Endi não tentou explicar que não era como as pessoas que feriram a garota, pareceu quase cruel tentar se defender diante de alguém que carregava tanta dor sem derrubar uma única lágrima.Mel estava chorando muito antes de Dállia terminar, mas a esposa de Russo continuava narrando a própria vida como quem detalha fatos em uma delegacia.— Onde? De que bairro você veio, menina?— Sunnyside, Houston— Vamos cuidar de você. Pode ir com a Mel se sentir mais segura, ninguém mais vai te fazer mal, Dállia.A garota não respondeu, mas pensou que não tinha mais nada que pudesse perder, já tinham tirado absolutamente tudo dela. Lembrou de Tank e um arrepio gelado pareceu sair do seu coração e se espalhar pelo corpo.Puxou o ar tentando controlar o que sentiu, mas lembrou do jeito que ele a abraçava, como beijou a sua mão o dia em que ela se cortou preparando o almoço.Desde que foi levada a casa de Endi, aquela foi a primeira lágrima que derramou e não era pela dor do passado, era pela dor de te
Tentou bater outra vez na porta do capo, mas outro doberman cravou os dentes em seu tornozelo e puxou.Tank caiu e mal teve tempo de erguer os braços antes de ser atingido no peito. O ar pareceu ser arrancado dos pulmões o peso do animal, as patas pressionando suas costelas. Tudo parecia um pesadelo sem fim.Já nem sentia a perna que o outro cão sacudia de um lado para o outro, mas reagiu no instinto. Segurou o focinho da cadela, os dentes cravados nas suas mãos, o sangue pingando quente em seu rosto, os olhos ardendo pelo suor.Uma luta cega enquanto usava toda a força que ainda tinha para manter a mandíbula do bicho aberta.Os músculos do braço queimavam, assim como os ferimentos, ardendo como fogo.Endi desceu as escadas, viu a poça de sangue invadir sua sala por baixo da porta, sorriu, porque quem quer que fosse, tinha aprendido com quem estava lidando.Abriu a porta apenas para se divertir, mas quando viu o soldado, algo o fascinou.Não era uma luta pela sobrevivência, havia uma
Endi, assim como o pai, gostava de histórias de amor, talvez não com a mesma fé de Sombra, mas as reais, aquelas que enraízam na carne e fazem um homem perder a razão, essas ele apreciava.Deixou Tank cercado pelos dobermans, os animais não atacariam, mas achou que seria divertido se o soldado acordasse e desse de cara com feras ao invés da mulher que ele desmaiou chamando.Caminhou assobiando uma canção que adorava, My Way do Frank Sinatra. Pegou um kit de primeiros socorros e avisou ao filho.— Quer me ajudar a dar alguns pontos?— Quero!Edgar nem mesmo entendeu que os pontos seriam em uma pessoa, mas gostava de fazer tudo junto com o pai e o seguiu satisfeito, ganhou uma lambida no rosto de um dos dobermans, com as crianças aquelas feras pareciam realmente animais de estimação.Endi ensinou o filho como limpar as feridas, mas Edgar não teve força para fazer as suturas, ainda assim ajudou com tudo o que conseguiu.— Vamos matar ele, pai?— Acho que não, parece que ele ainda tem uma
Tank pensou em muitas respostas, achou que se falasse a verdade a condenaria. Ela havia traído o marido em um mundo onde a traição é caminho mais curto para a morte.Mas se mentisse não haveria nenhuma explicação plausível para o que estava fazendo. E pela primeira vez, resolveu confiar.— Ela não teve culpa, chefe. Eu cheguei em casa e ela estava lá, tão linda e frágil. Eu nem sei quando comecei a gostar dela, não foi premeditado eu nunca me interessei por esse tipo de mulher, mas a Dállia é diferente. Juro que tentei não pensar nela desse jeito. Nem sei se ela queria, acho que não. Não a primeira vez.Endi virou a cabeça de leve, não gostou de pensar sobre as coisas que estava ouvindo.— Está me dizendo que forçou ela a ficar com você? Que ao invés de ajudar uma garota que sabia que não queria estar lá, você se aproveitou dela? É isso que está me dizendo, soldado?— É isso.Tank falou soltando o ar dos pulmões, não se importava com que aconteceria com ele, só queria que Dállia ficas
