A luz suave da tarde começava a desaparecer, transformando o céu em uma tela de tons quentes. Helena se encontrava na cozinha do ateliê, preparando uma simples refeição para si mesma. A rotina dos últimos dias parecia ter criado um ritmo confortável, mas sua mente ainda estava cheia de incertezas. Desde o dia em que conhecera Miguel, algo havia mudado. Ela sentia que o futuro estava se reconfigurando, como uma tela em branco, pronta para ser preenchida com algo novo. Mas ela ainda tinha medo de pintar nas linhas certas.
O cheiro de comida no ar trouxe um pouco de alívio para seus pensamentos turvos. Ela não era uma chef, mas cozinhar era uma forma de se reconectar com sua própria essência, algo que ela sentia ter perdido ao longo dos últimos anos. Enquanto mexia na panela, ouviu uma batida suave na porta. Ela se virou, surpresa, mas sabia quem era. Mesmo assim, hesitou por um momento antes de abrir. — Boa noite. — Miguel estava parado à porta, com um sorriso descontraído e um pequeno buquê de flores na mão. Ele estava vestido de forma casual, mas algo no seu olhar mostrava que havia algo diferente em seu comportamento. Helena sorriu, ainda sentindo uma leve apreensão. O fato de Miguel estar ali, sem avisar, a pegava de surpresa. Mas ao mesmo tempo, havia algo reconfortante na sua presença. — Oi, Miguel. O que faz aqui? — Ela tentou esconder sua insegurança, mas a curiosidade em seus olhos era evidente. — Achei que talvez precisássemos conversar, e um bom jantar seria a ocasião perfeita para isso. — Ele estendeu as flores, que eram simples, mas com uma beleza suave e quase serena. Ela pegou as flores, sentindo o toque gentil de Miguel. Havia algo reconfortante naquela atitude dele, algo que fazia sua defesa, que estava tão afiada há dias, começar a ceder. — Você trouxe flores... Eu nem preparei nada de especial, mas... entre. — Ela fez um gesto para que ele entrasse. Miguel entrou sem hesitar, e Helena rapidamente o conduziu até a pequena sala de jantar que ficava logo após a cozinha. A decoração simples e acolhedora, com tons neutros e móveis de madeira, criava um ambiente tranquilo e, de certa forma, íntimo. Ela colocou as flores em um vaso e o deixou à mesa, enquanto terminava de preparar o que havia começado. Miguel observava Helena com um olhar atento, como se estivesse esperando algo. Talvez esperasse que ela falasse, ou talvez só queria estar ali, em silêncio, compartilhando aquele momento simples. Ela se virou para ele, percebendo a intensidade do seu olhar. — Você me pegou de surpresa. — Helena comentou, tentando amenizar a tensão do momento. — Eu sei, mas acho que às vezes, precisamos ser um pouco mais ousados, não é? — Ele deu uma leve risada, se acomodando na cadeira. A conversa estava fluindo mais facilmente do que ela imaginava. Helena se sentou à mesa, colocando os pratos com cuidado. O jantar não era nada sofisticado: uma sopa caseira e uma salada fresca, simples, mas com um toque de carinho. Ela não gostava de preparar pratos elaborados, mas algo na simplicidade da refeição a fazia sentir que, naquele momento, tudo o que importava era a conexão genuína. — Parece delicioso — Miguel comentou, pegando a sopa. — Não é nada demais... — Helena respondeu, sem saber exatamente o que mais dizer. Ela se permitiu sentar ao lado dele, começando a comer enquanto os dois se mantinham em um silêncio confortável. O jantar prosseguiu com trocas leves de palavras, mas a atmosfera parecia carregada de algo mais. Helena não sabia como explicar, mas ela sentia que aquele momento era decisivo. Algo estava se formando ali entre os dois, e talvez, apenas talvez, ela estivesse começando a se permitir. Miguel era diferente de tudo o que ela já