A observo atentamente em frente ao espelho, seus olhos são tão expressivos enquanto olha o próprio reflexo que me levam a perguntar o que se passa em sua mente. Seu olhar passeia vagarosamente sobre seu corpo curvilíneo, sob a camisola fina de cetim, a sua preferida, até pousarem na barriga, onde suas mãos, mesmo um tanto relutantes, acariciam o ventre volumoso, beirando o sétimo mês de gestação.
Não consigo entender o comportamento de minha esposa diante a gravidez. Poderia facilmente pôr a culpa na adolescência problemática que ela teve, porém, não vejo no que isso poderia interferir em sua maternidade. Havíamos feito tantos planos para esse momento, que agora vendo – a tão perdida, envolvida em sua bolha protetora, me deixa sem saber o que fazer. Creio que foi por isso que depois de inúmeras tentativas vãs de tentar entendê-la, a aconselhei procurar Sara, que além de psicóloga é uma amiga da família. Camille cedeu, mesmo não gostando da idéia, mas sempre que chega do consultório, não diz nada sobre, respeito seu silêncio, Sara me alertou que pode ser início de depressão, mas não consigo entender o porquê, houve um momento que se Cami entrasse em depressão, eu até entenderia, visando a relação perturbada na qual ela tinha com os pais, mas agora não consigo. Afinal, ela está feliz consigo, comigo, com o nosso casamento, não está?
Eu apesar de passar uma boa parte de meu tempo enfurnado em um escritório de advocacia, sempre fiz de tudo para fazer - me presente, sempre dei o meu máximo para fazer – lá se sentir amada, cuidada e quando descobrimos sua gravidez não foi diferente, posso dizer que acabei deixando algumas horas de serviço para acompanhar etapa por etapa da gravidez, desde o ginecologista ao obstetra, até mesmo yoga comecei a fazer! Segundo minha mãe faria minha esposa relaxar e ajudaria muito quando entrasse em trabalho de parto. Mostro que me importo, a amo, cada dia um pouquinho mais do que no dia anterior, se for possível amar alguém tanto assim.
Tentei arrancar mais algumas coisas de Sara, mas não obtive sucesso, ela alegou ser invasão de privacidade da paciente, e só me alertou sobre o possível diagnóstico de minha mulher porque geralmente as pessoas mais próximas acabam sendo as mais distantes emocionalmente. Então mais uma vez me vi perdido, sem saber o que fazer para ajudá-la.
— Faz muito tempo que está aí? — A voz suave e um pouco distante de minha esposa chama minha atenção, com os olhos fixos em sua barriga sorrio. Saindo aos poucos de transe.
— Um pouquinho. — Desencosto-me da porta de madeira do nosso quarto, de onde até então a observava, e desfaço o nó da gravata para retirá-la — Você está linda. — Me aproximo vagarosamente dela, que com um sorriso tímido agradece, seu rosto ganha um leve rosado e eu me vejo mais apaixonado, mesmo depois de seis anos ao meu lado, Cami consegue corar com um simples elogio meu, e eu consigo enxerga - lá da mesma maneira que antigamente. Embora seu corpo ter sofrido algumas mudanças significativas ao passar dos anos e principalmente agora na gravidez, Camille continua sendo a menina delicada pela qual me apaixonei, suas bochechas rosadas e seu jeito acanhado de ser nunca a deixou. A inocência certamente é sua essência.
— Está tudo bem? — Busco seu olhar, mas ele é rápido em descer para nossos pés, evitando um contato visual. Levo meus braços a sua cintura, e quando a puxo em minha direção sinto-a retrair, como se estivesse com receio de algo.
Receio ao meu toque.
— Sim, só estou.... — Ela suspira, não me deixando acreditar em suas palavras — Cansada.
— Querida? — Minha esposa não meche um musculo sequer. Tento mais uma vez olhar em seus olhos, mas eles não se direcionam a mim.
— Eu estou bem — Ela me oferece um sorriso contido — Irei descer para preparar a janta, tome um banho e depois me encontre — Depositando um beijo gelado sobre meus lábios, ela começa a se afastar.
— Cami? — A chamo sentindo um aperto em meu peito.
— Sim. — Ela interrompe sua caminhada.
— O que houve? — Arrisco a perguntar, embora saiba que ela não responderá minha pergunta, assim como tem feito ultimamente.
— Nada, disse que estou bem, Rafa, só...— Me aproximo novamente dela.
— Só? — Minhas mãos vão até sua cintura, e com cuidado viro seu corpo para mim, ficamos de frente um para o outro, seus olhos me fitam como se suplicasse algo em silencio, sem minha esposa perceber. — Fala comigo Cami.
