Fúria Feminina

O jovem guarda atravessou o salão de festa como um relâmpago moreno.

Chase Blackthorn estava apavorado, no sentido mais minimalista da expressão. Era ainda jovem demais para entrar nas linhas de frente de batalha, por isso a importante tarefa de transferir as recentes notícias ao rei e à rainha estava em suas mãos.

Chase havia nascido "fillius nullions", filho de ninguém, tal qual apontava a expressão em latim. Ninguém sabia sobre seu passado, nem mesmo ele. Fora encontrado vagando pelas ruas do reino ainda em seus quatro anos, e depois, fora trazido para dentro do castelo real pela rainha, que o encontrara perdido em meio a uma manada de ovelhas bloqueando a passagem da carruagem. Chase ouvira muitas histórias durante aqueles longos anos, entre elas, a hipotética suposição de alguns criados sobre a decisão da rainha Khiera em quase adotá-lo como um filho, lhe concedendo abrigo, educação e cuidados médicos, ações que advertiram a todos que os gestos benevolentes se davam ao desastre que acontecera vinte e um anos antes.

O sequestro do príncipe Aaron.

Chase não sabia como se sentir perante a alusão de tomar o lugar do primeiro filho do casal real com tanta vulgaridade, o que o incentivara a observar a instrução militar dos guardas reais nas imediações do castelo todos os dias.

Foi assim que ele cresceu, treinando toda a arte da luta corporal e prometendo a si mesmo proteger os únicos pais que ele conhecera: o rei e a rainha.

Agora, suas pernas tremiam com a perspectiva de falhar no seu objetivo de vida.

Era jovem demais para se permitir acreditar que seria de alguma valia. Tinha apenas dezessete anos, por mais que fosse mais evoluído nas artes da guerra que muito dos soldados mais velhos, e era por este motivo que ainda não lhe era permitido sair do castelo e enfrentar os piratas.

Ao invés disso, teria que enfrentar o rei e a rainha.

E por Deus... não sabia qual das duas hipóteses se provava como sendo a pior.

Chase se jogou contra as portas da câmera do rei, satisfeito ao constar que haviam guardas por toda parte quando ele caiu para dentro.

A rainha Khiera e o rei Rhajaran se encontravam no meio de alguma discussão acalorada quando ele irrompeu portas adentro, a rainha derrubando uma grande bandeja de taças de vinho quando pulou em

seu lugar.

Ela soltou uma imprecação.

Chase segurou seu riso. Estava alarmado demais para pensar em rir. Khiera Amarie era a única rainha dentro dos Estreitos que soltaria um palavrão e continuaria absolutamente graciosa no processo.

Mesmo sendo muito mais velha que ele, era impossível ignorar toda a fluidez feminina que ela exalava, seus longos cabelos dourados presos em coque adornado em joias, cachos longos escapando pela nuca e chegando a cintura. Sim, altamente impossível. O rei Rhajaran parecia sofrer do mesmo mal, já que era sempre flagrado sondando a esposa com uma intensidade quase palpável. O olhar de quem já abdicara do trono uma vez, por ela.

Chase costumava se espelhar muito nele, imaginando que, quando tivesse uma esposa, lhe enviaria aquele tipo de olhar. O rei era alto, ombros e feições suaves e fortes ao mesmo tempo. Seus brilhantes e intensos olhos azuis eram a intensa loucura das mulheres da vila mesmo beirando os seus quarenta e dois anos, e nenhum fio de cabelo branco se misturava aos seus cabelos escuros e ondulados. Era tão jovem que Chase sempre conseguia se perguntar como aqueles dois haviam transformado Alladieren em tudo ela era.

A mesma Alladieren que estava prestes a ser saqueada por...

― Cha-yse! ― Khiera gritou de repente, o acordando do estupor e enviando um tique nervoso por todos dentro da sala ― É ótimo que tenha chegado! Eu realmente espero que tenha notícias e uma boa explicação sobre terem nos confinado dentro deste cubículo justo na hora de cantar "os parabéns" para Katherinne. E pelos céus, diga-me que você tem alguma m*****a ideia de onde Suheila está. Espero que haja algo realmente pertinente sobre o fato de ela ainda não ter chegado para o aniversário da própria sobrinha! E por favor, me diga que o príncipe Bronnie não passou pelos portões hoje... foi ele não foi? O que Jessamine aprontou desta vez?

Rhajaran rapidamente se pôs ao seu lado, deslizando uma mão por sua cintura e atraindo a atenção da rainha para si com um leve puxão.

Um único olhar. Foi o suficiente para que os ombros tensos de Khiera caíssem mais calmos, seus cílios parando de bater com picardia de repente. Toda sua pequena e nervosa estrutura se abrandou, como um mar revolto se tornando ameno de repente.

Ela piscou de leve, os cantos de sua boca se baixando austeros.

― Kia... tenha calma.

Chase desviou o olhar, sentindo como se estivesse bisbilhotando um momento que não deveria nem mesmo estar presenciando, suas bochechas esquentando de repente, seu fôlego da corrida ainda pulando em seus pulmões com tenacidade.

― Chase. ― a voz clara e direta do rei cortou o ar até ele, a autoridade implícita em cada nota dando a sensação que lhe chamaria a atenção imediatamente mesmo que estivesse do outro lado do oceano. Rhajaran tinha aquele timbre de voz. Ele não precisava gritar para ser ouvido.

