Deve ser culpa do vinho que me sinto assim, ansiosa para saber onde Luciano está. Pego meu celular, me deito no sofá novo e deixo a taça no chão. Tiro minhas sandálias e ligo pra ele. Me atrevo a ligar pela primeira vez, porque se dependesse dele, nunca aconteceria.O celular toca e toca, sem resposta. Até que consigo, o som do atendimento me faz sentir nas nuvens, ou seria o álcool? Tento falar primeiro, a voz não sai. Não sei o que dizer.—Quem é?Caio na real. Não é a voz do Luciano. É a voz de uma mulher.—Sou Marianne. Quero falar com o Luciano. Pode ser? — respondo tentando soar firme.—E quem é você, Marianne? — volta a questionar a mulher.—Sua... noiva.Com minha resposta temerosa, o que escuto em troca são risadas. As risadas debochadas dessa mulher desconhecida que atendeu o celular.—Sei, claro — diz e desliga.A surpresa passa rápido, tateio pelo chão até achar minha taça e viro até o fim. Meu celular toca. É Luciano. Atendo.—Tudo bem? Teve algum acidente? — pergunta ele
Apesar das mil exigências da América e sua atitude de diva, finalmente conseguimos escolher a catedral que visitamos. E como a data do casamento está definida em nossas cabeças, apenas dois dias depois do acordo estamos nisso: o ensaio da cerimônia religiosa.Como madrinha, estou servindo de coordenadora junto com o cerimonialista. Melhor dizendo, tentando explicar ao cortejo composto por 10 madrinhas e 10 padrinhos, junto com as daminhas e pajens, que não dava pra começar o ensaio sem... os noivos.Nem Amanda, nem Andrew apareceram no horário do seu próprio ensaio. Estão uns 20 minutos atrasados. Por isso, minha ilustre madrasta está entretendo o padre para que não se irrite com o atraso, e mais atrás está Sergio conversando com os pais do Andrew pra salvar as aparências. Não sei dizer qual dos três está mais irritado.—Liga pra sua irmã de novo, Marianne. Tenho hora marcada na manicure em duas horas. Não posso perder — reclama uma das madrinhas.—Também não posso ficar muito. Preciso
—É... o anel — reconsidera Andrew e coloca com dificuldade.Digo com dificuldade porque o anel parece muito pequeno para o dedo de Amanda. A gravidez a fez ganhar alguns quilos, ainda parece ela mesma, só que bem... é o que acontece com algumas grávidas.—Você não levou meu anel para ajustar? Te falei que tinha mudado de tamanho. Nosso médico falou sobre a retenção de líquidos... — Amanda o repreende baixinho.—Para de comer e reclamar tanto, mulher — dispara Andrew irritado enquanto força o anel em seu dedo.O rosto de Amanda se contorce de dor com esse comentário insensível e grosseiro de Andrew. Acho que o padre os ouviu porque começa a fazer uma piada sobre a troca de alianças.Nenhuma chega aos ouvidos de Amanda, que vira sua cabeça para mim. Seus olhos estão cheios de lágrimas, e sinto uma pontada de pena.Uma que não deveria ter sentido ou demonstrado, porque minha meia-irmã se afasta de Andrew e vem em minha direção. Me abraça e começa a chorar aos berros enterrando seu rosto e
—Já chega disso... — intervém América nervosa — Os dois vão conversar com o padre como um casal civilizado. Vou me encarregar de dispensar o cortejo. Vão, vão.Contrariado, Andrew segue o padre que tenta acalmá-lo e aconselhá-lo. América, por sua vez, se dirige irritada a Amanda, agarra e aperta com força seu braço.—Você não pode humilhar nossa família desse jeito, Amanda. Vai se casar e ponto. Está me ouvindo? — exige e muda aquela expressão furiosa para uma de cortesia com o resto dos convidados.Ao fundo, ela vai inventando desculpas para essas cenas e jurando que foi um dia ruim para os futuros esposos. Amanda pega minha mão, temerosa e buscando apoio.—Me diz pra não casar com ele, e eu não caso, irmã.—O quê? — solto surpresa.—Como pude ser tão cega? Nosso pai só quer que eu case com ele por interesse. Como quer que você case com Luciano pelo mesmo interesse. Você ainda tá a tempo de se salvar... — ela está chorando.Me solto do aperto dela e lembro várias coisas a meu favor.—
