Refém

― Este foi um grande erro, sua pequena coisinha feroz.

Waverly lutou, esperneou e chutou, mas a força do pirata era incrível. Ele logo deteve seus pulsos acima da cabeça sem muitas dificuldades enquanto pairava acima de si, uma nota clara de advertência cruzando seus olhos.

― Eu não sou nenhuma coisinha! ― ela grunhiu enquanto tentava se libertar, se torcendo sobre o solo como uma minhoca acuada ― Ora, largue-me! Largue-me imediatamente! Seu... seu... seu pirata!

Ele franziu o cenho enquanto a prendia mais firme, encerrando a luta de uma forma definitiva.

― Isto deveria ter sido um insulto?

Ela executou uma última tentativa de se libertar, mas o aperto de ferro em seus punhos era letal, e suas forças eram apenas cócegas no poder esmagador de todos aqueles músculos trabalhando juntos. Ela tentou não se ater muito sobre isso, especialmente porque todos estes músculos em questão estavam a poucos centímetros acima de si, nublando sua visão de uma forma bem desagradável.

Ainda assim, ela puxou de novo, e ele a prendeu mais firme.

― Posso fazer isso a  noite toda.

Ela rugiu.

― Pensei que tivesse um reino para saquear. Algo sobre uma suposta pilhagem.

― Não sou o único pirata do Queen's Hansey.

― Selvagem!

Ele cerrou a mandíbula.

― Escute algo, Srta. Winodoom; ao longo dos anos, terríveis valentões do mar morreram por muito menos. Chutar-me não foi nem de longe a coisa mais inteligente que você já fez em sua vida, e agradeça imensamente o fato de não haver nenhuma outra pessoa por perto para ocupar seu ilustre cargo para a noite, se não... ― ele deslizou os olhos por ela, se concentrando em todas as suas extensões, e ela engasgou com a sombra que se alojou em suas íris ao voltar a seus olhos ― As coisas ficariam bem complicadas para você. Não queira conhecer os verdadeiros motivos pelos quais seria correto me chamar de Selvagem.

Oh Deus... ele queria matá-la.

Com um puxão, ele se pôs de pé e a trouxe com ele.

― Agora, não tente mais nenhuma outra gracinha.

Waverly se achou incapaz de falar enquanto ele a escoltava até os pilares de alabastro que sustentavam a fina estrutura do grandioso e escuro salão da Catedral, e chocada observou as muradas que costeavam a enseada, onde um cordame negro atrelado a uma espécie de âncora encurvada como um punho semi fechado se enroscava. O cordame levava até... um escaler atracado na costa, ao lado de um outeiro. Mas que maldição! Era óbvio que a frota de navios da Irmandade atracara do outro lado do reino como uma distração, para que este maldito pirata pudesse desembarcar na outra. Mas por quê?

Fosse como fosse, ela correra para ele como uma idiota, praticamente se oferecendo como uma refém em potencial. Oh, Waverly sabia que deveria ter ingressado no convento. A estas horas, estaria dentro da firme estrutura de pedra no outro lado do reino, rezando algum terço e bem protegida abaixo de uma cama.

Mas não... ela era apenas uma dama bem nascida, sozinha e desprotegida em meio a noite escura enquanto um pirata a... a amarrava em uma pilastra???

― Oh, não! ― Waverly passou a se debater novamente ― Não, não mesmo!

Ele a trouxe para si, e as costas de Waverly se colaram em toda sua... Compleição física. Devastadoramente incrível. A linha de sua espinha tensa se grudando nas curvas fundas delineando o peitoral do pirata. Tudo era quente e rígido. Brioso e inconstante como o mar.

― Quieta.

Não era como se ele precisasse ordenar.

Ele a encaminhou para a pilastra grossa, a empurrando de costas contra ela e unindo seus pulsos atrás da mesma. Com apenas um movimento rápido de mãos, ele rasgou seu manto ao meio.

Waverly voltou a se debater.

― Oh, não ouse!

Ele voltou a empurrá-la contra a pilastra, e ela mastigou um esgar fundo.

― Ah, eu ouso sim.

― E-este manto nem mesmo era meu!

Ele se pôs a sua frente, entediado no dever de amarrar seus pulsos atrás da estrutura fria da pedra. Ele não podia fazer estes malditos e demorados nós lá atrás!?

