Celina me encarava mas seus lábios não se moviam então eu repeti a pergunta: — Celina… a cicatriz… tem relação com esse acidente? Ela assentiu mordendo o lábio, e quando respondeu, a voz dela estava carregada de uma tristeza profunda, quase como se ela estivesse revivendo aquele momento. — Sim. Eu agonizei presa ali — disse Celina, com a voz baixa, como se revivesse a dor. Ela fechou os olhos por um instante, como se tentasse afastar as imagens da memória. Quando falou novamente, sua voz estava mais firme, mas o peso da experiência ainda pesava nas palavras. — O impacto foi esmagador. A dor foi imediata, uma dor aguda, que parecia irradiante. Eu não sabia o que tinha acontecido naquele momento, mas algo estava errado. Celina respirou fundo, os olhos marejados, mas não se deixou dominar pela emoção. Seguiu contando, tentando manter o controle, como se quisesse afastar o medo que, mesmo assim, transparecia. — O carro estava amassado de uma forma que parecia impossível de res
Passaram-se alguns dias e, felizmente, Celina estava melhorando. Seus machucados estavam cicatrizando, mas, depois de socorrê-la e me certificar de que ela se recuperara, me mantive firme no propósito de evitá-la. Acreditei que era o melhor para todos. Cheguei em casa tarde da noite, cansado, mas com a determinação de colocar minha estrelinha para dormir. Abri a porta do quarto de Sofia e, ao vê-la acordada, notei que Celina não estava ali. — Papai! Você chegou! Sente-se aqui comigo — ela disse, com os olhos brilhando. Sentei-me ao lado dela e dei-lhe um beijo carinhoso na testa. — Papai, estou tão feliz que você me coloca para dormir todas as noites — ela falou, os olhos reluzindo com a sinceridade que só uma criança pode ter. — Eu também estou muito contente, meu amor. — Olhei ao redor, procurando por Celina. — Onde está Celina? Sofia se encolheu um pouco e olhou para o lado. — Assim que ela ouviu seus passos subindo a escada, ela disse que
Agora que nossa comunicação se resumia quase exclusivamente a e-mails, Gabriel e eu ainda não tínhamos tido a chance de conversar pessoalmente sobre as atividades de Sofia durante as férias escolares. A situação era delicada, e eu sabia que a única forma de fazer Gabriel aceitar a sugestão de Sofia — que queria se dedicar à pintura durante esse período — seria uma conversa cara a cara. Se eu enviasse apenas um e-mail, ele, com certeza, rejeitaria a ideia sem nem considerar. Para convencê-lo, eu precisaria argumentar de forma clara, explicar os benefícios de permitir que ela se envolvesse em algo que, à primeira vista, ele poderia ver como uma perda de tempo ou um capricho. Eu tinha que falar com ele pessoalmente, expor meu ponto de vista de maneira convincente. O problema, no entanto, era o impacto que isso teria em mim. Falar com ele pessoalmente, se eu o visse, se eu o ouvisse, seria uma verdadeira batalha contra minha própria vontade. Sentir sua presença, o cheiro in
Eu deveria afastá-lo. Mas meu corpo se moveu por instinto, se entregando àquele beijo como se minha vida dependesse disso. O calor me consumiu, cada toque dele incendiava minha pele, cada suspiro seu era um convite para que eu me perdesse mais. Ele me envolveu de tal forma que a distância entre nós desapareceu. O toque das suas mãos em minha cintura era como fogo, e eu me entreguei sem pensar, sem resistência. Eu não queria mais lutar. Não queria fingir que isso não estava acontecendo. Gabriel segurou minha nuca com firmeza, aprofundando o beijo, como se quisesse explorar cada centímetro de mim. Sua boca encontrou a minha com urgência, como se estivesse faminto, como se houvesse uma necessidade desesperada de se conectar. Eu senti as batidas do seu coração aceleradas contra o meu peito, e o calor dele me invadiu por completo. Ele dominava, puxava-me para mais perto, sem se importar com nada além de me ter ali, naquele momento, naquele espaço onde éramos só nós dois.