conhecera. Ele era atento, mas não pressionava. Ele era sincero, mas sabia ser discreto. E, acima de tudo, havia uma suavidade em seus gestos que a fazia sentir algo que ela não se permitia sentir: confiança. Após algum tempo, os pratos estavam vazios, mas a conversa continuava. Helena não sabia mais como conduzir a noite. Ela sabia que não queria que aquele momento acabasse, mas ao mesmo tempo, temia o que poderia vir depois. Ela não estava pronta para se entregar a novas emoções, e as dúvidas sobre si mesma voltavam à tona, com força renovada. Miguel parecia perceber sua apreensão. Ele se inclinou ligeiramente para a frente, olhando para ela com uma expressão de preocupação suave. — Helena, você está bem? — Sua voz, sempre calma, agora trazia uma intensidade diferente. Ela suspirou, soltando um riso nervoso. — Eu não sei... Talvez seja mais difícil do que eu pensei. — Ela levantou os olhos, encarando-o. — Acho que tenho medo de me entregar de novo. Não sei se posso confiar no que estou sentindo. Miguel a observou por um momento, o olhar sério, mas sem julgamento. Ele sabia que não poderia forçar nada, mas também sabia que ela precisava ser honesta consigo mesma. — O medo é uma reação normal. Eu também tenho os meus receios, Helena. — Ele fez uma pausa, como se estivesse escolhendo cuidadosamente as palavras. — Mas às vezes, o medo não pode ser o que nos define. A vida é feita de escolhas, e só você pode decidir se está pronta para dar o próximo passo. As palavras dele ecoaram na mente de Helena, e algo dentro dela se agitou. Ela não sabia se estava pronta, mas o que Miguel dizia fazia sentido. O medo não poderia ser o seu guia, não para sempre. Ela não queria viver paralisada por uma dor que já havia passado. Ela olhou para ele e, pela primeira vez, a ideia de seguir em frente não parecia tão assustadora. A confiança que ele demonstrava nela, que ela mesma não sentia, estava lentamente começando a fazer sentido. Talvez, ela pensou, talvez pudesse dar esse passo. Não precisava ser agora, mas a ideia de confiar novamente em algo — ou alguém — parecia menos impossível. — Talvez eu esteja pronta... — Helena disse, mais para si mesma do que para ele. Mas, ao dizer isso em voz alta, sentiu o peso daquelas palavras cair sobre ela de uma maneira inesperada. Miguel sorriu suavemente, sem pressa. — Não precisa apressar nada, Helena. Eu não vou te pressionar. Mas se algum dia você decidir que está pronta, saiba que estou aqui. Helena respirou fundo, olhando para ele com um sorriso tímido. O jantar tinha sido simples, mas a conversa tinha aberto portas dentro dela. Ela sabia que havia muito mais pela frente, mas também sabia que, talvez, aquele fosse o início de algo diferente. Algo que ela não podia mais ignorar. O silêncio se instalou mais uma vez, mas dessa vez, era um silêncio confortável. Eles não precisavam de mais palavras para compreender o que estava acontecendo ali. O futuro ainda estava incerto, mas, talvez, de alguma forma, os dois estivessem começando a encontrar um caminho comum, sem pressa, sem expectativas. Apenas o presente, e a promessa de que as coisas poderiam ser diferentes, se ela se permitisse.A manhã seguinte ao jantar com Miguel foi marcada por uma sensação de inquietação. Helena se viu acordando mais cedo do que o habitual, como se algum tipo de mudança estivesse no ar. A noite anterior ainda estava fresca em sua memória, mas não de forma desconfortável. Ao contrário, ela sentia que algo dentro de si começava a se alinhar de uma maneira que ela não podia explicar. Talvez fosse o fato de ter compartilhado mais de si mesma com Miguel, ou talvez fosse a forma como ele a fizera sentir algo que ela não sentia há muito tempo — uma sensação de esperança. Mas a paz que ela experimentava foi rapidamente interrompida.Assim que pegou o celular, uma notificação de mensagem apareceu na tela. Ela hesitou por um momento antes de abrir a caixa de entrada, temendo que fosse algo relacionado a trabalho ou alguma outra questão trivial. No entanto, ao ver o nome que estava na tela, um frio percorreu sua espinha. Era uma mensagem de Ricardo."Helena, sei que faz um tempo, mas preciso falar
