito e, por favor, confie na gente, nunca faríamos mal a você.
Eu queria acreditar nela, queria acreditar que eles eram boas pessoas.
Suspiro, olhando para Ares grudado no homem. Só falta ele gostar mais desse cara, que ele conhece a menos de um dia, e me abandonar.
— Talvez seja melhor você se deitar — ele fala, coçando o pescoço do meu cachorro.
— Onde está esse médico, Owen? A febre dela está voltando — Evelyn diz em um tom de voz repreensivo.
— Médica, é uma mulher, eu já disse — ele responde.
— Claro que é uma mulher... — ela resmunga.
— Você quer um pouco de água? — ele pergunta, olhando diretamente para mim.
Minha boca está seca e estou com muita sede, então assinto com a cabeça. Ele vai até uma das mesas de cabeceira, pega uma jarra que só agora noto que estava ali, enche um copo e me entrega.
Sorvo todo o líquido em único gole.
— Vai com calma! — Ele sorri, mostrando uma fileira de dentes perfeitos.
— Estela, meu nome é Estela...— digo, devolvendo o copo e aceitando que não posso sequer parar em pé e que, se eu sair desse jeito, corro mais risco.
Preciso esperar ter mais forças e, na primeira distração deles, ir embora daqui, levando Ares comigo.
— Estela, é um lindo nome. — Sorri e sinto um frio na barriga. Devia ser proibido alguém ser tão bonito assim.
Evelyn pigarreia e Owen olha o relógio em seu pulso.
— Ela chegou — diz, se virando e indo em direção à porta.
Ao menos Ares não o segue, só pula sobre a cama, se deitando ao meu lado.
— A médica chegou, Estela, você vai ficar bem.
Não iria mentir dizendo que eu estava bem. Sei que tem algo de errado comigo e ver um médico é uma escolha inteligente. Eu sou incapaz de cuidar de mim e de Ares assim, custando para parar em pé.
E só fingir que aceito a ajuda e não confiar. Não deve ser tão difícil.
Após alguns minutos, Owen entra no quarto acompanhado de uma moça morena, de olhos verde-claros e bonitos, com um semblante gentil, usando um vestido florido e segurando uma pequena maleta preta.
— Olá — ela diz, parecendo um pouco deslocada.
— Essa é Lucinda...
— Lucy — ela o corrige.
— Ela é médica e vai examiná-la...Estela — a forma como diz meu nome faz eu sentir aquele frio na barriga.
— Lucy Spinozam — Ela estende a mão para Evelyn.
— Evelyn — responde, apertando brevemente a mão da médica.
— Você é Estela, eu presumo. — Me estende a mão e não consigo corresponder de imediato.
Há muito tempo que não era cumprimentada de tal forma, então percebo que, depois de muito tempo, essa é a primeira vez que pessoas olham para mim sem uma expressão de nojo no rosto.
— Sim — respondo, segurando a mão delicada da mulher e soltando o mais rapidamente que consigo.
— Pensei que eu estava vindo atender uma criança, Owen — percebo uma certa ironia em sua voz, mas ele só dá de ombros e Evelyn o encara de forma repreensiva.
— Podem me dar licença? Preciso ficar a sós com a paciente — pede.
