Encaro a vista do térreo do hospital enquanto o final da tarde pinta o céu com tons alaranjados. Respiro fundo, tentando dissipar a inquietação que me acompanha desde que cheguei aqui. Jogo a bituca do cigarro no chão, esmagando-a com o pé. Já estou aqui há tempo demais. Mordo o lábio inferior e decido voltar para o quarto da Olívia.Subo lentamente, e ao chegar no corredor, percebo que está vazio. Talvez meus pais, o senhor Montenegro e o Alex já tenham ido embora. É melhor assim. Não terei que lidar com aquelas conversas desconfortáveis tão cedo.Abro a porta do quarto, mas a cena que encontro me paralisa. Olívia está chorando, mas, ao notar minha presença, apressa-se a limpar as lágrimas, como se quisesse esconder qualquer sinal de fraqueza.Fecho a porta atrás de mim e caminho até ela. Seus traços delicados estão marcados pela tristeza, e, de alguma forma, isso me incomoda.— O que aconteceu com o teu rosto? — ela pergunta, a voz rouca de tanto chorar.— Nada demais — respondo, se
— Então aquele é o incrível Damien Carter em carne e osso? Ele é muito bonito, você é muito sortuda, Liv. — Ana comenta em tom divertido assim que Damien sai do quarto. Ela balança as mãos agitadas, soltando um gritinho de animação.— Ana... para. — Tento conter o riso, mas é quase impossível.— Você sabe que é verdade. — Ela rebate, apontando o dedo na minha direção com um sorriso travesso.— Sim, ele é muito bonito, mas beleza não é tudo. Além disso... ele já ficou com a Ofélia e, muito provavelmente, ela está apaixonada por ele ao ponto de me atropelar.Ana para de sorrir. Sua expressão muda, carregada de incredulidade.— O quê? Como assim foi a Ofélia que te atropelou?— O Alex disse-me que o Damien descobriu isso nas filmagens do estacionamento. — Digo, hesitante.— Que maldosa, não estou surpresa. E, honestamente, não seria a primeira vez que a tua irmã... — Ana para de falar abruptamente, mordendo o lábio, como se estivesse prestes a cruzar uma linha que prometemos não ultrapas
Assim que chego em casa, estaciono o carro e entro na residência. Deixo as chaves do veículo na entrada e subo as escadas, cansado, mas com a mente fervilhando. Quando estou no meio do corredor, vejo o Ethan descendo as escadas, todo arrumado. A última vez que o vi assim foi no leilão. Ele me vê e sorri, e logo percebo que está planejando algo. Ignoro por completo o seu olhar curioso e continuo subindo as escadas sem responder ao questionamento sobre o que aconteceu com o meu rosto.Chego ao meu quarto e, sem hesitar, vou direto ao banheiro. O reflexo no espelho me faz suspirar, faço um banho e depois de um breve curativo, visto algo mais confortável. O cansaço começa a pesar, mas a pressão não me deixa descansar. Saio do quarto e sigo até o escritório.Sento-me na cadeira e abro o relatório da reunião que a Parks enviou. Leio-o atentamente e faço algumas anotações enquanto penso na melhor maneira de apresentar meu projeto à equipe da Elysium. O tempo parece ter desaparecido enquanto
Existiam mil e uma coisas que imaginei encontrar ao acordar, mas nunca minha mãe sentada numa cadeira ao lado da cama, os olhos fixos no nada e o rosto marcado pelo cansaço e, aparentemente, por uma noite de choro. A luz do sol filtrava-se pelas cortinas, mas não parecia aliviar o peso que pairava no ar. Ela percebeu quando abri os olhos, e sua postura mudou imediatamente. Sem dizer nada, ela se levantou, caminhou até mim e, num gesto inesperado, desferiu um tapa contra o meu rosto.O impacto ecoou pelo quarto, mais pela surpresa do que pela dor. Levei a mão à bochecha, atônita, tentando entender o que tinha acabado de acontecer.— Isso é pela minha filha. — Ela disse, com uma voz cortante que parecia carregada de ressentimento.— Mãe...? O que foi isso? — Perguntei, confusa e incrédula.Ela respirou fundo, como se precisasse se acalmar, mas a frustração transparecia em cada palavra.— Você percebeu os problemas que provocou, Olívia? Eu tentei de todos os jeitos ajudar você, mas é imp
