Um enorme Galeão robusto e pesado, de estrutura imponente se erguia como um monstro negro na noite, suas fileiras e mais fileiras de velas ondulantes tremeluzindo orgulhosas contra as rajadas de vento, exibindo embevecido as indiscutíveis aberturas dos seus vinte e sete canhões, o castelo de proa criando uma rotunda inexplicavelmente extraordinária contra o azul petróleo escurecido do céu. Azeviche lustroso alisando cada pedaço do enorme e monstruoso navio negro. Ponteiras brilhantes de ouro puro decoravam as laterais da murada e da proa, cordames negros pendendo a estibordo e descendo até a terra. O nevoeiro branquicento rastejando ao seu redor e subindo por suas estruturas em uma reverente marcha lânguida.
Um monstro.
Um terrível e belo monstro rudimentar do mar.
Era um claro limite onde a beleza se mesclava de forma indireta à monstruosidade barbárie.
Waverly cristalizou por inteiro diante da visão, o coração ameaçando explodir contra a caixa toráxia enquanto engolia o pavor que veio violento sobre ela, enegrecendo cada parte de sua visão.
QUEEN'S HANSEY.
Não havia nenhuma dúvida sobre isso.
Até porque, ao redor dele, outras nove embarcações menores, mas ainda potentes e longas ancoravam soturnas, atracadas no costeio do imenso Galeão, as mesmas bandeiras balançando sobre a ponta dos mastros. Peões protegendo o temeroso Rei num grande tabuleiro turbulento e nebuloso.
A Irmandade de Hansey estava em Alladieren.
Engolindo seu fôlego, Waverly correu.
♔
Waverly já sentira pavor antes, especialmente quando percebera que a coisa toda se tratava de piratas.Mas nada se assemelhava àquela tempestade feroz e impetuosa que agora golpeava seu peito, estilhaçando-a e enviando lascas afiadas de medo por toda sua estrutura, arranhando e desconcertando tudo que estivera certo até ali. Pavor mudo rompeu sobre ela, negro e pesado.
QUEEN'S HANSEY abortara em Alladieren.
Queen's
Hansey!!!Se ela soubesse disso de antemão, não teria cometido a estupidez de descer ao reino.
Oh, que mentira. Teria sim.
Era idiota o suficiente a este ponto.
O que diabos ela não faria por seu pai, além de zaranzar à noite pelo reino quando os temíveis e demoníacos piratas do Queen's Hansey rodeavam as fronteiras? Teria dado na mesma enroscar seu traseiro em um anzol gigante e ter se oferecido como isca aos tubarões.
"Piratas, Waverly, PIRATAS!". Homens nojentos, cheios de dentes podres, com problemas de calvície, barriga saliente como um melão maduro, unhas enegrecidas, com recorrentes falta de membros_ sobre tudo pernas e mãos_, com tapa olhos, pele enrugada, péssimo hálito e obstinadamente fedendo a rum. Estes, ao menos, eram os piratas comuns. Quanto aos do Queen's Hansey, ela apenas duplicou e distorceu cada característica, e a imagem que brotou em sua mente foi o suficiente para que ela apertasse os passos, transformando-os em uma corrida desesperada pela vida enquanto atravessava a ponte, seguindo em direção a Catedral. Já não possuía mais tanta certeza sobre voltar ao castelo. De repente, a ideia de voltar a tirar o nariz para fora de casa assim que estivesse dentro dela lhe assombrava de uma maneira excruciante.
Talvez, se ela se trancasse com seu pai dentro da capela, as coisas estivessem bem.
Os piratas não ousariam, não é?
Waverly gemeu.
Não havia como saber. Não quando os piratas em questão pertenciam ao Queen's
Hansey.Talvez seus primeiros alvos de destruição fossem Igrejas e Catedrais.
"Oh! Acalme-se, Waverly... acalme-se!".
Mas não havia como. A cada passo da corrida, imagens do temível navio se enroscavam em sua mente como uma lembrança pertinentemente insistente e ameaçadora, e sua esperanças de terminar a noite em segurança esgotavam-se com sucesso.Como Alladieren lidaria com o maldito Quee's
Hansey???Apesar do enorme exército alladieriano ser letal em todas as suas extensões, os boatos dos quais se tinham notícia era de que os tripulantes da Irmandade Hansey eram verdadeiros demônios.
Seria uma massacre, de ambos os lados.
E ela apenas preferia que seu traseiro não estivesse no meio de tudo.
Tal era seu desespero, que ela prontamente avaliou as possibilidades de cavar um buraco no chão e se enfiar nele até a primavera seguinte.
Waverly chegou do outro lado da ponte.