― Então lembre-me de mandar futuras recordação ao antigo dono. Sem ele, eu não disporia de uma boa amarra no momento, e poderia acabar tendo que usar seus cabelos.

Waverly o fuzilou com o olhar, e se arrependeu instantaneamente do ato impesado.

Porque ele estava bem a sua frente novamente. Próximo demais. Perigoso demais. Bonito demais. Olhando de perto, ela percebeu que era impossível decidir qual parte de seu rosto era mais atraente. A leve marca em forma de Z em uma das sobrancelhas? A sombra que a barba rala criava contra as maçãs firmes do rosto? O tom caramelo de sua pele? A curva definida e ambívia do maxilar? Ou... Oh céus... os caminhos redondos e quase hipnóticos de seus lábios? Ela nem ousou averiguar as pálpebras escuras, tão pouco teve a audácia de descer os olhos para o peitoral quase todo a mostra, o tom de pele ali evoluindo para algo mais intenso e escuro, como açúcar derretido.

Mas ela olhou.

A figura em sua corrente era um dragonete com olhos de rubi. E a calidez de sua pele à mostra era tão palpável quanto qualquer coisa na qual ela pudesse pensar. Era rude, incipiente, brutal.

Compelido em sua tarefa, ele deu um último nó em seus pulsos, enrolando o restante da extensão do manto rasgado em seu tronco, e ao deslizar os nós dos dedos na curva funda de sua cintura, seus olhos se acenderam de repente, subindo alertas até os olhos de Waverly e se deparando com os mesmo o obervando, perscrutando cada movimento. Waverly sentiu seu rosto quente, no entanto, só conseguiu engolir pesadamente perante o ardor taciturno daquela maré violenta de verde sobre ela. Sem se deixar abater, ele continuou com seus nós, sem deixar os olhos de Waverly, e ela quase podia jurar que estava sentindo o início de algum derrame nos próximos segundos.

Quando finalmente terminou, Waverly não pode deixar de notar o toque quente da palma de suas mãos esbarrando propositalmente em sua cintura quando as afastou.

― Vê algo que goste, Srta. Waysiloon?

Oh, ela poderia fazer uma extensa lista. Mas treinando sua pior careta, ela devolveu-lhe um olhar hostil, espaventando seus cílios.

― W-I-S-T-E-W-D-O-N. É Wistewdon, seu homem vil! É fácil de entender, a menos que você seja alguma espécie de analfabeto. E sobre sua pergunta, penso que gosto desse caminho ali atrás, que me levaria para muito longe de você.

Ele não pareceu se importar com suas ofensas.

― Talvez eu precise dizer que sua cortesanice esteja começando a me irritar... ― ele zombou, se afastando e procurando por algo em cima de um dos bancos de madeira costeando uma mureta de arbustos. ― E sabe, não gostaria de me ver irritado. ― ele deduziu, pegando uma luneta.

Waverly voltou a se perguntar em que espécie de encrenca havia se metido ao observá-lo firmar um dos pés sobre um degrau na murada e observar o anco da costa ao longe, tentando ao máximo ignorar que ele era simplesmente o homem mais incrível que ela já vira, pirata ou não. Havia uma perfeição oculta em todos os seus gestos, como se eles fossem minuciosamente estudados antes de serem postos em prática. Seus ombros eram largos, e algo nas curvas de seu esterno forte faziam um tremor percorrer cada uma de suas veias, chacoalhando tudo em seu interior e transformando tudo numa grande bagunça. Sim, aquele homem definitivamente chegara para fazer muita, muita bagunça.

Desde pequena, Waverly_ assim como todas as outras jovens do reino_, havia mantido uma pequena paixão secreta pelo rei e seus intensos olhos azuis. Rhajaran havia sido o homem mais impressionante que ela já vira, e Waverly costumava pensar nele como “estonteante”. No entanto, mesmo que procurasse intensamente por sua mente, não conseguia achar uma palavra adequada para descrever aquele pirata. Porque nenhuma palavra que ela conhecia parecia ser suficiente ou abranger tudo de uma vez só.

Imaginava que nada como “estonteante” fosse valer, já que ele estava obviamente a usando como refém e a havia amarrado a uma pilastra.

Homem horroroso. Horroroso.

― E o que pretende fazer comigo? Vai por acaso jogar-me aos tubarões?