— Bom dia. Digo ao entrar na sala de jantar, minha voz quebrando o silêncio pesado que paira no ar.Minha mãe, sentada à cabeceira, ergue os olhos do copo de suco. Seu sorriso é frio, quase automático.— Bom dia, querido. Descansou bem?— Sim. — Minto. O sono tem sido uma miragem nos últimos dias, e as olheiras sob meus olhos denunciam isso. Mas não é algo que minha mãe ou qualquer outra pessoa precise saber. Meu pai, sentado ao lado dela, permanece calado. Ele mexe no café com a colher sem nunca levantar os olhos. É estranho vê-lo assim, alheio ao que acontece ao redor. — Pai, está tudo bem? — Pergunto, tentando entender o que se passa.Minha mãe suspira, impaciente.— Seu pai está bem, talvez apenas um pouco abalado pelas ações do seu irmão. — Sua voz carrega o tom cortante de reprovação que lhe é característico. — Tudo isso seria evitado se não fosse por essa competição absurda. Era mais simples passar a posição para você e acabar logo com isso.Antes que eu pudesse responder, Eth
O tempo, em sua essência, é tanto nosso aliado quanto nosso maior adversário. Ele nos ensina que tudo o que existe está intrinsecamente conectado: cada ação, cada escolha, cada respiração. Carl Sagan nos lembra que nossas vidas são apenas breves momentos, pequenos fios em uma vasta tapeçaria que começou muito antes de nós e continuará muito além de nossa existência. Há algo profundamente melancólico nessa perspectiva. Vivemos com a ilusão de permanência, mas o tempo nos força a confrontar a transitoriedade de tudo o que amamos. Ele molda nossas histórias, mas nunca nos permite segurá-lo. Cada instante é precioso porque escapa de nós antes mesmo de podermos compreendê-lo plenamente. Enquanto reflito sobre isso, observo o quarto em que estou. O silêncio é quase absoluto, quebrado apenas pelo som distante de passos no corredor e o bip ocasional das máquinas conectadas a outros pacientes. O cheiro de antisséptico impregna o ar, e a luz fria do hospital parece intensificar o vazio que s
— Eu estou morto. — Ronan suspira dramaticamente, largando os papéis sobre a mesa e reclinando-se na cadeira. Ele passa a mão pelos cabelos e fecha os olhos, como se o peso do mundo estivesse sobre ele. — Sério, como você consegue trabalhar tanto e não surtar?— Talvez porque eu amo o meu trabalho? — respondo, mantendo meu tom calmo, sem desviar o olhar dos relatórios à minha frente.— Isso não é amor, primo, é obsessão. Coitada da Parks, tendo que te aturar todos os dias. Aliás, onde ela está?— Já foi para casa.— O quê? Você dispensou a Parks, mas me prendeu aqui?— Parks é uma funcionária como qualquer outra. Ela tem um horário de entrada e saída, e só faz horas extras em situações de emergência. Eu prefiro fazer meu trabalho sozinho, sem distrações ou pessoas olhando o relógio a cada cinco minutos. — Ergo o olhar, notando seu ar de indignação. — Ela é empregada. Eu sou o empregador. Nossas responsabilidades e horários são diferentes.— Foda-se. Eu não sou casado com o trabalho co
Meu coração bate acelerado, descompassado, como se fosse sair do peito. No silêncio do quarto, me pergunto se Damien consegue ouvir. Fecho os olhos, tentando controlar as emoções, mas o peso da presença dele é sufocante. Esse quarto parece pequeno demais para nós dois.Decido que preciso de espaço. Puxo o cobertor de cima de mim, expondo minha perna engessada. Com cuidado, desço da cama e pego as muletas. Respiro fundo, já que cada passo é um desafio. Olho para Damien e o vejo me observando com atenção, seus olhos intensos, mas indecifráveis.— Vou ao jardim. — Quebro o silêncio, a voz mais firme do que esperava. — Se quiseres, podes vir comigo.Damien não responde de imediato. Seus olhos permanecem fixos nos meus, avaliando algo que eu não consigo decifrar. Depois de alguns segundos, ele se levanta e, sem dizer nada, começa a me acompanhar. Ele é muito mais alto do que imaginei.Caminho devagar, cada passo cuidadoso e calculado. Damien segue ao meu lado, ajustando seu ritmo ao meu. É