Na maioria das vezes, não precisava nem falar.

― S-sim senhor, Senhor?

Chase apertou os olhos com força. Maldito idiota. Ele apenas se sentia mais jovem cada vez que enfrentava o poderio daquele olhar azul cobalto.

― O que está havendo fora dos portões de Alladieren?

― H-há muitos deles, senhor... tomando a costa e possivelmente o restante do reino. Ainda não possuo inteiro conhecimento da situação atual, mas as possibilidades não são boas.

O cenho de rei se franziu numa careta.

― Quem está tomando a costa?

― S-s-são...-

― Pelos santos, Chase... Fale como um homem!

Chase suava frio.

― P-piratas. Quero dizer, Piratas, senhor.

Diferente de tudo que ele esperava, a primeira reação veio da rainha Khiera, que voltou a pular onde estava, seus olhos se esbugalhando de repente.

― Piratas!?!? Que tipo de piratas!? Quero dizer, quais piratas?

Como o rei esperou pela reposta com um inclinar de sobrancelhas, Chase soltou a granada com um esgar.

― É o Queen's Hansey.

Os guardas pela sala empalideceram, como se o nome fosse capaz de pesar notoriamente em cada um de seus membros, no entanto, o rei apenas franziu o cenho, firmando as mãos nos quadris.

― Ora, mas que ordinários...

No entanto, Khiera parecia com alguém que fora picada por uma abelha, caminhando de um lado para o outro na câmera enquanto pensava em voz alta.

― Queen's Hansey em Alladieren? Isto não pode estar acontecendo! Isto não pode estar acontecendo! ― ela trotou até um dos guardas, arrancando a espada da bainha do mesmo e a brandindo com fúria pelo ar. ― Estes cretinos do mar vão ver com quantas velas se constrói um navio!

Rhajaran lhe enviou um olhar curioso, e Chase se perguntou se a fagulha brilhante que apontava em suas íris azuis fosse uma clara prova de que ele estava se divertindo com a situação. Chase piscou, lutando para entender aqueles dois pelo que lhe parecia ser a milésima vez apenas naquele dia.

― Kia, a irmandade Hansey possuí DEZ navios e alguns muitos piratas sedentos de sangue no seu costeio, só para o caso de você não saber. Sabe, grandes bestas do mar que foram cruzadas com ogros e tendem a possuir uma fantástica desenvoltura com armas letais. E aproveitando a ocasião, poderia me dizer que diabos pretende fazer com esta espada?

A rainha apertou os olhos esverdeados com selvageria, a espada com quase o dobro do seu tamanho vacilou pelo ar quando ela a baixou.

― Vou me certificar de furar alguns olhos e deixar claro que NINGUÉM saqueia Alladieren, seja pirata ou não! Estou certa de que alguns traseiros precisam ser jogados ao mar hoje...― ela sentenciou, trotando porta afora e deixando um rei embasbacado e totalmente perplexo para trás, alguns segundos antes de outra figura feminina tropeçar para dentro da câmera.

Uma beldade de quinze anos que possuía os cabelos mais brilhantes e sedosos que Chase já vira, os fios cor de mel puxados num penteado elaborado e os olhos intensamente azuis varrendo a sala com aparente assombro, a boca redonda e pequena aberta num grito que parecia entalado na garganta. Seu galante vestido watteau descendo em camadas bufantes ao seu redor, se movendo com rapidez enquanto ela procurava algo pela sala. Era bastante alta para alguém que tivera apenas quatorze anos um dia antes.

A princesa Khaterinne.

― Mas onde é que... PAPAI? Por favor, me diga que viu Lady Wistewdon por aí! Por favor, por favor, por favor!

Rhajaran subiu o queixo caído, uma calidez quente vertendo de seus olhos ao visualizar a pequena filha. Algo no rei pareceu despertar para o mundo novamente, uma réplica perfeita daquele olhar que ele só enviava à rainha florescendo pelo azul infinito de seus olhos.

― Kate, querida... o que houve com a Srta. Wistewdon?

Kate levou as mãos à cabeça, seus próprios ofuscantes olhos azuis se arregalando apavorados, assumindo a expressão palpável do pânico. Seus brincos de água marinha balançando enlouquecidos nas orelhas e seus cílios armados como as penas de um pavão.

― Minha Dama de Honra sumiu!!! ― ela gritou apavorada, sem dar tempo ao rei de esboçar alguma reação, girando sobre os calcanhares no mesmo instante em que terminou a frase, saindo em disparada para fora e deixando uma trilha de lantejoulas por onde passou. Colônia de romã e maracujá a perseguiu ― Wave? WAVE??? Droga, onde está você!?!?

Rhajaran chacoalhou a cabeça, passando uma das mãos pelo rosto com força enquanto tomava fôlego, parecendo apenas desesperado por renovar o ar nos pulmões. Com um gesto enérgico, ele virou uma taça de vinho garganta abaixo e logo em seguida, se direcionou rapidamente à porta, lúcido de repente.

― Querido Senhor... estas mulheres ainda vão me deixar maluco! E por todos os navios do mundo, alguém detenha minha mulher!!!

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