Capítulo 6

Estela

Me esforço para abrir os olhos, sentindo as pálpebras pesarem.

O teto com molduras brancas e as pequenas luzes deixam claro que não estou no galpão. Estou deitada sobre algo macio, tão macio que parece que estou sobre nuvens.

Será que morri e estou no céu?

Então as memórias da noite passada me acertam em cheio e ergo o corpo rapidamente.

Estou sobre uma cama com lençóis claros, então olho ao redor, tentando me levantar, mas sinto que meu corpo pesa uma tonelada, consigo me sentar e então percebo a ausência das minhas roupas.

Uma camiseta preta cobre meu corpo, então meu coração acelera e sinto vontade de vomitar. O desespero me invade e uso toda a força que me resta para me levantar.

Meus pés tocam um tapete macio e felpudo, passo as mãos pelo meu corpo, ignorando as dores, movida somente pelo medo de alguém ter me tocado enquanto eu estive desacordada.

Sinto o cheiro de jasmim, então percebo que vem de mim, eu estou limpa, não estou com minhas roupas porque tomei banho.

Eu não me lembro de tomar banho, eu fui limpa enquanto estava desacordada?

Por que eu não lembro de nada?

Não sinto dores nas partes íntimas, o que poderia trazer certo alívio, mas não traz.

Arfo, sentindo o peito doer.

— Apolo... — murmuro, cobrindo a boca com as mãos.

Por que ele não está aqui?

Olho ao redor e reparo que estou em um quarto grande, decorado com elementos modernos, não consigo deixar passar despercebido o escudo do Capitão América e o martelo do Thor na parede, compondo a decoração. 

Dou alguns passos, sentindo minhas pernas tremerem, e me esforço para me manter de pé.

Meu alvo é a porta.

Minha garganta coça e começo a ter uma crise de tosse, sinto o perto doer e o ar se esvair dos meus pulmões, então eu berro.

— Apol...A-Apolo! — grito, tossindo em seguida, dou alguns passos para trás, me sentando sobre a cama.

A porta é aberta, e meu único e fiel amigo, entra, pulando sobre mim, lambendo meu rosto.

Fecho os olhos, sentindo um breve alívio.

— Está acordada? — ouço a voz feminina e viro o rosto em direção à porta, vendo a mesma moça de antes caminhar para perto de mim.

Me esforço para lembrar seu nome. Evelyn!

 meu corpo tremer novamente.

— Sua febre passou. — Ela espalma uma das mãos sobre minha testa, até tento me afastar, mas o peso de Ares me impede. — Como está se sentindo? — pergunta.

Não quero responder, mesmo sentindo uma certa honestidade vinda dela.

Mary também parecia sincera.

— Onde estão minhas roupas? — pergunto, fechando a cara. — Por que estou usando isso? — Aponto para a camiseta preta que mais parece um vestido.

Ela afaga a cabeça de Ares, que aceita o carinho de bom grado.

— Você desmaiou e estava ardendo em febre, então resolvi te dar um banho frio, só para diminuir sua temperatura. — Sorri.

— Eu não me lembro...

— Você estava delirando por causa da febre...

Me sinto incomodada por não conseguir lembrar de nada, também por uma estranha ter me visto sem roupas, mas pelo menos foi somen... Arregalo os olhos ao me lembrar do homem.

Ele me viu sem roupa?

— Foi você quem me limpou? Só você? — pergunto, olhando para ela.

Ela sorri mais uma vez e seu sorriso é bonito, ela é toda muito bonita, seu rosto é pequeno e delicado, assim como sua boca, já os olhos castanhos são grandes e se destacam. Olhando-a agora, não acho que seja muito mais velha do que eu.

— Sim, somente eu, não precisa se preocupar, nenhum homem te viu sem suas roupas — responde.

— Ela está bem? — Olho em direção à porta, vendo o homem para ali, escorado no batente. Ele me disse o nome... Owen? Jose? Owen?

Noto o quanto ele é alto e, diferente de Evelyn, ele não usa a mesma roupa da qual me recordo, é só uma névoa de lembrança, mas acho que quando o encontrei na rua e depois, quando acordei naquele sofá, ele estava usando outra coisa.

Percebo que passei tempo demais o encarando e abaixo a cabeça.

— Como está se sentindo? — pergunta em sua voz grave e bonita.

— A febre passou, Owen — ela diz, voltando a espalmar a mão na minha testa.

Owen...Isso!

Quando sinto os dedos no meu rosto, jogo a cabeça para trás e me afasto da mulher.

— Eu estou bem — minto, respirando fundo e buscando forças para me levantar.

— Não, você não está. Fique sentadinha aí — fala e Ares volta a deitar sobre o meu colo. — Muito bem, garoto.

Agora meu cachorro obedecia a eles?

— Ares, levante-se, temos que ir — digo e ele dá um chorinho e Evelyn me olha com o cenho franzido, mas ignoro os dois. — Onde estão minhas roupas?

— Você não vai a lugar algum — a voz grave de Owen me faz tremer.

— Não fala assim, Owen, vai assustá-la. Não precisa se preocupar, nos só queremos ajudá-la.

— Não quero sua ajuda — respondo e aproveito quando Ares se levanta, fazendo o mesmo. — Me deixem ir embora, por favor — peço e Owen se aproxima, ficando ao lado de Evelyn.

