O tique taque relógio se torna angustiante conforme os minutos vão passando. Já é oito e meia da noite, o que significa que quase uma hora se passou desde que Cami entrou no banheiro. E eu me direcionei a cama, aguardando que ela saísse de lá, para conversar. Mas agora quase uma hora depois, não posso mais esperar, odeio invadir o seu espaço, mas a preocupação toma conta de mim a cada segundo que passa.
E se ela estiver sentindo algo e não me chamou por conta da raiva que pareceu estar sentindo de mim? Meu corpo se arrepia todo de medo só com a suposição.
Sigo o mesmo trajeto curto até nosso banheiro, e na madeira da porta, bato enquanto encosto minha cabeça no batente dela, as palavras de minha esposa ainda estão pairadas sobre mim. Eu não entendo o que realmente se passava com minha esposa, por sua expressão tudo o que ela havia pronunciado ia além de uma primeira gravidez, algo a atormentava, e eu me pergunto o que. Há um certo tempo éramos tão próximos, nos conhecíamos tão bem, um simples olhar dizia tudo! Que agora, não saber o que de fato se passa em sua cabeça me deixa de mãos atadas, me perguntando o porquê de Cami já não confiar seus receios para mim.— Cami? — Enfim a chamo, minha mão se fecha em um punho batendo pela segunda vez na madeira, esperando sua resposta fecho meus olhos — Cami —espero mais alguns segundos, e novamente a resposta não vem — Cami por favor, vamos conversar meu bem, podemos resolver isso, juntos — Minha voz sai arrastada, um nó se forma em minha garganta, isso é sufocante, como se alguém estivesse apertando meu pescoço. Fico angustiado esperando inconscientemente o pior — Não faz assim Cami, me desculpa, eu realmente não sei o que eu não entendo — Repeti suas últimas palavras, mas nenhum sinal veio, as batidas de meu coração aceleram juntamente as batidas que minha mão soca na porta — Se você não dizer nada, terei que abrir amor, você sabe que odeio invadir seu espaço. — Ela nada responde, ainda incerto caminho apressadamente em direção ao pequeno criado mudo, onde deixamos chaves reservas de cada cômodo da casa, com as mãos trêmulas procuro a do banheiro, que por sorte a encontro sem demora.
— Cami. — Bato mais uma vez na porta com esperança de que Camille abriria, e quando noto que não obterei uma resposta, levo a pequena chave na fechadura, com um pouco de dificuldade consigo destrancá-la.
Minha primeira reação ao vê-la, é fechar meus olhos. Apesar de esperar o pior, não consigo aceitar ou sequer acreditar na imagem a minha frente. Meu corpo entra em choque, tão paralisado quanto o corpo frágil de Cami espalhado dentro da banheira vazia. Tento chamar por minha esposa novamente, mas minha voz não sai, apenas minha respiração funciona lentamente, quase parando.
Quando dou por mim estou de joelhos, debruçado na banheira, enquanto minhas mãos tocam a face de Cami. Ela está inconsciente e, se não fosse sua respiração quase nula e o frasco de analgésico caído ao lado da banheira, acreditaria que ela apenas tivesse pegado no sono.
— Cami, meu Deus, meu Deus Cami — Minha voz volta em um sopro, as lágrimas continuam a descer por minha face. Toco seu rosto pálido e frio.
— Cami — A puxo cuidadosamente, tirando-a da banheira — Não pode fazer isso comigo, não pode fazer isso conosco — Murmuro apertando seu corpo contra o meu. Sem saber de onde arranjo tanta força quando meu corpo está imergido pelo pânico, pego minha mulher dali de dentro com a maior facilidade do mundo — Só fique bem, por favor querida não me deixe. — Suplico cobrindo seu corpo com um fino lençol, logo em seguida caminho em direção a garagem de nossa casa, orando, implorando para Deus não a tirar de mim.
***
Minhas pernas doem pelo tempo em que estou andando de um lado para outro na sala de espera do hospital. Quando cheguei aqui desesperado com Cami inconsciente em meus braços, os enfermeiros a levaram rapidamente para algum lugar, qual não pude entrar, e desde então aguardo alguém me dar notícias. O tempo continua contra mim, aumentando meu pânico assim como quando eu estava do lado de fora daquele banheiro. Vejo médicos e enfermeiros andando de um lado para o outro e nenhum vindo em minha direção, ninguém me traz a porcaria de uma notícia. Tento conseguir informações por minha conta com a recepcionista a cada cinco minutos, mas ela sempre alega não ter acesso às informações no momento, pede inúmeras vezes para esperar que alguém da equipe médica me traga notícias.
Minha cabeça está prestes a explodir, e o medo de perder minha mulher e meu filho cresce um pouco mais. Mas, a certeza de que ela tentou tirar sua própria vida, me joga de cabeça dentro de um precipício que abriu - se em meu peito. Como não pude ver que ela estava tão infeliz, céus. Mesmo que seus gestos não fossem tão nítidos como antigamente, percebi que pouco a pouco estava perdendo-a, mas, ao invés de atender o seu pedido de socorro, criei inúmeras desculpas, me confortei com um "tudo bem". Eu não a socorri, por estar focado demais em como aquilo tudo me deixava perdido.
