Uma conversa reveladora

O silêncio do ateliê parecia mais profundo do que nunca. Depois da manhã agitada, Helena sentou-se à mesa de trabalho, a mente cheia de pensamentos que não conseguia organizar. O peso do passado ainda a acompanhava, mas agora ela sentia algo novo se formando dentro de si. Algo que ela não conseguia entender completamente, mas que sabia que poderia mudar sua vida para sempre.

Ela olhou para a tela à sua frente, agora preenchida com uma série de formas e cores que, para ela, pareciam um reflexo das emoções conflitantes que estavam em sua alma. Embora estivesse tentando afastar-se da dor, o passado insistia em se infiltrar nos momentos mais inesperados. Ricardo, seus erros e o fim de tudo o que ela acreditava, ainda estava presente em cada pincelada, mas ela sabia que precisava avançar. O desafio era exatamente esse: permitir-se caminhar em direção ao que poderia ser.

O som de uma batida na porta a tirou dos seus pensamentos. Ela ergueu a cabeça e viu Miguel parado à porta, com um sorriso suave no rosto. Seus olhos carregavam um misto de curiosidade e preocupação, como se soubesse que algo estava acontecendo dentro dela, mas ainda não soubesse o quê.

— Posso entrar? — perguntou Miguel, com sua voz calma, mas ao mesmo tempo firme.

Helena hesitou por um momento, mas logo assentiu, convidando-o com um gesto. Miguel entrou, fechando a porta suavemente atrás de si. Ele estava vestido com uma camisa simples e jeans, e a energia que ele exalava parecia sempre trazer uma sensação de conforto e segurança, mesmo que ela não soubesse por quê.

— Como está o trabalho? — ele perguntou, olhando para a tela que ela estava pintando, tentando quebrar o gelo.

Helena forçou um sorriso. — Bem, estou tentando focar nas cores, mas... não sei, parece que a dor ainda se reflete no que eu estou fazendo.

Miguel se aproximou da mesa, observando a tela, mas sem tocar nela. Ele parecia perceber a dificuldade de Helena em seguir em frente, o que a deixou mais vulnerável do que gostaria.

— Às vezes, a dor é a nossa melhor professora. — Ele disse, com uma leveza que parecia genuína, mas ao mesmo tempo profunda. — É difícil, mas a arte nos permite transformar isso em algo bonito.

Helena suspirou, sem saber o que responder. A dor não parecia algo que ela queria transformar. Ela só queria que fosse embora.

— Não sei se quero olhar para o passado dessa forma... — disse ela, sem conseguir esconder a tristeza na voz. — Não sei se posso continuar carregando isso dentro de mim. O que eu passei... foi demais.

Miguel a olhou por um momento, seus olhos agora mais sérios, como se tentasse entender as palavras dela além do óbvio.

— Eu entendo — respondeu ele, finalmente. — Eu também tenho meus fantasmas, Helena. Todos temos. Mas, às vezes, a dor que sentimos é uma forma de nos lembrar do que é importante.

Helena o observou em silêncio, tentando entender o que ele queria dizer. Ela sabia que ele falava com sinceridade, mas ela não estava pronta para enfrentar tudo o que o passado trazia. O casamento com Ricardo havia sido destrutivo de tantas formas que ela não sabia por onde começar a reconstruir sua vida. Ela ainda se sentia frágil, como uma folha que poderia se partir a qualquer momento.

— Como você lida com seus fantasmas? — ela perguntou, sentindo uma curiosidade crescente, algo que ela não havia antecipado. Ela estava começando a confiar nele de uma forma que não se permitia confiar em muitos.

Miguel deu um leve sorriso e se recostou na mesa, pensando por um instante.

— Eu os enfrento de frente, Helena. Não me escondo deles. A dor está lá, mas ela não pode ser o que define quem sou. Eu sou mais do que isso.

Helena observou o jeito dele de falar. Havia uma força tranquila em suas palavras, uma convicção que ela sentia faltar em si mesma. Ela queria acreditar nisso, queria entender como alguém como ele poderia olhar para o sofrimento e transformá-lo em algo mais.

— É fácil para você falar assim... você parece ser tão... — Helena parou, sem encontrar as palavras certas. Ela queria dizer "forte", mas não sabia se isso era realmente o que sentia. — Você parece tão em paz, Miguel. Eu só... não sei se vou conseguir. Não sei se sou capaz de superar isso.

Miguel deu um passo em direção a ela, e, de alguma forma, sua presença parecia ser um bálsamo para as feridas abertas de Helena. Ele não estava apressado para dar conselhos ou oferecer respostas fáceis. Ele apenas estava ali, disposto a ouvir e a oferecer algo que ela não soubera que precisava: compreensão.

— Eu não sou perfeito, Helena. E eu também não estou em paz, não da forma como você pensa. — Ele olhou para ela com sinceridade, quase como se estivesse se abrindo de uma forma que poucas pessoas conheciam. — Eu tive minha parte de dor também. Já perdi pessoas que amava, fiz escolhas erradas, mas aprendi que não posso me permitir ser definido por isso. O que eu fiz no passado não pode impedir meu futuro. O que está à minha frente é o que importa agora.

Helena sentiu um nó na garganta, como se aquelas palavras tivessem tocado algo profundo dentro dela. Ela sabia que ele estava certo, mas, ao mesmo tempo, uma parte de sua alma resistia. Ela tinha medo de seguir em frente. Medo de que, se tentasse, acabaria se machucando ainda mais. Ela não queria ser vulnerável de novo, não queria permitir que outro homem, mesmo que fosse Miguel, tivesse o poder de quebrá-la novamente.

Mas, ao mesmo tempo, havia algo nele que a fazia questionar esse medo. Algo que a fazia pensar que talvez houvesse uma chance de ser feliz novamente.

— E se eu errar de novo? — Helena murmurou, mais para si mesma do que para Miguel.

Miguel deu um passo mais próximo, agora tão perto dela que Helena podia sentir sua presença de forma intensa.

— O erro faz parte do processo, Helena. Não é sobre nunca errar, mas sobre como você se levanta quando isso acontece. Eu não vou te julgar por ser humana. Você tem direito a errar e a aprender com isso. E, se for o caso, estarei ao seu lado, mesmo nos momentos difíceis.

Helena olhou para ele, sentindo um misto de emoções. Não sabia o que o futuro reservava, mas algo naquele momento fez com que ela se sentisse mais forte. Talvez, apenas talvez, ela pudesse começar a acreditar no que ele estava dizendo.

— Eu... não sei o que fazer com tudo isso — disse ela, a voz suave. — Eu nunca imaginei que poderia confiar em alguém de novo. Nunca imaginei que poderia abrir meu coração para outra pessoa.

Miguel sorriu, mais uma vez com gentileza.

— Não precisa decidir tudo agora. A confiança é algo que se constrói, Helena. Um passo de cada vez.

Eles se encararam por um longo momento, e, pela primeira vez em muito tempo, Helena sentiu que a dor poderia, talvez, começar a diminuir. Não desapareceria completamente, mas, talvez, ela pudesse finalmente dar o primeiro passo em direção ao futuro. E, talvez, Miguel fosse o primeiro passo dessa jornada.

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