Eles são namorados? E por que eu quero saber disso?

— Você não pode sair nesse estado — ele fala, cruzando os braços —, mal consegue ficar de pé.

Respiro fundo, sentindo meu estômago doer.

— Só me deixem ir embora, por favor...

— Não, você não vai sair daqui — ele insiste e o medo me invade, então tento dar alguns passos para o lado e me afastar.

— Você já pegou sua carteira, o que mais quer de mim? — pergunto, com medo da resposta.

— Eu só quero que fique bem — ele fala e olha para Evelyn.

— Só queremos ajudar — ela complementa e eu forço uma risada.

— Ninguém ajuda uma pessoa como eu sem querer nada em troca, e eu roubei o bonitão — Aponto para ele, sem me importar com minhas palavras —, então não banquem os bons samaritanos, porque eu não caio nessa. Vocês nem me conhecem!

— Então vamos começar do zero. — Ele endireita os ombros e me encara. — Sou Owen Pergatti — Estende a mão —, o bonitão de quem você roubou a carteira, e seu anfitrião. — Ergue a sobrancelha e sinto meu rosto queimar.

Ares desce da cama e pula nele, de um jeito para lá de amigável.

— E eu sou Evelyn Galvin, amiga do bonitão, caso não se lembre. Você pode nos dizer seu nome? — pede.

— O que vocês querem de mim? — pergunto, elevando a voz — Parem de dizer que querem me ajudar.

Sempre querem algo em troca, ninguém ajuda alguém como eu de graça.

— Mas é essa a verdade, estamos preocupados com você.

Tento respondê-la, mas uma crise de tosse me impede.

— Droga, Owen, ela está mal. — Evelyn segura minha cintura, fazendo com que eu me sente.

Eu não quero me sentar, quero pegar Ares e dar o fora daqui o mais rápido que conseguir, mas eu estou tão fraca.

— Fique tranquila, um médico vai vir vê-la e você vai ficar bem — Evelyn fala de um jeito doce. — Não sei pelo que você passou, só saiba que sinto muito e, por favor, confie na gente, nunca faríamos mal a você.

Eu queria acreditar nela, queria acreditar que eles eram boas pessoas.

Suspiro, olhando para Ares grudado no homem. Só falta ele gostar mais desse cara, que ele conhece a menos de um dia, e me abandonar.

— Talvez seja melhor você se deitar — ele fala, coçando o pescoço do meu cachorro.

— Onde está esse médico, Owen? A febre dela está voltando — Evelyn diz em um tom de voz repreensivo.

— Médica, é uma mulher, eu já disse — ele responde.

— Claro que é uma mulher... — ela resmunga.

— Você quer um pouco de água? — ele pergunta, olhando diretamente para mim.

Minha boca está seca e estou com muita sede, então assinto com a cabeça. Ele vai até uma das mesas de cabeceira, pega uma jarra que só agora noto que estava ali, enche um copo e me entrega.

Sorvo todo o líquido em único gole.

— Vai com calma! — Ele sorri, mostrando uma fileira de dentes perfeitos.

— Estela, meu nome é Estela...— digo, devolvendo o copo e aceitando que não posso sequer parar em pé e que, se eu sair desse jeito, corro mais risco.

Preciso esperar ter mais forças e, na primeira distração deles, ir embora daqui, levando Ares comigo.

— Estela, é um lindo nome. — Sorri e sinto um frio na barriga. Devia ser proibido alguém ser tão bonito assim.

 Evelyn pigarreia e Owen olha o relógio em seu pulso.

— Ela chegou — diz, se virando e indo em direção à porta.

Ao menos Ares não o segue, só pula sobre a cama, se deitando ao meu lado.

— A médica chegou, Estela, você vai ficar bem.

Não iria mentir dizendo que eu estava bem. Sei que tem algo de errado comigo e ver um médico é uma escolha inteligente. Eu sou incapaz de cuidar de mim e de Ares assim, custando para parar em pé.

E só fingir que aceito a ajuda e não confiar. Não deve ser tão difícil.

Após alguns minutos, Owen entra no quarto acompanhado de uma moça morena, de olhos verde-claros e bonitos, com um semblante gentil, usando um vestido florido e segurando uma pequena maleta preta.

— Olá — ela diz, parecendo um pouco deslocada.

— Essa é Lucinda...

— Lucy — ela o corrige.

— Ela é médica e vai examiná-la...Estela — a forma como diz meu nome faz eu sentir aquele frio na barriga.

— Lucy Spinozam — Ela estende a mão para Evelyn.

— Evelyn — responde, apertando brevemente a mão da médica.

— Você é Estela, eu presumo. — Me estende a mão e não consigo corresponder de imediato.

Há muito tempo que não era cumprimentada de tal forma, então percebo que, depois de muito tempo, essa é a primeira vez que pessoas olham para mim sem uma expressão de nojo no rosto.

— Sim — respondo, segurando a mão delicada da mulher e soltando o mais rapidamente que consigo.

— Pensei que eu estava vindo atender uma criança, Owen — percebo uma certa ironia em sua voz, mas ele só dá de ombros e Evelyn o encara de forma repreensiva.

— Podem me dar licença? Preciso ficar a sós com a paciente — pede.

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