Encosto meu corpo já cansado na parede, e deslizo ali, sentando me vagarosamente sobre o piso frio, minhas mãos cobrem minha face as lágrimas que haviam cessado a algum tempo descem sobre meu rosto, fecho minhas pálpebras com força e suspiro sentindo meu corpo reclamar pelo cansaço, mas me recuso descansar ou sequer tirar um cochilo, como muitos acompanhantes fazem ao meu redor.
—Rafael, marido de Camille? — A voz suave, me tira de transe, levanto meu rosto rapidamente, podendo notar a jovem que suponho ser a enfermeira intercalando seu olhar entre mim e uma prancheta. Meu corpo automaticamente se põe de pé, e sem que eu mesmo perceba puxo a mão da enfermeira, apertando-a com toda minha força.
— Minha mulher, meu filho... — Minha voz sai por um fio.
— Estão estáveis... — Levo as mãos entre os fios bagunçados de meus cabelos, suspiro profundo sentindo um certo alívio me invadir.
— Posso... posso vê-la? —A interrompo. Ela assente e, com um sorriso solidário, me indica o caminho.
— Conseguimos desintoxicar o organismo de sua esposa antes que os remédios começassem a fazer o efeito — Ela intercala sua atenção entre mim e a folha grudada em sua prancheta — Podemos dizer que foi sorte ela ter tomado analgésico, que começa a fazer efeito depois de algumas horas de ingerido. Já o desmaio, foi causado pela má alimentação, iremos dar algumas vitaminas para ela aqui, porém você deve ficar em alerta sobre isso — Seu olhar para sobre mim por um breve segundo — Fizemos um ultrassom para ver o estado do bebê. Pelo que parece, ele também está bem, mas por via das dúvidas iremos monitorar ambos pelas próximas vinte e quatro horas. —Sorrindo novamente, ela para em frente a uma porta branca com o número 12 — Ela está dormindo, não acorde - a, é bom que durma pelo menos a noite toda — Assinto, com as mãos na maçaneta ansioso para abrir a porta que me separava da minha família.
O único barulho do quarto é o bip suave do medidor de pulsação cardíaca ligado a Cami. A expressão serena, e a respiração regulada dela me trazem alívio, mas não posso dizer que essa sensação me livra do medo, do pânico que insiste em estar presente desde que a socorri. Um murmúrio baixo sai por seus lábios, o que me deixa em alerta, arrasto uma poltrona para próximo ao leito de minha esposa, sento-me perto o suficiente para pegar sua mão, onde deposito um beijo demorado. Enquanto velo seu sono, nossos melhores momentos passam como um filme em minha cabeça. Quando olhei para a garota solitária no campus da universidade me bateu a certeza de querê-la em minha vida, clichê eu sei, mas foi isso que aconteceu, e ao passar dos anos cada um de nossos momentos, até mesmo os ruins, confirmava aquela certeza. Então veio o primeiro sim, o primeiro beijo, o primeiro toque.... Eu a amei a cada segundo que pude estar do seu lado, e eu a amei mais um p
Quando minha infância passa por meus olhos como um filme, não sinto aquela nostalgia boa que a maioria dos adultos sentem, eu simplesmente não consigo me sentir bem quando as lembranças resolvem me fazer uma visita. Estaria mentindo se dissesse que nunca fui feliz, porém foram tão raros os momentos em que a felicidade fez parte da minha vida naquela época, que posso enumerá-los nos dedos. Dos meus pais, infelizmente, só me restou uma mágoa profunda, por nunca terem me dado a vida digna de uma criança, por eles não terem me amado, por estragarem o pouco que eu tinha quando me viam felizes. Mas, apesar de todos os momentos conturbados que enfrentei ainda uma menina, sou grata a Deus por ter trazido Rafael para minha vida, e com ele a esperança de dias melhores para mim. Com o tempo descobri que não ganhei apenas um amigo, namorado e consequentemente um marido, eu havia ganhado um porto seguro. Que não importava o quão ruim estivesse minha v
Minha vista começa a embaralhar quando tento pela enésima vez manter o foco na tela do computador, um suspiro longo e frustrado foge por entre meus lábios, estou parada olhando para o mesmo lugar a quase uma hora. Há fotos a tratar, entregar e orçamentos a serem feito, mas não consigo me concentrar, não consigo ao menos avaliar as fotos que minha assistente fizera! Pouso minhas mãos sobre a mesa e sobre ela descanso minha cabeça, que continua girando, latejando desde a hora que vim do consultório de Sara. Por mais que uma parte minha quisesse se apegar as palavras dela como um bote salva vidas, algo dentro de mim não permitia, ele não só me acusava, como me convencia de que eu havia sido uma mãe negligente, que só pensou em si mesmo no instante que deixei meus receios vencerem, tomando aqueles comprimidos, esquecendo-se totalmente do ser inofensivo que habitava dentro de mim. Um novo nó