Apertando a grossa cruz pendurada no colar ao redor do pescoço com os dedos trêmulos, ela desgustou o poder desenfreado do medo, conhecendo todas as suas extensões. O movimento impensado fez com que a capa voasse para longe de si, mechas que haviam escapado do penteado balançando em meio ao vento, as saias do vestido se enroscando nas pernas e quase a enviando ao chão.
Neste momento, Waverly prontamente odiou a ventania da enseada.
Waverly se virou, considerando nervosa a distância para a qual a capa havia voado, atravessando o ar como um pássaro e naufragando no escuro da noite.
Foi quando uma mão a pegou no ar, tão precisa quanto qualquer outra coisa na qual ela poderia ter pensado.
Uma mão. E ela possuía um dono.
Waverly congelou perante a visão que se solidificou a poucos passos dela, um mundo de escuridão circulando dois olhos intensamente verdes e um poder devastador emanando deles como explosões de pólvora.
O inferno formigou, e Waverly tropeçou para trás.
Bom Deus, bom Deus...
O portador de sua capa a balançou no ar.
- Ora, ora... Mas o que temos aqui?
Waverly estava irredutivelmente perdida.Ela soube disso assim que vislumbrou o pirata à sua frente.E ele não era nada como ela achava que um pirata seria... foi a primeira coisa que lhe ocorreu quando teve certeza de que não despencaria para algum desmaio nos próximos segundos.A segunda, foi todo o resto.Ele era alto. Trajava uma espécie de fraque escuro aberto em V no peito, exibindo uma grossa corrente de prata repousada sob as linhas fundas de um peitoral esculpido e espantosamente definido, a cor da pele beirando o mel silvestre. Golas altas contornadas por lhama entrelaçada. As mangas levemente bufantes desciam até os pulsos, onde abotoaduras de jaspe brilhavam soturnas, um cinto grosso cruzava seu quadril estreito, que carregava uma linda espada dourada pendurada em um boldrié cravejado em rubis. As calças de couro eram lisas, suas pernas desaparecendo dentro de canos longos e lustrosos das botas negras. O punho entalhado de uma Arcabuz aparentemente cara se projetando por o
― Este foi um grande erro, sua pequena coisinha feroz.Waverly lutou, esperneou e chutou, mas a força do pirata era incrível. Ele logo deteve seus pulsos acima da cabeça sem muitas dificuldades enquanto pairava acima de si, uma nota clara de advertência cruzando seus olhos.― Eu não sou nenhuma coisinha! ― ela grunhiu enquanto tentava se libertar, se torcendo sobre o solo como uma minhoca acuada ― Ora, largue-me! Largue-me imediatamente! Seu... seu... seu pirata!Ele franziu o cenho enquanto a prendia mais firme, encerrando a luta de uma forma definitiva.― Isto deveria ter sido um insulto?Ela executou uma última tentativa de se libertar, mas o aperto de ferro em seus punhos era letal, e suas forças eram apenas cócegas no poder esmagador de todos aqueles músculos trabalhando juntos. Ela tentou não se ater muito sobre isso, especialmente porque todos estes músculos em questão estavam a poucos centímetros acima de si, nublando sua visão de uma forma bem desagradável.Ainda assim, ela p
O jovem guarda atravessou o salão de festa como um relâmpago moreno.Chase Blackthorn estava apavorado, no sentido mais minimalista da expressão. Era ainda jovem demais para entrar nas linhas de frente de batalha, por isso a importante tarefa de transferir as recentes notícias ao rei e à rainha estava em suas mãos.Chase havia nascido "fillius nullions", filho de ninguém, tal qual apontava a expressão em latim. Ninguém sabia sobre seu passado, nem mesmo ele. Fora encontrado vagando pelas ruas do reino ainda em seus quatro anos, e depois, fora trazido para dentro do castelo real pela rainha, que o encontrara perdido em meio a uma manada de ovelhas bloqueando a passagem da carruagem. Chase ouvira muitas histórias durante aqueles longos anos, entre elas, a hipotética suposição de alguns criados sobre a decisão da rainha Khiera em quase adotá-lo como um filho, lhe concedendo abrigo, educação e cuidados médicos, ações que advertiram a todos que os gestos benevolentes se davam ao desastre q