Helena ficou sentada por alguns minutos depois de enviar a mensagem para Ricardo, sentindo o peso da decisão. Embora tivesse se convencido de que precisava resolver as coisas com o passado, seu coração estava inquieto. Era como se cada passo que ela dava em direção ao encerramento de um ciclo a afastasse mais de algo que ainda tinha dentro de si. Ela sabia que havia tomado a decisão certa, mas não podia evitar a sensação de que algo estava prestes a desmoronar.Após o encontro com Miguel na manhã anterior, sua mente estava dividida. O simples sorriso de Miguel e a forma como ele a tratava com respeito e carinho parecia ser tudo o que ela precisava. Ele era diferente, e isso a atraía de uma maneira que ela não podia negar. Mas, ao mesmo tempo, a lembrança de Ricardo sempre vinha à tona quando ela menos esperava, especialmente agora que ele havia reaparecido, tentando reacender uma chama que, talvez, nunca tivesse se apagado completamente.Helena levantou-se da mesa, deixando o celular
O dia estava claro, com o sol brilhando forte no céu, e o calor do verão era suavizado pela brisa suave que se infiltrava pelas ruas da pequena cidade. Helena sentiu uma sensação de paz ao caminhar pelas ruas tranquilas, mas sua mente ainda estava distante, dividida entre o passado e o que estava começando a surgir em seu coração.Miguel a convidara para um passeio pela cidade. A ideia parecia simples, mas Helena sabia que esse encontro, mesmo sem grandes promessas, era uma oportunidade para ela descobrir mais sobre o misterioso arquiteto que havia entrado em sua vida de uma maneira inesperada.Ao chegar na praça central, Miguel a aguardava, com seu sorriso amigável e o olhar atento. Ele estava vestido de maneira simples, mas elegante, com uma camisa de linho clara e calças escuras. Seus olhos, sempre intensos, estavam focados nela, mas havia algo mais, uma curiosidade misturada com uma suavidade que ela não havia visto antes.— Helena, que bom que conseguiu vir. Eu sabia que você iri
A manhã seguinte chegou com uma sensação de desconforto para Helena. Ela estava de volta à sua rotina, ao trabalho no ateliê, mas sua mente estava longe dali, perdida nas lembranças do passeio pela cidade com Miguel. O que antes parecia ser apenas um passeio inocente se transformou em algo mais. Algo que ela não sabia se estava pronta para enfrentar.Nos dias seguintes, ela tentou se manter ocupada, mas as dúvidas sobre os sentimentos que começavam a florescer em seu coração a perseguiam. Era como se sua alma estivesse dividida entre dois mundos: o passado que ainda a assombrava e o futuro, cheio de promessas que ela não sabia se merecia.Helena sabia que seu casamento fracassado ainda a afetava profundamente. O ex-marido, Ricardo, havia sido uma grande parte de sua vida. As mentiras, os erros e o abandono emocional deixaram cicatrizes que demorariam a cicatrizar. Mesmo com as tentativas de seguir em frente, a dor ainda se fazia presente. Ela ainda se sentia culpada, como se de alguma