Owen— Você trouxe uma pediatra, Owen? Uma pediatra? Você é um idiota — Evelyn fala, vindo atrás de mim.— É uma médica, não é? — pergunto, me virando para ela.Quando Lucinda disse que era pediatra, eu menti que ela veria uma criança, mas ela é a única médica que conheço e parece ser uma pessoa de confiança, uma que não sairá falando aos quatro ventos que estou com uma garota doente em meu apartamento.A garota está pálida, pele e osso, e minha única preocupação é com a saúde dela, e mesmo não sendo uma criança, eu imaginava que Lucy não se recusaria a atendê-la.— E é a única que conhece? Pelo tanto de mulheres com quem transa, muito me espanta somente uma delas ser médica. — Revira os olhos.— Eu não saio perguntando a profissão de cada mulher com quem durmo, e não que seja da sua conta, mas eu não transei com a Lucy, a conheci em um evento de caridade. Qual o seu problema, Evelyn? — questiono.Ela não costuma ser tão ácida e mal-humorada.— Meu problema? Meu problema é você ter me
Owen Ela realmente estava preocupada com o bem-estar de Estela.Estou despreocupado com relação ao sigilo, sei que Lucinda é profissional demais para expor algo assim para qualquer pessoa, muito menos para a mídia.Entro na sala e Ares corre em minha direção, pulando em cima mim, então me abaixo e coço seu pelo.Olho ao redor, procurando por Evelyn, mas imagino que ela esteja na cozinha.Lembro da sopa e me apresso, com receio de ela ter passado do ponto, mas quando entro na cozinha, vejo Evelyn mexendo o líquido com a colher e apagando o fogo em seguida.— Está pronta. — Me aproximo, passando a mão pelos cabelos ainda mais desalinhado da minha amiga. — O que vamos fazer agora? — pergunta, cruzando os braços.Encaro minha amiga por um tempo, sem encontrar uma resposta concreta. Sinto as patas de Ares na minha perna e afago seu pelo ele me olha de um jeito engraçado.Acho que, assim como sua dona, ele também precisa de cuidados e, algo me diz que ele não tem as vacinas necessárias, e
Estela— Ei, acorde... Estela? — uma voz doce chama meu nome e, por um instante, acredito que tudo o que vivi nos últimos meses foi um pesadelo.Viro o corpo, abrindo os olhos lentamente, mas a teoria do pesadelo cai por terra quando vejo a mesma garota sorrindo de um jeito amigável para mim.Ela é gentil demais, sorridente demais.O remédio que a médica me deu diminuiu um pouco as dores que sinto no meu corpo, então consigo me mexer sem sentir que cada membro pesa uma tonelada, mas estou com tanto sono.Pneumonia, a médica não fez rodeios ao me diagnosticar.Eu sabia que tinha algo de errado comigo, a tosse, a falta de ar e a dor insuportável no corpo, também sabia que estava abaixo do peso, já que não estava tendo uma alimentação saudável nos últimos meses.Não é como se eu pudesse escolher o que eu comia, isso quando eu comia.A falta de uma alimentação saudável e nutritiva, somada às horas passadas debaixo de chuva, ficando exposta ao frio ou ao calor extremo... Tudo resultou no m
OwenEstou gostando mais do que deveria desse cachorro.Por que nunca tive um antes?Se tivesse adotado um filhote, com certeza eu seria mais responsável. Olho para Ares deitado em uma posição confortável no banco traseiro.Acabei demorando mais do que o planejado no petshop, mas não sabia que dar banho em cachorro demorava tanto, só que valeu a pena, ele está uma graça, todo limpinho.Comprei ração e petisco o suficiente para o carinha não reclamar, e brinquedos para ele gastar toda sua energia, já que sua dona precisa ficar em repouso absoluto.O veterinário deu todas as vacinas e descartou qualquer problema de saúde, o que me deixa menos preocupado.De doente já basta a dona dele.Evelyn me mataria se soubesse que pensei isso, aliás, ela vai me matar, porque não sei há quanto tempo estou fora de casa e, ainda por cima, não trouxe o celular.Comprei sanduíches no primeiro fast-food que encontrei no caminho de volta e todos os remédios que minha hóspede vai precisar.Eu tinha tantos
