Helena acordou cedo naquela manhã. O sol ainda não havia se erguido completamente, mas ela já estava de pé, com a sensação de que a cidade a observava silenciosamente. O som suave das aves anunciava o início de um novo dia, mas, dentro de si, um turbilhão de sentimentos a consumia. O trabalho no ateliê estava prestes a começar, e, de alguma forma, ela sentia que esse novo começo exigiria muito mais do que apenas habilidade artística. Seria um confronto com o próprio passado.
Com a cabeça cheia de pensamentos, Helena preparou seu café com a mesma precisão de sempre, embora sua mente estivesse longe. A mudança para a cidade pequena tinha sido uma decisão difícil, mas necessária. Ela precisava de um recomeço, e sabia que o ateliê que havia alugado era o primeiro passo para curar as feridas de um casamento fracassado, mas a dor ainda persistia, como uma sombra silenciosa que a acompanhava. Ela vestiu sua roupa de trabalho – um vestido simples e confortável – e caminhou até o ateliê. Era um espaço pequeno, mas com luz abundante. As paredes de tijolos expostos davam uma sensação acolhedora, e a luz do dia, que entrava pelas grandes janelas, fazia tudo parecer ainda mais convidativo. Helena sentiu-se imediatamente em casa. A textura das paredes e o cheiro da tinta fresca a acalmaram. O ateliê não tinha muito a oferecer, mas para ela, aquilo representava um refúgio. Um lugar onde ela poderia se encontrar novamente. Ao entrar, percebeu que as prateleiras estavam vazias, aguardando as primeiras criações. Uma nova tela estava esticada sobre o cavalete, e pincéis, tintas e outros materiais estavam espalhados sobre a mesa. Mas havia algo no espaço que não era apenas a empolgação de um novo começo. Uma sensação de vazio pairava no ar, como se o próprio local tivesse vivido histórias antes dela ali. Ao posicionar as mãos sobre a superfície da mesa, Helena sentiu um calafrio. Lembranças de seu casamento e de todas as promessas não cumpridas começaram a invadir sua mente. Não eram imagens claras, mas fragmentos: sorrisos que se transformaram em silêncios pesados, olhares cheios de culpa e palavras ditas sem sinceridade. O casamento com Ricardo nunca tinha sido o que ela esperava. As promessas feitas ao longo dos anos se desfezavam lentamente, até não sobrar mais nada, além da frustração e do arrependimento. Ela nunca pensou que terminaria daquela forma, mas agora, olhando para a mesa de trabalho, as lembranças a invadiam como uma onda imprevista. Helena passou a mão pela testa, tentando afastar as imagens, mas elas continuavam a martelar. Respirou fundo e tentou focar na tela em branco à sua frente. Era hora de começar algo novo, mas as cicatrizes do passado ainda estavam ali, prontas para serem reabertas a qualquer momento. Foi então que, como uma interrupção em seus pensamentos, ouviu um som vindo de fora. Um carro se aproximando da entrada do ateliê. Ela olhou pela janela e viu Miguel estacionando sua caminhonete do outro lado da rua. Ele não parecia ter notado que ela o observava. Era como se ele estivesse em seu próprio mundo, alheio à sua presença, mas Helena, por algum motivo, se sentiu atraída pela tranquilidade com a qual ele se movia. Ela se afastou da janela e olhou para a tela novamente. Não podia se deixar perder em pensamentos que não a ajudariam. “É só o começo”, ela murmurou para si mesma, e, com isso, pegou o pincel, mergulhou-o na tinta e começou a pintar. Ela não sabia exatamente o que estava criando, mas sentia que precisava fazer algo, colocar em prática sua arte e deixar os sentimentos fluírem através das cores. À medida que o pincel deslizava pela tela, Helena se sentia mais leve, quase como se tivesse colocado uma parte de si naquelas primeiras pinceladas. Mas logo, sem querer, a imagem de Ricardo surgiu novamente em sua mente. O rosto dele, com a expressão cansada e os olhos vazios, se formou lentamente na tela, como se ela estivesse retratando algo que não queria mais ver. Ela parou, olhando para a tela, e sentiu um aperto no peito. Havia algo nela que a fazia se sentir mais distante de si mesma do que nunca. Helena respirou fundo e apagou rapidamente o que havia pintado. Ela não queria que aquele retrato fosse o que a marcasse. Não queria se lembrar de Ricardo ali, naquele ateliê. O propósito daquele espaço era curar, não reviver a dor. Seus dedos estavam tremendo, e o suor começava a escorrer pela sua testa. Ela sentia o peso de suas escolhas passadas, a gravidade de suas decisões, mas sabia que precisava seguir em frente. Foi quando, por um impulso quase instintivo, olhou pela janela novamente. Miguel estava parado do lado de fora, observando a rua. Ele parecia alheio ao seu olhar, mas de alguma forma, Helena sabia que ele estava ali por um motivo. Ele era, de certa