Helena acordou cedo no dia seguinte, o coração acelerado. O compromisso com Miguel parecia ser o único ponto de calma em meio ao turbilhão de pensamentos e emoções que a consumiam. Ela ainda não sabia o que esperar desse encontro, mas algo em sua intuição dizia que, de alguma forma, as coisas estariam diferentes. Afinal, ela estava prestes a ir contra os próprios medos e inseguranças.Ela se preparou com cuidado, escolhendo uma blusa simples, mas elegante, que a fizesse se sentir confortável, mas também confiante. Quando se olhou no espelho, percebeu que, apesar de ainda carregar vestígios da dor, havia algo mais em seus olhos, uma chama sutil de esperança. Era como se o convite de Miguel para o almoço tivesse acendido uma pequena luz em seu interior, uma luz que ela acreditava ter se apagado com o fim de seu casamento.No restaurante, Miguel a esperava com um sorriso caloroso. Ele estava mais casual do que o normal, com uma camisa azul claro e jeans, mas a maneira como o olhar dele a
Helena fechou a porta do ateliê com mais força do que pretendia. Seu coração ainda pulsava acelerado, e seus lábios pareciam queimar com a lembrança do beijo de Miguel. Ela levou as mãos ao rosto, tentando organizar os próprios sentimentos, mas tudo parecia uma tempestade descontrolada dentro dela.Ela não podia ter permitido aquele beijo. Não depois de tudo que viveu, não depois de tudo que passou com Ricardo. Ainda sentia as cicatrizes invisíveis deixadas pelo casamento fracassado, e, por mais que tentasse negar, uma parte dela ainda tinha medo de se envolver novamente."Foi só um impulso, nada mais." Ela tentou se convencer enquanto caminhava para a pequena cozinha no fundo do ateliê e enchia um copo d’água. Mas a verdade era que não havia sido apenas um impulso. Havia desejo, havia uma conexão. Algo nela reagia a Miguel de um jeito que a assustava.Ela sentou-se em uma cadeira, encarando a parede à sua frente. O ateliê, que antes era seu refúgio, agora parecia pequeno demais para
Os dias se passaram em um ritmo monótono, mas dentro de Helena tudo estava um verdadeiro caos. Desde que decidiu se afastar de Miguel, tentava se convencer de que era o melhor a fazer. Ainda assim, cada vez que o via pela cidade ou escutava alguém mencioná-lo, seu coração reagia como se estivesse sendo puxado em sua direção.Ela se obrigava a manter o foco no ateliê, em sua nova vida, em tudo o que construiu desde que deixou o passado para trás. Mas, ironicamente, o passado sempre encontrava um jeito de voltar.E naquela tarde, ele voltou.Um Fantasma do PassadoHelena estava organizando algumas telas quando ouviu a sineta da porta tocar. Ela se virou com um sorriso automático, pronta para atender um possível cliente, mas seu corpo congelou ao reconhecer a figura parada ali.Ricardo.Seu ex-marido estava ali, na sua frente, como se o tempo tivesse voltado. O choque foi imediato. Ele parecia quase o mesmo – alto, elegante, usando um terno impecável que combinava com sua postura confian
Helena sentia como se estivesse presa entre duas versões de si mesma: a mulher que havia se libertado de um casamento fracassado e a mulher que, de repente, se via cara a cara com seu passado. Desde que Ricardo reapareceu, sua mente não teve um momento de paz.Ela tentou agir como se nada estivesse acontecendo, continuando sua rotina no ateliê, mas cada pincelada era interrompida por pensamentos conflitantes. Será que Ricardo realmente havia mudado? Será que ela deveria ao menos considerar dar-lhe uma chance?Mas, acima de tudo, uma pergunta a atormentava: por que seu coração não reagia da mesma forma quando pensava nele e quando pensava em Miguel?O Encontro com MiguelO destino, no entanto, parecia decidido a testá-la.Naquela tarde, enquanto caminhava pela praça central para clarear a mente, Helena avistou Miguel saindo de uma cafeteria. Ele parecia distraído, mexendo no celular, mas quando levantou o olhar e a viu, seu rosto se fechou.Ela hesitou por um momento, mas depois respir