Posso estar esperando com um rosto "normal" o café que acabei de pedir, mas dentro de mim se desencadeia um inferno de proporções épicas. Saí correndo daquele ensaio desastroso para a cafeteria onde estou aguardando meu pedido. É um local pequeno perto de Belmonte Raíces, meu destino final era voltar ao escritório para trabalhar.O trabalho era meu refúgio e a única coisa que parecia estar indo decentemente. Meu pedido sai no tempo previsto, chamam meu nome, recebo o copo, agradeço e procuro uma mesinha perto de alguma janela que dê para a rua.Vejo uma vazia num canto. Me dirijo a ela para me afogar em meus pensamentos.—Marianne! Oi! — alguém que passei do lado está falando comigo.Me viro pra ver quem é, e é... Mateo. Está sentado numa mesa de dois, sozinho. Também bebendo café, com seu laptop aberto na frente dele.—Mateo... que coincidência te encontrar aqui, né? — cumprimento.—Não é se eu te contar que tenho passado as últimas semanas por aqui. Tenho muita papelada pendente na p
—Está se projetando em mim? Quem estava se gabando que ia estrear a cama com tal de Mateo? Volto, e você pegou gosto, estava tomando café com ele — argumenta divertido — Podia ser mais discreta. Temos um acordo até onde me lembro.—Um acordo? Sim. De exclusividade, não. Até onde lembro você recusou isso — digo brincando com ele.Luciano não gosta da minha brincadeira. Suas feições endurecem.—Se está tentando me fazer ciúmes, desista. Não vai muito longe. O nosso funcionou sem dramas porque somos honestos sobre nossas intenções, mesmo que não sejam boas, nem elogiáveis. Não mude isso.Exatamente. Ele mesmo disse. Fomos "honestos" supostamente. Eu fui, mas ele? Duvido.—Até que ponto devo confiar na sua honestidade Luciano? Você está muito à frente de mim nesse jogo — indago deixando sair minha irritação.Ele me dá uma olhada de canto confusa. Como se não soubesse do que falo.—Está brava comigo porque Clara atendeu meu celular? Pode acontecer com qualquer um — explica.Esse nome me soa
—O meu também não tem sido dos melhores... Se eu te contasse o que ele tem aprontado ultimamente — rio mais descontraída, percebendo que ele ainda segura minha mão.Só agora percebo para onde estamos indo. Não perguntei nenhuma vez ao Luciano nosso destino. E agora que penso nisso, estamos indo por uma rota muito parecida com a do prédio do meu apartamento.—Para onde você está me levando? — pergunto desconfiada.—Como assim para onde? Você tem um apartamento pra me mostrar. É o mínimo que mereço. Fui um ótimo noivo, muito melhor que o anterior, posso jurar — diz naturalmente.Seria fácil me deixar levar pelo seu charme natural, mas dessa vez não deixo. Ainda tem o caso da minha madrasta pendente. Solto sua mão e fico mais séria. Ele me olha de canto.—O que foi que eu fiz agora?—É isso que eu queria saber... — crio coragem — Acabei de sair do ensaio de casamento mais turbulento e patético da história. Amanda fez um escândalo, não quer se casar.—E o que isso tem a ver com a gente? No
Mentiras e mais mentiras. O sobrenome da América devia ser "Mentira", e sua profissão antes de casar com meu pai tinha que ser golpista nata. Não tinha outra explicação.A história que minha madrasta sempre sustentou era que ela era uma herdeira estrangeira sem filhos e com muito dinheiro para investir. Se apaixonou tanto pelo meu pai que não se importou que ele já fosse casado.Depois lhe deu uma filha, Amanda. Sua suposta única filha. Lembro claramente dos dramas da América ao mencionar que tinha sacrificado seu corpo por sua "única filha". O quanto foi difícil ser "mãe de primeira viagem". Dizia com tanta convicção que ninguém ousava contradizer.—Não faz sentido o que você está dizendo — é o que consigo dizer por reflexo.—Também não faria sentido você cair no jogo da... nossa irmã — diz ele, extremamente desconfortável, negando com os olhos fechados.Essa realidade me atinge. Se Amanda e eu compartilhávamos pai, e Amanda e ele compartilhavam mãe, ela era nossa meia-irmã. Dos dois.