Depois daquela conversa, voltei a fazer o que sempre fiz — e o que sabia fazer de melhor: estabelecer limites. Mas dessa vez, não para ela — para mim. Eu precisava me lembrar de que, por mais que Celina tivesse o poder de me desestabilizar, eu ainda era o homem que sustentava um império com base em disciplina, ordem e controle. Era um alívio perceber que podíamos fazer isso: deixar aquela noite para trás. Seguimos em frente com uma facilidade quase desconcertante. Celina continuava a desempenhar seu trabalho com a mesma competência de sempre — e eu… eu comecei a chegar mais cedo em casa. Depois que me dei conta de que podia comandar a empresa do meu escritório sem grandes prejuízos, passei a estar mais presente, atendendo ao pedido de Sofia. Mas, naquela semana, eu tinha exagerado. Trabalhei de home office por três dias e, nos outros dois, já estava em casa às duas da tarde. Eu repetia para todos — e para mim mesmo — que, agora que a etapa era programar o soft
Eu deveria ter enviado um e-mail detalhado, expondo os argumentos sobre a atividade que eu recomendava para Sofia nas férias. Ou escrito tudo na agenda e deixado em cima da mesa dele, aproveitando um momento em que Gabriel não estivesse em casa. Poderia ter mandado uma mensagem no WhatsApp, feito um gráfico, enviado uma carta, contratado um pombo-correio… Havia mil maneiras de comunicar minhas sugestões sem precisar encará-lo. Mas, ainda assim, lá estava eu. De pé, diante dele. Cada célula do meu corpo implorava para que eu saísse daquele escritório. Que dissesse rapidamente que enviaria um e-mail depois, que atravessasse aquela porta e fingisse que nada havia acontecido. Mas quando ele me chamou... — Celina. Meu nome nos lábios dele. Minhas pernas travaram no mesmo instante. Eu forçava minha expressão a permanecer neutra, mas sentia meu estômago afundar. Eu deveria ter ignorado. Deveria ter continuado andando, como se não tivesse ou
Eu me aproximei de Celina em um descontrole extremo e segurei seu pulso. Eu deveria soltá-la. Era isso que a razão me dizia. Mas a razão não estava no controle agora. Meus dedos envolviam seu pulso, e a pele dela estava quente sob a minha. Um toque simples. Um toque que não significava nada. Exceto que significava tudo. Celina respirou fundo, tentando recuperar o equilíbrio que claramente também escapava dela. Meu olhar desceu para a curva delicada do seu pescoço, o movimento sutil de sua respiração. Eu sabia que se me inclinasse um pouco mais, sentiria o cheiro do seu perfume. Encostei meu nariz no dela, deixando meus lábios quase tocando os seus. — Gabriel… — Minha respiração quase falhou quando ela disse meu nome daquele jeito. Não "senhor". Não "senhor Gabriel". Apenas Gabriel. Quando ela me chamou assim, eu quase perdi o controle. Fechei os olhos por um instante. Um erro. Era isso que isso tudo era. Mas se era mesmo um erro, por que parecia tão ce
Quatro dias se passaram desde que Gabriel segurou meu pulso naquele momento no escritório. Desde então, ele deixou de vir para casa durante o dia. Saía cedo, voltava tarde, e eu sabia que fazia de tudo para evitar me ver. De um jeito cruel e contraditório, eu era grata por isso e, ao mesmo tempo, miseravelmente infeliz. Porque, no fim das contas, manter distância era o certo—o melhor para todos nós. Mas não era o que eu queria, e essa certeza tornava a ausência dele ainda mais dolorosa. Agora, toda a comunicação entre nós se resumia a e-mails. Gabriel também criou um caderno de anotações para que eu pudesse deixar recados mais detalhados. Bastava escrever e deixá-lo sobre a mesa do escritório dele. Quando chegava, ele lia e respondia. Eu só pegava o caderno na manhã seguinte, quando ele já tivesse ido embora. Gabriel era um homem bom e com honra, ele não dizia que estava fazendo isso por causa… do que aconteceu… Em vez disso, justificava com razões práticas: dizia que, com