Waverly tropeçou em um monturo de terra pela enésima vez.― Ora, vamos Srta. Wayternoom... estamos atrasados.Waverly sabia que aquele pirata era um sério problema com "P" maiúsculo desde o momento em que o vira. Tudo em seus um metro e noventa e poucos de pura massa muscular e sorriso malandro delatava isso.Um problema para o qual ela ainda não estava pronta.Era apenas uma garota de dezessete anos, não um dos membros de artilharia do castelo. Uma garota que estava fazendo mais cálculos mentais, mapeando o território ao redor de si numa busca ínfima por formigueiros. Haveria alguma possibilidade de que ela conseguisse ser mais rápida? Ao receber um pequeno puxão e um olhar esverdeado de repreensão, ela detectou o óbvio: Não.Ora, um Problema daquele tamanho enfiado num formigueiro não teria sido uma má ideia. Ele devia admitir.― Você não pode, simplesmente não pode fazer isso... ― ela murmurou, continuando a caminhar de um jeito meio torto pelo caminho íngreme enquanto o pirata a s
Ela se debateu novamente, uma verdadeira fúria desembocando por seus sentidos agora e saindo em forma de palavras enquanto ela tornava o trabalho de lhe escoltar mais difícil do que estava sendo no início.― Você não perde por esperar! O rei vai estripar você como um peixe! E a rainha!? Rá! Ela vai perfurar seus olhos com palitos de dentes e se certificar de que você nunca se esqueça de que NINGUÉM invade Alladieren! Nenhum pirata convencido metido a...Ele a chacoalhou, parando no caminhonovamente, e Waverly mordeu a língua no meio do processo.Mas diferente de tudo que ela pensou, ele não se enfureceu nesta parte. Diferente disso, seus olhos agora expressavam interesse vítreo.― Você parece ser extremamente fiel a ambos.― Bem... eles nunca me sequestraram e nem me amarraram em uma pilastra! Tão pouco já ameaçaram me amordaçar.Capitão Hansey piscou.― Fale-me sobre eles.Chocada, Waverly deixou que seus olhos crescessem nas órbitas.― Nem que por isso você me deixasse atravessá-lo
Ela se debateu novamente, uma verdadeira fúria desembocando por seus sentidos agora e saindo em forma de palavras enquanto ela tornava o trabalho de lhe escoltar mais difícil do que estava sendo no início.― Você não perde por esperar! O rei vai estripar você como um peixe! E a rainha!? Rá! Ela vai perfurar seus olhos com palitos de dentes e se certificar de que você nunca se esqueça de que NINGUÉM invade Alladieren! Nenhum pirata convencido metido a...Ele a chacoalhou, parando no caminhonovamente, e Waverly mordeu a língua no meio do processo.Mas diferente de tudo que ela pensou, ele não se enfureceu nesta parte. Diferente disso, seus olhos agora expressavam interesse vítreo.― Você parece ser extremamente fiel a ambos.― Bem... eles nunca me sequestraram e nem me amarraram em uma pilastra! Tão pouco já ameaçaram me amordaçar.Capitão Hansey piscou.― Fale-me sobre eles.Chocada, Waverly deixou que seus olhos crescessem nas órbitas.― Nem que por isso você me deixasse atravessá-lo
A trilha desembocava nas muralhas rudimentares do castelo, saindo bem à frente dos enormes portões negros em formato de V virado, a enorme clareira que se agigantava esplêndida cercando o único caminho largo que levava até O Palácio Real de Alladieren. E para extrema surpresa de Waverly, Capitão Hansey fez questão de chegar calmamente por este caminho. As enormes torres hexagonais da grande construção apontavam para os céus escuros como um suplício, e Waverly sempre se perdia quando observava a cena daquele ângulo. Pensando bem, o castelo se parecia muito com capitão Hansey. Intenso, devastador e parecendo implorar por algo como um suplício silencioso. Ele, em si, já era uma espécie de súplica.E bem, ele também a estava deixando bastante perdida desde que resolvera pôr os olhos nela.E outras partes do corpo também. Coisa na qual Waverly decidira não pensar enquanto dependesse da originalidade de seu cérebro para escapar daquela situação. Ela duvidava que ele fosse continuar funcio
Waverly deixou escapar seu fôlego com certo alívio, ainda que não imediato.― Viu só? ― Hansey sussurrou em sua orelha.― Pare de sussurrar na minha orelha! ― ela enviou o cotovelo para trás, esperando afundá-lo no abdômen definido do pirata, já que a promessa de viver pareceu dar-lhe alguma coragem extra, no entanto, foi como bater em uma parede.― Estou, por acaso, lhe deixando tensa, milady?Waverly pensou ouvir seu coração grunhir, mas se negou a responder, imaginando que seria seriamente castigada se ousasse continuar mentindo de forma tão descarada. Ora céus... para onde foram parar todos aqueles preceitos religiosos que lhe foram passados desde os dois anos de idade e que ela se empenhara em manter em funcionamento até aquele dia?Ah sim, estavam se derretendo por um pirata. Que a propósito, a estava usando como refém.Waverly talvez considerasse se autoflagelar da próxima vez que conseguisse reunir toda sua sensatez novamente.Se um dia conseguisse.― Você é tão tonto! Não ent