— Eu não consigo fazer isso Rafa, não consigo. — Sua voz sai arrastada, sinto meu corpo estremecer. Dói vê - lá dessa forma, principalmente quando não sei o que exatamente falar ou fazer. A prepotência torna - se uma amiga.
— Isso o que?
— Isso tudo, e principalmente ser mãe...
— Você irá conseguir meu amor, nós iremos conseguir, e minha mãe vai nos ajudar! Como ela diz, para pais de primeira viagem, é normal ter medo. — Sorrio tocando sua mão, tentando passar conforto.
— Você não entende...
— Claro que entendo. — Na verdade, não entendo. Porém, meu desejo de confortá-la, mostrar que estou com ela fala mais alto do que a verdade.
— Não, você não entende! — Exclama ela, aumentando o tom de sua voz — Esse é o problema, Rafael, você não entende por que está nessa bolha de felicidade, mas não me vê! Você não vê os meus sentimentos, as minhas dores. — Diz ela aumentando o tom de sua voz, fecho meus olhos por um instante ...
— Você vem sentindo dores? Por que não me disse? — Toco sua face com minhas duas mãos, e a olho preocupado.
— Para! — Ela grita, suas mãos tiram as minhas bruscamente.
— Cami.
— Para! — Ela gritou e o seu corpo se encolheu, como se estivesse apavorada. Ao perceber isso, ela voltou ao normal e amenizou o tom de voz — Por favor, pare.
— Mas parar com o que? Me importar? — Eu realmente não entendo o que está acontecendo.
— Parar de enxergar somente o que quer, Rafael, parar de fingir que tudo está bem porque não está bem, nada está bem aqui. — Desviando-se de mim, Cami ao invés de seguir para a cozinha, segue em direção para o banheiro de nossa suíte, e algo que nunca aconteceu, acontece, a porta é fechada a tranca.
O tique taque relógio se torna angustiante conforme os minutos vão passando. Já é oito e meia da noite, o que significa que quase uma hora se passou desde que Cami entrou no banheiro. E eu me direcionei a cama, aguardando que ela saísse de lá, para conversar. Mas agora quase uma hora depois, não posso mais esperar, odeio invadir o seu espaço, mas a preocupação toma conta de mim a cada segundo que passa. E se ela estiver sentindo algo e não me chamou por conta da raiva que pareceu estar sentindo de mim? Meu corpo se arrepia todo de medo só com a suposição.Sigo o mesmo trajeto curto até nosso banheiro, e na madeira da porta, bato enquanto encosto minha cabeça no batente dela, as palavras de minha esposa ainda estão pairadas sobre mim. Eu não entendo o que realmente se passava com minha esposa, por sua expressão tudo o que ela havia pronunciado ia além de uma primeira gr
O único barulho do quarto é o bip suave do medidor de pulsação cardíaca ligado a Cami. A expressão serena, e a respiração regulada dela me trazem alívio, mas não posso dizer que essa sensação me livra do medo, do pânico que insiste em estar presente desde que a socorri. Um murmúrio baixo sai por seus lábios, o que me deixa em alerta, arrasto uma poltrona para próximo ao leito de minha esposa, sento-me perto o suficiente para pegar sua mão, onde deposito um beijo demorado. Enquanto velo seu sono, nossos melhores momentos passam como um filme em minha cabeça. Quando olhei para a garota solitária no campus da universidade me bateu a certeza de querê-la em minha vida, clichê eu sei, mas foi isso que aconteceu, e ao passar dos anos cada um de nossos momentos, até mesmo os ruins, confirmava aquela certeza. Então veio o primeiro sim, o primeiro beijo, o primeiro toque.... Eu a amei a cada segundo que pude estar do seu lado, e eu a amei mais um p
Quando minha infância passa por meus olhos como um filme, não sinto aquela nostalgia boa que a maioria dos adultos sentem, eu simplesmente não consigo me sentir bem quando as lembranças resolvem me fazer uma visita. Estaria mentindo se dissesse que nunca fui feliz, porém foram tão raros os momentos em que a felicidade fez parte da minha vida naquela época, que posso enumerá-los nos dedos. Dos meus pais, infelizmente, só me restou uma mágoa profunda, por nunca terem me dado a vida digna de uma criança, por eles não terem me amado, por estragarem o pouco que eu tinha quando me viam felizes. Mas, apesar de todos os momentos conturbados que enfrentei ainda uma menina, sou grata a Deus por ter trazido Rafael para minha vida, e com ele a esperança de dias melhores para mim. Com o tempo descobri que não ganhei apenas um amigo, namorado e consequentemente um marido, eu havia ganhado um porto seguro. Que não importava o quão ruim estivesse minha v