forma, um reflexo daquilo que ela buscava: algo novo, algo que pudesse dar sentido ao seu futuro. Talvez ele fosse o recomeço que ela precisava, ou talvez fosse apenas mais uma distração, mas a verdade é que Helena não sabia o que queria. Ela só sabia que aquele encontro, aquele momento, a fazia sentir-se viva novamente. Decidida a não se perder mais em lembranças e inseguranças, Helena pegou os pincéis novamente e mergulhou na tinta, agora sem hesitar. A tela branca foi gradualmente preenchida por formas e cores, uma mistura de abstração e realismo. Ela não sabia ao certo o que estava criando, mas algo dentro dela dizia que estava no caminho certo. Cada movimento do pincel parecia ser uma forma de expressar a confusão, a dor e, talvez, uma nova esperança que nascia. O som do carro de Miguel saindo do ateliê a trouxe de volta à realidade. Ela não sabia o que aquilo significava, mas sentia que, talvez, o destino tivesse algo a lhe mostrar. Miguel era um homem diferente, com uma energia e uma história que ela ainda não conhecia, mas ele era a promessa de uma possibilidade. Talvez, se ela se permitisse, poderia encontrar mais do que apenas cura no recomeço. Poderia encontrar a felicidade. Helena se levantou e deu um último olhar para a tela. Ela não sabia como o futuro se desenrolaria, mas sentia que o ateliê era, de fato, o lugar onde tudo começaria a mudar. O peso do passado ainda estava lá, mas ela sabia que não poderia viver nele para sempre. O futuro a aguardava, e, talvez, Miguel fosse apenas o primeiro passo de uma nova jornada.O silêncio do ateliê parecia mais profundo do que nunca. Depois da manhã agitada, Helena sentou-se à mesa de trabalho, a mente cheia de pensamentos que não conseguia organizar. O peso do passado ainda a acompanhava, mas agora ela sentia algo novo se formando dentro de si. Algo que ela não conseguia entender completamente, mas que sabia que poderia mudar sua vida para sempre.Ela olhou para a tela à sua frente, agora preenchida com uma série de formas e cores que, para ela, pareciam um reflexo das emoções conflitantes que estavam em sua alma. Embora estivesse tentando afastar-se da dor, o passado insistia em se infiltrar nos momentos mais inesperados. Ricardo, seus erros e o fim de tudo o que ela acreditava, ainda estava presente em cada pincelada, mas ela sabia que precisava avançar. O desafio era exatamente esse: permitir-se caminhar em direção ao que poderia ser.O som de uma batida na porta a tirou dos seus pensamentos. Ela ergueu a cabeça e viu Miguel parado à porta, com um sorris
A luz suave da tarde começava a desaparecer, transformando o céu em uma tela de tons quentes. Helena se encontrava na cozinha do ateliê, preparando uma simples refeição para si mesma. A rotina dos últimos dias parecia ter criado um ritmo confortável, mas sua mente ainda estava cheia de incertezas. Desde o dia em que conhecera Miguel, algo havia mudado. Ela sentia que o futuro estava se reconfigurando, como uma tela em branco, pronta para ser preenchida com algo novo. Mas ela ainda tinha medo de pintar nas linhas certas.O cheiro de comida no ar trouxe um pouco de alívio para seus pensamentos turvos. Ela não era uma chef, mas cozinhar era uma forma de se reconectar com sua própria essência, algo que ela sentia ter perdido ao longo dos últimos anos. Enquanto mexia na panela, ouviu uma batida suave na porta. Ela se virou, surpresa, mas sabia quem era. Mesmo assim, hesitou por um momento antes de abrir.— Boa noite. — Miguel estava parado à porta, com um sorriso descontraído e um pequeno
A manhã seguinte ao jantar com Miguel foi marcada por uma sensação de inquietação. Helena se viu acordando mais cedo do que o habitual, como se algum tipo de mudança estivesse no ar. A noite anterior ainda estava fresca em sua memória, mas não de forma desconfortável. Ao contrário, ela sentia que algo dentro de si começava a se alinhar de uma maneira que ela não podia explicar. Talvez fosse o fato de ter compartilhado mais de si mesma com Miguel, ou talvez fosse a forma como ele a fizera sentir algo que ela não sentia há muito tempo — uma sensação de esperança. Mas a paz que ela experimentava foi rapidamente interrompida.Assim que pegou o celular, uma notificação de mensagem apareceu na tela. Ela hesitou por um momento antes de abrir a caixa de entrada, temendo que fosse algo relacionado a trabalho ou alguma outra questão trivial. No entanto, ao ver o nome que estava na tela, um frio percorreu sua espinha. Era uma mensagem de Ricardo."Helena, sei que faz um tempo, mas preciso falar