Assim que fecho a porta principal de casa, meu olhar acompanha Cami, que depois de jogar sua bolsa no sofá, caminha em direção a cozinha, faço menção de acompanha-la com o propósito de retomar a conversa que iniciamos na clínica, mas meu celular toca interrompendo-me, minha mulher olha para mim brevemente, mas logo volta sua atenção para o que fosse que estivesse fazendo. Apanho meu aparelho celular no bolso da calça, e sorrio por ver que é minha mãe. — Oi mãe, tudo bem? — Indago com um sorriso em minha face, busco os olhos de Cami mais uma vez, eles me fitam, seus lábios curvam-se em um sorriso ameno. —Se está tudo bem? Como tem coragem de me perguntar isso depois de me abandonar? — Tento controlar minha risada por ver que apesar de estar fazendo seu drama rotineiro, minha mãe fala sério, uma risada e ela com certeza m
— Cara, você está péssimo. — Gustavo, meu sócio do escritório murmura assim que adentra minha sala, sem bater, por sinal. Desvio minha atenção da tela do computador e arqueio as sobrancelhas. — Invade meu escritório para falar de minha aparência? Sério Gustavo? — Ele ri se jogando todo esparramado na cadeira a minha frente, o observo por um tempo, então bufo sabendo o que provavelmente o levara em minha sala. — O que houve dessa vez? — Pergunto, afrouxando minha gravata, meu amigo ri nervoso então deita a cabeça em minha mesa. — A mulher está louca cara — Diz, se referindo sua mulher, que só aceitou assinar o divórcio deles, se o mesmo lhe pagasse uma quantia absurda de indenização (qual deixaria a conta bancária do meu amigo limpa), por que segundo ela, a parte que pede divorcio se
Rejeitada. Palavra e sensação que desde muito nova odiei. Com as intermináveis brigas de meus pais, eu me sentia assim corriqueiramente, não podia fazer nada, mas esse fato não me impediam de me por entre eles quando se empurravam, agrediam entre si, ambos gritavam comigo, mas ao invés de me amuar em algum canto, eu permanecia ali, em fogo cruzado, e essas minhas ações me proporcionou uma coleção de roxos – quais eu tentava sempre cobrir com as maquiagens de minha progenitora. Apanhei muito acreditando que um dia poderia fazê-los parar de brigar, fazê-los me amar, porém, conforme os anos foram passando, e minha mente foi amadurecendo, aprendi que nada os faria me amar, me aceitar. Aprendi que ser rejeitado por quem deveria nos acolher, embora por muito tempo pareça, não é nossa culpa, não é minha culpa. Mas esse meu saber não impede que eu me sinta assim agora na fase adulta, e embora c
Um sorriso estica meus lábios, com a imagem de meus pais rindo de algo no jardim, mamãe como de costume quando vem para o chalé está com um chapéu exageradamente grande cobrindo sua cabeça do sol, suas mãos habilidosas cortam algumas ervas daninha no meio de suas roseiras. Papai a assiste como se ela fosse o seu entretenimento preferido, vejo amor em seu olhar, muito amor, que chega ser um tanto que contagiante a energia que os dois emana sempre que estão juntos, faço uma busca rápida em minhas lembranças, e eu não consigo lembrar de algum momento ter sido diferente, nem mesmo na época que mamãe ficara debilitada, e eu um jovem festeiro. O companheirismo que os acompanha no decorrer de suas vidas é invejável, com certeza. Me pergunto se Cami e eu teremos algo semelhante em alguma fase de nossas vidas, a um certo tempo pude jurar estar no caminho certo, no caminho de um casamento quão bonito quanto ao dos meus progenitores, porém agora sin
— Me desculpe por ter saído praticamente correndo mais cedo. — Digo me aproximando de minha sogra que está na pia da cozinha lavando algo, suas mãos vão até a torneira fechando-a, e logo ela apanha o pano de prato para enxugar as mãos, abaixo a cabeça envergonhada assim que seu olhar entra em contado com o meu. — É que, tem sido... — Filtro minhas palavras antes de continuar, Beatriz me espera pacientemente, como sempre fez — Dias difíceis, diferente do que imaginei, a alguns meses, anos atrás. — Me escoro no balcão, Beatriz observa meus movimentos atentamente, como se meus gestos fossem revelar o que minha consciência impedia de meus lábios proferirem, tenho medo de seu olhar. O que me leva a refletir se Rafa contou a Sara do ocorrido, por ele não contaria aos pais, que ele sempre considerou seus amigos? Abaixo a cabeça, esperando de alguma forma que ela me acuse, ou quem sabe grite, brigue comigo, não iria debater, pois sei que a única