Minha vista começa a embaralhar quando tento pela enésima vez manter o foco na tela do computador, um suspiro longo e frustrado foge por entre meus lábios, estou parada olhando para o mesmo lugar a quase uma hora. Há fotos a tratar, entregar e orçamentos a serem feito, mas não consigo me concentrar, não consigo ao menos avaliar as fotos que minha assistente fizera! Pouso minhas mãos sobre a mesa e sobre ela descanso minha cabeça, que continua girando, latejando desde a hora que vim do consultório de Sara. Por mais que uma parte minha quisesse se apegar as palavras dela como um bote salva vidas, algo dentro de mim não permitia, ele não só me acusava, como me convencia de que eu havia sido uma mãe negligente, que só pensou em si mesmo no instante que deixei meus receios vencerem, tomando aqueles comprimidos, esquecendo-se totalmente do ser inofensivo que habitava dentro de mim. Um novo nó
Assim que fecho a porta principal de casa, meu olhar acompanha Cami, que depois de jogar sua bolsa no sofá, caminha em direção a cozinha, faço menção de acompanha-la com o propósito de retomar a conversa que iniciamos na clínica, mas meu celular toca interrompendo-me, minha mulher olha para mim brevemente, mas logo volta sua atenção para o que fosse que estivesse fazendo. Apanho meu aparelho celular no bolso da calça, e sorrio por ver que é minha mãe. — Oi mãe, tudo bem? — Indago com um sorriso em minha face, busco os olhos de Cami mais uma vez, eles me fitam, seus lábios curvam-se em um sorriso ameno. —Se está tudo bem? Como tem coragem de me perguntar isso depois de me abandonar? — Tento controlar minha risada por ver que apesar de estar fazendo seu drama rotineiro, minha mãe fala sério, uma risada e ela com certeza m
— Cara, você está péssimo. — Gustavo, meu sócio do escritório murmura assim que adentra minha sala, sem bater, por sinal. Desvio minha atenção da tela do computador e arqueio as sobrancelhas. — Invade meu escritório para falar de minha aparência? Sério Gustavo? — Ele ri se jogando todo esparramado na cadeira a minha frente, o observo por um tempo, então bufo sabendo o que provavelmente o levara em minha sala. — O que houve dessa vez? — Pergunto, afrouxando minha gravata, meu amigo ri nervoso então deita a cabeça em minha mesa. — A mulher está louca cara — Diz, se referindo sua mulher, que só aceitou assinar o divórcio deles, se o mesmo lhe pagasse uma quantia absurda de indenização (qual deixaria a conta bancária do meu amigo limpa), por que segundo ela, a parte que pede divorcio se
Rejeitada. Palavra e sensação que desde muito nova odiei. Com as intermináveis brigas de meus pais, eu me sentia assim corriqueiramente, não podia fazer nada, mas esse fato não me impediam de me por entre eles quando se empurravam, agrediam entre si, ambos gritavam comigo, mas ao invés de me amuar em algum canto, eu permanecia ali, em fogo cruzado, e essas minhas ações me proporcionou uma coleção de roxos – quais eu tentava sempre cobrir com as maquiagens de minha progenitora. Apanhei muito acreditando que um dia poderia fazê-los parar de brigar, fazê-los me amar, porém, conforme os anos foram passando, e minha mente foi amadurecendo, aprendi que nada os faria me amar, me aceitar. Aprendi que ser rejeitado por quem deveria nos acolher, embora por muito tempo pareça, não é nossa culpa, não é minha culpa. Mas esse meu saber não impede que eu me sinta assim agora na fase adulta, e embora c
Um sorriso estica meus lábios, com a imagem de meus pais rindo de algo no jardim, mamãe como de costume quando vem para o chalé está com um chapéu exageradamente grande cobrindo sua cabeça do sol, suas mãos habilidosas cortam algumas ervas daninha no meio de suas roseiras. Papai a assiste como se ela fosse o seu entretenimento preferido, vejo amor em seu olhar, muito amor, que chega ser um tanto que contagiante a energia que os dois emana sempre que estão juntos, faço uma busca rápida em minhas lembranças, e eu não consigo lembrar de algum momento ter sido diferente, nem mesmo na época que mamãe ficara debilitada, e eu um jovem festeiro. O companheirismo que os acompanha no decorrer de suas vidas é invejável, com certeza. Me pergunto se Cami e eu teremos algo semelhante em alguma fase de nossas vidas, a um certo tempo pude jurar estar no caminho certo, no caminho de um casamento quão bonito quanto ao dos meus progenitores, porém agora sin