Helena ficou sentada por alguns minutos depois de enviar a mensagem para Ricardo, sentindo o peso da decisão. Embora tivesse se convencido de que precisava resolver as coisas com o passado, seu coração estava inquieto. Era como se cada passo que ela dava em direção ao encerramento de um ciclo a afastasse mais de algo que ainda tinha dentro de si. Ela sabia que havia tomado a decisão certa, mas não podia evitar a sensação de que algo estava prestes a desmoronar.Após o encontro com Miguel na manhã anterior, sua mente estava dividida. O simples sorriso de Miguel e a forma como ele a tratava com respeito e carinho parecia ser tudo o que ela precisava. Ele era diferente, e isso a atraía de uma maneira que ela não podia negar. Mas, ao mesmo tempo, a lembrança de Ricardo sempre vinha à tona quando ela menos esperava, especialmente agora que ele havia reaparecido, tentando reacender uma chama que, talvez, nunca tivesse se apagado completamente.Helena levantou-se da mesa, deixando o celular
O dia estava claro, com o sol brilhando forte no céu, e o calor do verão era suavizado pela brisa suave que se infiltrava pelas ruas da pequena cidade. Helena sentiu uma sensação de paz ao caminhar pelas ruas tranquilas, mas sua mente ainda estava distante, dividida entre o passado e o que estava começando a surgir em seu coração.Miguel a convidara para um passeio pela cidade. A ideia parecia simples, mas Helena sabia que esse encontro, mesmo sem grandes promessas, era uma oportunidade para ela descobrir mais sobre o misterioso arquiteto que havia entrado em sua vida de uma maneira inesperada.Ao chegar na praça central, Miguel a aguardava, com seu sorriso amigável e o olhar atento. Ele estava vestido de maneira simples, mas elegante, com uma camisa de linho clara e calças escuras. Seus olhos, sempre intensos, estavam focados nela, mas havia algo mais, uma curiosidade misturada com uma suavidade que ela não havia visto antes.— Helena, que bom que conseguiu vir. Eu sabia que você iri
A manhã seguinte chegou com uma sensação de desconforto para Helena. Ela estava de volta à sua rotina, ao trabalho no ateliê, mas sua mente estava longe dali, perdida nas lembranças do passeio pela cidade com Miguel. O que antes parecia ser apenas um passeio inocente se transformou em algo mais. Algo que ela não sabia se estava pronta para enfrentar.Nos dias seguintes, ela tentou se manter ocupada, mas as dúvidas sobre os sentimentos que começavam a florescer em seu coração a perseguiam. Era como se sua alma estivesse dividida entre dois mundos: o passado que ainda a assombrava e o futuro, cheio de promessas que ela não sabia se merecia.Helena sabia que seu casamento fracassado ainda a afetava profundamente. O ex-marido, Ricardo, havia sido uma grande parte de sua vida. As mentiras, os erros e o abandono emocional deixaram cicatrizes que demorariam a cicatrizar. Mesmo com as tentativas de seguir em frente, a dor ainda se fazia presente. Ela ainda se sentia culpada, como se de alguma
Helena acordou cedo no dia seguinte, o coração acelerado. O compromisso com Miguel parecia ser o único ponto de calma em meio ao turbilhão de pensamentos e emoções que a consumiam. Ela ainda não sabia o que esperar desse encontro, mas algo em sua intuição dizia que, de alguma forma, as coisas estariam diferentes. Afinal, ela estava prestes a ir contra os próprios medos e inseguranças.Ela se preparou com cuidado, escolhendo uma blusa simples, mas elegante, que a fizesse se sentir confortável, mas também confiante. Quando se olhou no espelho, percebeu que, apesar de ainda carregar vestígios da dor, havia algo mais em seus olhos, uma chama sutil de esperança. Era como se o convite de Miguel para o almoço tivesse acendido uma pequena luz em seu interior, uma luz que ela acreditava ter se apagado com o fim de seu casamento.No restaurante, Miguel a esperava com um sorriso caloroso. Ele estava mais casual do que o normal, com uma camisa azul claro e jeans, mas a maneira como o olhar dele a
Helena fechou a porta do ateliê com mais força do que pretendia. Seu coração ainda pulsava acelerado, e seus lábios pareciam queimar com a lembrança do beijo de Miguel. Ela levou as mãos ao rosto, tentando organizar os próprios sentimentos, mas tudo parecia uma tempestade descontrolada dentro dela.Ela não podia ter permitido aquele beijo. Não depois de tudo que viveu, não depois de tudo que passou com Ricardo. Ainda sentia as cicatrizes invisíveis deixadas pelo casamento fracassado, e, por mais que tentasse negar, uma parte dela ainda tinha medo de se envolver novamente."Foi só um impulso, nada mais." Ela tentou se convencer enquanto caminhava para a pequena cozinha no fundo do ateliê e enchia um copo d’água. Mas a verdade era que não havia sido apenas um impulso. Havia desejo, havia uma conexão. Algo nela reagia a Miguel de um jeito que a assustava.Ela sentou-se em uma cadeira, encarando a parede à sua frente. O ateliê, que antes era seu refúgio, agora parecia pequeno demais para