Só eu era importante para ela? Foi isso que Celina disse? Ou eu estava enlouquecendo? Eu estava enlouquecendo, isso era um fato. Como podia cogitar demitir o Valter? Cinco anos comigo, de uma lealdade inimaginável. Não sei o que deu em mim. Eu não faria isso. Até trocar o local de trabalho de Samantha e Valter era irracional. Eu gostava que ela dirigisse para mim. Mas eu não podia deixar Celina perto de Valter. Ele estava interessado nela. Não, não podia. Samantha ia dirigir para Celina e Sofia. E o Valter cuidaria apenas dos meus compromissos. Não podia me conter, não queria nenhum homem perto dela. Eu queria ser o homem perto dela. Mas eu não conseguia decifrá-la. Retribuiu meu beijo, me pediu para ser profissional e depois murmurou que somente eu importava para ela. Era impossível entendê-la. Falava uma coisa, fazia outra. E a sensação de não me contar tudo, ainda me perseguia. Acabei mudando de assunto para esfriar meu ânimo. — Como está Sofia? Alguma novidade?
Eu tinha refletido bastante nos últimos dias e, finalmente, tomei a decisão de deixar Sofia fazer as aulas de pintura. Quanto a Celina, desisti de tentar entender o que realmente havia entre nós. Parecia mais seguro deixar tudo como estava, não mexer mais naquilo. Entrei na cozinha, tentando me distrair com algo simples, como um copo de água, mas foi então que Celina entrou, seus cabelos salpicados com pequenas manchas de tinta. — Celina? Isso é tinta? — perguntei, um pouco surpreso. Ela se encolheu levemente, visivelmente desconcertada, e respondeu com a habitual educação, mas com um toque de constrangimento: — Me desculpe, senhor. Vou tomar um banho e me arrumar melhor. — Mas me explique o que é isso. — Eu pinto para relaxar. E Sofia me ajuda, ela gosta muito. Por isso dei a ideia dela ter aulas de pinturas com um profissional. — Deixe-me ver algumas de suas pinturas — ordenei. — Oh, não, senhor. — Estão no seu quarto? Em segui apressa
Ele continuava encarando minha pintura. Oh, Deus, não permita que ele continue passando as páginas do bloco. Veja apenas a pintura da tela, só essa... Mas então, ele andou passou a primeira página. Droga, ele passou. Agora estava diante da pintura do jardim da casa dele, tudo bem inofensivo. Ele só precisa parar antes que chegue… e ele parou. Me senti aliviada.Talvez tivesse perdido o interesse mas a sensação de alívio evaporou quando vi seus dedos virando outra página, depois outra. Meu desespero crescia, e o calor subia pelo meu rosto. Ele estava prestes a chegar na pintura que eu jamais queria que ele visse. Eu tinha pintado nós dois. Ele não podia ver, então em um impulso segurei a mão dele.— Não vamos perder tempo com isso, senhor. Relaxei quando ele se afastou do cavalete, mas meu coração saltou quando ele retornou e disse:— Só mais um. Você é realmente talentosa e eu estou impressionado pelas suas pinturas.Então, quando ele virou a próxima página, ele viu a pintura de nós
Eu estava vendo coisas ou… quem estava parado na porta da minha sala, me esperando, era o papai? Meu coração disparou. Era ele, sim! O único homem gigantesco de terno e gravata no corredor da escola. Todo mundo estava olhando para ele.E claro, como não olhariam? Ele parecia um gigante perto das professoras e dos meus colegas. Até a professora ficou ali, parada, olhando papai dos pés à cabeça. Devia estar tentando adivinhar a altura dele. Eu também não sabia exatamente quanto ele media, só sabia que era muito alto.Assim que a professora chamou meu nome, eu não consegui me segurar. Peguei minha mochila, esqueci do resto e saí correndo pelo corredor. Pulei nos braços dele antes que ele pudesse dizer qualquer coisa.— Papai! — exclamei, apertando o pescoço dele com força.Eu esperei pelo sorriso. Esperei mesmo, de verdade. Mas ele não sorriu. Mesmo assim, algo no rosto dele estava diferente. Não era a expressão emburrada de sempre. Pelo contrário, parecia que ele estava feliz, mesmo sem