Ele parecia extremamente interessado em algo que acontecia nas proximidades do Queen's Hansey.

― Oh, isso não faria. O capitão certamente não gostaria.

Waverly se dignou a reprimir o gemido de alivio.

― Bem, ao que parece o capitão é um homem melhor que você.

Interessado de repente, ele baixou sua luneta, desviando sua atenção para ela. Seus olhos agora possuíam um brilho feroz.

― Bem, ele geralmente é.

― Pois bem. Me lembrarei de citar ao seu capitão os modos rudes pelos quais fui tratada esta noite, seu pirata. Talvez eu ainda o veja andando na prancha por tudo isso.

Ele levantou uma sobrancelha negra com um ar hostil estampado nas feições.

― Modos rudes? Mademoiselle, é óbvio que ainda não foi tratada rudemente para falar desta maneira. ― ele voltou a descer seus olhos por ela, e Waverly voltou a sentir o beliscão quente do rubor invadir suas bochechas ― Mas não me admira. Jogaria uma frota de navios que está para ingressar em algum convento nos próximos dias.

Waverly se sentiu intimamente ofendida nesta parte, descendo os olhos por si mesma, surpresa.

― Oh... o que há em mim que lhe afirme sobre isso?

Ele lhe enviou um olhar que dizia “sério”?

― Tudo. ― ele fez um gesto com os dedos, como se fosse óbvio ― Começando por seu vestido, todo pudico. Ainda não consegui discernir se é um mantelete ou uma mortalha. O crucifixo também ajuda muito. E ainda tem o resto.

― Q-que resto!? ― ela quase teve medo de perguntar.

Ele deixou a murada, se aproximando dela como um felino raivoso. Havia uma verdadeira seriedade em seus olhos agora.

― É óbvio que é uma dama casuísta. Não parou de me passar lições de moral desde que pôs os olhos em mim. Provavelmente será uma espécie de santa quando morrer. Virgem.

Waverly apertou os olhos com raiva... porque sabia que ele estava certo. E sua exatidão em compor fatos era irritante.

― E você, talvez seja alguma espécie de verme rastejante do mar, quando morrer. Ou talvez se torne algum cão do inferno.

O pirata trincou a mandíbula.

― Srta, acho que irei amordaçá-la.

― Se prepare para a mordida mais inacreditável de sua vida.

Ele se inclinou sobre ela, sussurrando ferozmente.

― E não me surpreenderia se ela infeccionasse.

Tudo que Waverly pode fazer, foi lhe enviar um olhar de puro ódio. Mesclado a impotência colossal que se abateu sobre ela ao tê-lo tão próximo novamente. Porque ele tinha que fazer aquilo? Já era o suficientemente difícil pensar coerentemente com ele estando distante. E céus... ajudaria muito se ele não fosse tão... tão...

Oh, droga.

Tão daquele jeito.

― Tem sua pilhagem. ― Waverly o acusou com prontidão ― O saque também muito provavelmente proporcionará um massacre. O que valho nisso tudo? Porque precisa de um refém? Sou apenas uma casuísta devota e sem nenhum atrativo especial. Porque apenas não me deixa ir?

Por um momento, Waverly detectou uma pontada de familiaridade em seus traços... sobretudo, na forma curva e elegante de seus lábios, ou no desenho régio do nariz reto, mas não soube dizer de onde aquele sentimento vinha. Seus olhos se acenderam com algum tipo de chama verde, e ele demorou um tempo a responder, e Waverly quase imaginou que ele poderia até ser agradável de um modo, inesperadamente levantando a mão e tirando-lhe uma mecha do cabelo castanho caju da frente dos olhos.

E o sorriso zombeteiro estava lá de novo, estragando tudo.

― Porque você, minha pequena santa, me porá dentro do castelo.

Ecoando surpresa, Waverly não impediu que seu queixo caísse aberto.

― Ora, seu...

Nesse instante, um som agudo rasgou os céus, cortando sua frase ao meio. Ambos transferiram a atenção para as nuvens escuras, onde uma linha interjacente e avermelhada criava uma trilha, estourando em milhares de partículas brilhantes e vibrantes.

― O que... o que á aquilo? ― Waverly perguntou curiosa.

O pirata a cobriu como uma sombra.

― Aquilo é a nossa deixa, Srta. Wyntersoon. Hora de ir.

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