Endi ficou olhando enquanto o soldado se machucava ainda mais, teria chegado bem mais rápido na área baixa do condomínio se esperasse para descerem de moto, mas de alguma forma, ele entendia aquele desespero. Provavelmente estaria tão cego quanto Tank se o assunto em questão fosse Mel.Fechou a porta do galpão e desceu pensando nas coisas que tinha ouvido, o soldado confirmou que teria forçado Dállia a estar com ele, mas pelo que ele se lembrava do rosto daquela menina, a única pessoa de quem ela realmente tinha ódio era Russo.Seria possível que apesar de ser forçada a algo, uma mulher se apaixonar?E enquanto o capo pensava nos caminhos que o amor pode percorrer, Tank se cobrava por todos os trajetos que se recusou a fazer.Caiu várias vezes, chegou sujo de terra e sangue, a maioria dos pontos ficaram nas pedras em que ele se cortou, mas a mente estava na pergunta que o capo fez.Ela é sua mulher, ou dele?E se a resposta fosse que Dállia não pertencia a nenhum deles?Dois soldados
Dállia puxou a maçaneta, mas a porta não abriu, estava tão perdida naquela voz que não havia destrancado, a dor do impacto seco a fez afastar a mão por um milésimo de segundo, mas em seguida destravou a porta e abriu.A visão de Tank na sua frente foi como se sonhos pudessem se tornar reais. A maior dor que experimentou como mulher não foi a infância perdida, nem ser vendida a um homem que tinha idade para ser seu avô, foi não ter nem sequer o direito de chorar pelo homem que amava.Precisar fingir enquanto aquelas pessoas julgavam Tank como se o conhecessem foi a coisa mais difícil e dolorosa que fez na vida.Se jogou nos braços dele como quem se atira para o infinito com a certeza de que seria segurada. O soldado a abraçou tão forte que chegou a doer. Talvez a felicidade também doa.Porque nenhum dos dois se soltou, Tank segurava o corpo de Dállia colado no seu e dessa vez ela não era só um corpo, era a mulher que amava, a pessoa por quem daria a vida. Beijou o rosto da garota sem a
Tank não a soltou, não queria que ela o olhasse, nunca teve medo de que uma mulher o rejeitasse, podia comprar a que quisesse, mas não sabia como pagar pelo coração daquela menina em seus braços. E se ela não o quisesse? Se Dállia descobrisse que ele não era nada além de um monte de músculos sem nada para oferecer além de pancadas? Sabia bater, nada mais. Nunca tinha nem sequer escrito um bilhete para ela porque tinha vergonha da letra. Tentou se convencer de que eram dois errados tentando dar certo, de que ela também não era muito melhor do que ele, que ao menos ele podia se sustentar. Mas, no fim, segurou o rosto da menina entre as mãos e implorou. — Eu vou melhorar, minha flor. Me perdoa, eu fiz tudo errado. Acho que estou fazendo errado agora né? Eu não sei fazer isso direito, mas eu vou aprender, por favor. Você é... Parou, parou a frase no meio porque se sentiu ridículo. Sempre conversou com outros caras do condomínio que mulheres gostam dos homens que as desprezam. Que
Estar inteiro na maioria das vezes não resume um relacionamento, nem sempre é sobre estar junto nos sorrisos, muitas vezes, o mais importante é ter alguém que entenda e recolha os seus pedaços.E foi exatamente isso que aconteceu, porque enquanto Tank e Dállia aprendiam aos poucos a viverem aquela nova realidade, o avião da organização estava pousando em Nápoles.Nick olhou em volta, tudo parecia diferente, como se um clima tenso estivesse pesando no ar. Abraçou Olívia tentando protegê-la de algo que nem ele sabia o que era ou significava.Ficou ainda mais tenso quando dois homens de ternos se aproximaram com passos fortes.— Che bella surpresa ver-te! És dos nossos, espero.— Tuo padre è a Scampia... VieniOlíe se prendeu ao namorado, não entendia o que aquele homem estava falando, mas o tom era ameaçador.Nick abaixou e traduziu palavra por palavra como se fosse um profissional que estava ali apenas para isso.— Ele disse: Que está honrado com a nossa chegada, mas que espera que rea