1.Rafael

A observo atentamente em frente ao espelho, seus olhos são tão expressivos enquanto olha o próprio reflexo que me levam a perguntar o que se passa em sua mente. Seu olhar passeia vagarosamente sobre seu corpo curvilíneo, sob a camisola fina de cetim, a sua preferida, até pousarem na barriga, onde suas mãos, mesmo um tanto relutantes, acariciam o ventre volumoso, beirando o sétimo mês de gestação.

Não consigo entender o comportamento de minha esposa diante a gravidez. Poderia facilmente pôr a culpa na adolescência problemática que ela teve, porém, não vejo no que isso poderia interferir em sua maternidade. Havíamos feito tantos planos para esse momento, que agora vendo – a tão perdida, envolvida em sua bolha protetora, me deixa sem saber o que fazer. Creio que foi por isso que depois de inúmeras tentativas vãs de tentar entendê-la, a aconselhei procurar Sara, que além de psicóloga é uma amiga da família. Camille cedeu, mesmo não gostando da idéia, mas sempre que chega do consultório, não diz nada sobre, respeito seu silêncio, Sara me alertou que pode ser início de depressão, mas não consigo entender o porquê, houve um momento que se Cami entrasse em depressão, eu até entenderia, visando a relação perturbada na qual ela tinha com os pais, mas agora não consigo. Afinal, ela está feliz consigo, comigo, com o nosso casamento, não está?

Eu apesar de passar uma boa parte de meu tempo enfurnado em um escritório de advocacia, sempre fiz de tudo para fazer - me presente, sempre dei o meu máximo para fazer – lá se sentir amada, cuidada e quando descobrimos sua gravidez não foi diferente, posso dizer que acabei deixando algumas horas de serviço para acompanhar etapa por etapa da gravidez, desde o ginecologista ao obstetra, até mesmo yoga comecei a fazer! Segundo minha mãe faria minha esposa relaxar e ajudaria muito quando entrasse em trabalho de parto. Mostro que me importo, a amo, cada dia um pouquinho mais do que no dia anterior, se for possível amar alguém tanto assim.

Tentei arrancar mais algumas coisas de Sara, mas não obtive sucesso, ela alegou ser invasão de privacidade da paciente, e só me alertou sobre o possível diagnóstico de minha mulher porque geralmente as pessoas mais próximas acabam sendo as mais distantes emocionalmente. Então mais uma vez me vi perdido, sem saber o que fazer para ajudá-la.

— Faz muito tempo que está aí? — A voz suave e um pouco distante de minha esposa chama minha atenção, com os olhos fixos em sua barriga sorrio. Saindo aos poucos de transe.

— Um pouquinho. — Desencosto-me da porta de madeira do nosso quarto, de onde até então a observava, e desfaço o nó da gravata para retirá-la — Você está linda. — Me aproximo vagarosamente dela, que com um sorriso tímido agradece, seu rosto ganha um leve rosado e eu me vejo mais apaixonado, mesmo depois de seis anos ao meu lado, Cami consegue corar com um simples elogio meu, e eu consigo enxerga - lá da mesma maneira que antigamente. Embora seu corpo ter sofrido algumas mudanças significativas ao passar dos anos e principalmente agora na gravidez, Camille continua sendo a menina delicada pela qual me apaixonei, suas bochechas rosadas e seu jeito acanhado de ser nunca a deixou. A inocência certamente é sua essência.

— Está tudo bem? — Busco seu olhar, mas ele é rápido em descer para nossos pés, evitando um contato visual. Levo meus braços a sua cintura, e quando a puxo em minha direção sinto-a retrair, como se estivesse com receio de algo.

Receio ao meu toque.

— Sim, só estou.... — Ela suspira, não me deixando acreditar em suas palavras — Cansada.

— Querida? — Minha esposa não meche um musculo sequer. Tento mais uma vez olhar em seus olhos, mas eles não se direcionam a mim.

— Eu estou bem — Ela me oferece um sorriso contido — Irei descer para preparar a janta, tome um banho e depois me encontre — Depositando um beijo gelado sobre meus lábios, ela começa a se afastar.

— Cami? — A chamo sentindo um aperto em meu peito.

— Sim. — Ela interrompe sua caminhada.

— O que houve? — Arrisco a perguntar, embora saiba que ela não responderá minha pergunta, assim como tem feito ultimamente.

— Nada, disse que estou bem, Rafa, só...— Me aproximo novamente dela.

— Só? — Minhas mãos vão até sua cintura, e com cuidado viro seu corpo para mim, ficamos de frente um para o outro, seus olhos me fitam como se suplicasse algo em silencio, sem minha esposa perceber. — Fala comigo Cami.

— Eu não consigo fazer isso Rafa, não consigo. — Sua voz sai arrastada, sinto meu corpo estremecer. Dói vê - lá dessa forma, principalmente quando não sei o que exatamente falar ou fazer. A prepotência torna - se uma amiga.

— Isso o que?

— Isso tudo, e principalmente ser mãe...

— Você irá conseguir meu amor, nós iremos conseguir, e minha mãe vai nos ajudar! Como ela diz, para pais de primeira viagem, é normal ter medo. — Sorrio tocando sua mão, tentando passar conforto.

— Você não entende...

— Claro que entendo. — Na verdade, não entendo. Porém, meu desejo de confortá-la, mostrar que estou com ela fala mais alto do que a verdade.

— Não, você não entende! — Exclama ela, aumentando o tom de sua voz — Esse é o problema, Rafael, você não entende por que está nessa bolha de felicidade, mas não me vê! Você não vê os meus sentimentos, as minhas dores. — Diz ela aumentando o tom de sua voz, fecho meus olhos por um instante ...

— Você vem sentindo dores? Por que não me disse? — Toco sua face com minhas duas mãos, e a olho preocupado.

— Para! — Ela grita, suas mãos tiram as minhas bruscamente.

— Cami.

— Para! — Ela gritou e o seu corpo se encolheu, como se estivesse apavorada. Ao perceber isso, ela voltou ao normal e amenizou o tom de voz — Por favor, pare.

— Mas parar com o que? Me importar? — Eu realmente não entendo o que está acontecendo.

— Parar de enxergar somente o que quer, Rafael, parar de fingir que tudo está bem porque não está bem, nada está bem aqui. — Desviando-se de mim, Cami ao invés de seguir para a cozinha, segue em direção para o banheiro de nossa suíte, e algo que nunca aconteceu, acontece, a porta é fechada a tranca.

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