OwenCaio na gargalhada toda vez que lembro que a garota pensou que Evelyn fosse minha namorada, é tão absurdo e nojento que chega ser engraçado.Acho que ontem eu fiquei quase meia hora explicando para Estela que eu e Evelyn nunca tivemos nada, não que tivesse necessidade, mas não queria que ela acreditasse em algo tão absurdo.Ainda mais eu, que nunca tive um relacionamento sério. Rio, passando uma camada fina de maionese no pão.Já que estou sendo uma espécie de babá da minha hóspede hostil, estou fazendo o possível para mantê-la bem alimentada e entretida.Bom, a televisão a tem mantido entretida, já que não trocamos nenhuma palavra desde o momento em que expliquei o tipo de relacionamento que tenho com Evelyn.Ela ainda não confia em mim e não quero que fique desconfortável por causa da minha presença, e tudo o que quero é dar o mínimo de segurança e paz para aquela garota.Dormir no quarto de hóspedes é o menor dos meus problemas, até porque não vou tirá-la de lá só por caprich
OwenNão gosto de treinar depois do trabalho, mas o fato de eu ter acordado atrasado me impediu de treinar pela manhã e, como não abro mão dos meus treinos semanais, precisei ir depois de um dia ferrado na empresa.Só que nenhum treino fora da rotina teria me preparado para o que encontrei assim que abri a porta do meu apartamento e entrei na sala.Estela está deitada no chão, imagino que brincando com Ares, que vem correndo em minha direção, então ela levanta rápido e essa é a primeira vez que a vejo de pé desde que chegou.Meus olhos percorrem cada centímetro do seu corpo, coberto apenas por uma das minhas camisetas, uma visão que eu não deveria estar achando sexy, então engulo em seco, virando o rosto imediatamente.Sua imagem permanece em minha mente e é o suficiente para deixar meu pau duro.Preciso me concentrar e ignorar o fato de que estou excitado justo por uma visão tão simples, justo por alguém tão improvável.Isso é obsceno.Que merda está acontecendo comigo?Qual é? Isso
EstelaO orfanato não foi uma parte ruim da minha vida, mesmo que crescer sendo órfã não seja a coisa mais encantadora do mundo, mas não gosto quando me olham com aquela cara de “pobre órfãzinha”.Era a primeira vez que eu tinha falado sobre o orfanato depois de tanto tempo e, mesmo não tendo detalhado, as lembranças de Elisa vieram forte e senti muita saudade dela, de ouvi-la dizer que tudo ficaria bem, que sempre cuidaria de mim e das crianças.Me deu saudade dos pequenos também, e de como eles me deixavam maluca.Espero que todos estejam bem, em um lugar onde sejam bem cuidados, ou com uma família que possa enchê-los de amor.O jantar com Evelyn e Owen foi bom, há muito tempo que não sentava em uma mesa para ter refeições com outras pessoas. Owen é meio que um irmão mais velho para Evelyn, rio me lembrando das coisas que ela contou sobre ele.Owen é fofo, gentil e, toda vez que me olha, sinto um frio na barriga.Aperto os olhos, morrendo de vergonha da forma como estava quando ele
OwenGiro o cubo mágico resolvido entre os dedos, recosto na cadeira e coloco os pés sobre a mesa.Bocejo, apertando os olhos.Tive uma noite horrorosa, dormi no máximo duas horas porque estava me sentindo péssimo por Estela ter me visto enquanto eu fodia Dona no sofá na sala.Eu até sugeri que fôssemos para o quarto, mas Dona não quis e, depois de uma garrafa de vinho e muito tesão acumulado, não me preocupei com qualquer flagrante, na verdade, esqueci por um momento que Estela estava no meu quarto.Quando seus olhos assustados encontraram com os meus, por um instante eu fiquei sem reação. Eu deveria ter parado, deveria ter pedido para Dona ir embora, mas ao invés disso, eu continuei.E o pior de tudo foi fechar os olhos e ter a visão de Estela enquanto gozava.Me senti um merda depois e, para piorar, acabei sendo grosso com Dona, algo que não é do meu feitio. Posso ser um canalha, mas não esse tipo de canalha.Só que se Dona soubesse de Estela, não sei como poderia reagir, ou se aca