Alguns dias depois… Já passava das nove da noite, e Gabriel estava lá em cima colocando Sofia para dormir. Ele me mandou um e-mail — nossa única forma de comunicação agora —, um e-mail pedindo que Sofia o esperasse acordada pois conseguiria sair mais cedo do trabalho. Assim que ele entrou no quarto de Sofia, eu saí deixando-os sozinhos. Desci as escadas, caminhando pela mansão, eu tentava afastar os pensamentos que me atormentavam. O que estava acontecendo comigo? Eu sempre fui lógica, racional. Sempre mantive minhas emoções sob controle. Mas agora... agora tudo parecia fora do meu alcance. Eu precisava de um lugar onde pudesse pensar. Meus passos me levaram até a biblioteca. Um cômodo que eu já tinha visitado algumas vezes, mas que nunca havia explorado completamente. Era enorme, cheia de estantes antigas, algumas tão altas que precisavam de escadas para alcançar os livros do topo. O cheiro de papel envelhecido me envolveu assim que entrei, e, por um momento, o ambie
É impressionante a força que surge em nosso corpo quando alguém importante para nós está em perigo. Sim, porque eu me importava com Celina e muito. A ponto de erguer uma estante de livros para soltá-la. Quando finalmente consegui mover a estante, Celina tremia debaixo dela, os olhos arregalados, o corpo rígido. Poeira cobria sua pele, misturada ao suor e aos pequenos cortes que marcavam seus braços. Ela parecia não perceber que estava livre. — Celina! — Chamei, tentando tocar seu rosto, mas ela gritou e se encolheu ainda mais, os braços cobrindo a cabeça. — Eu quero sair, socorro! Minha respiração ficou presa na garganta. — Celina, me escuta. Você está bem. Você está livre. Mas ela continuava com os olhos fechados, os soluços irregulares atravessando sua respiração. — Celina, olhe para mim. Ela demorou a responder, como se minha voz fosse algo distante demais para alcançar. Eu a tomei em meus braços e a abracei o mais forte que p
Celina me encarava mas seus lábios não se moviam então eu repeti a pergunta: — Celina… a cicatriz… tem relação com esse acidente? Ela assentiu mordendo o lábio, e quando respondeu, a voz dela estava carregada de uma tristeza profunda, quase como se ela estivesse revivendo aquele momento. — Sim. Eu agonizei presa ali — disse Celina, com a voz baixa, como se revivesse a dor. Ela fechou os olhos por um instante, como se tentasse afastar as imagens da memória. Quando falou novamente, sua voz estava mais firme, mas o peso da experiência ainda pesava nas palavras. — O impacto foi esmagador. A dor foi imediata, uma dor aguda, que parecia irradiante. Eu não sabia o que tinha acontecido naquele momento, mas algo estava errado. Celina respirou fundo, os olhos marejados, mas não se deixou dominar pela emoção. Seguiu contando, tentando manter o controle, como se quisesse afastar o medo que, mesmo assim, transparecia. — O carro estava amassado de uma forma que parecia impossível de res
Passaram-se alguns dias e, felizmente, Celina estava melhorando. Seus machucados estavam cicatrizando, mas, depois de socorrê-la e me certificar de que ela se recuperara, me mantive firme no propósito de evitá-la. Acreditei que era o melhor para todos. Cheguei em casa tarde da noite, cansado, mas com a determinação de colocar minha estrelinha para dormir. Abri a porta do quarto de Sofia e, ao vê-la acordada, notei que Celina não estava ali. — Papai! Você chegou! Sente-se aqui comigo — ela disse, com os olhos brilhando. Sentei-me ao lado dela e dei-lhe um beijo carinhoso na testa. — Papai, estou tão feliz que você me coloca para dormir todas as noites — ela falou, os olhos reluzindo com a sinceridade que só uma criança pode ter. — Eu também estou muito contente, meu amor. — Olhei ao redor, procurando por Celina. — Onde está Celina? Sofia se encolheu um pouco e olhou para o lado. — Assim que ela ouviu seus passos subindo a escada, ela disse que