Existiam mil e uma coisas que imaginei encontrar ao acordar, mas nunca minha mãe sentada numa cadeira ao lado da cama, os olhos fixos no nada e o rosto marcado pelo cansaço e, aparentemente, por uma noite de choro. A luz do sol filtrava-se pelas cortinas, mas não parecia aliviar o peso que pairava no ar. Ela percebeu quando abri os olhos, e sua postura mudou imediatamente. Sem dizer nada, ela se levantou, caminhou até mim e, num gesto inesperado, desferiu um tapa contra o meu rosto.O impacto ecoou pelo quarto, mais pela surpresa do que pela dor. Levei a mão à bochecha, atônita, tentando entender o que tinha acabado de acontecer.— Isso é pela minha filha. — Ela disse, com uma voz cortante que parecia carregada de ressentimento.— Mãe...? O que foi isso? — Perguntei, confusa e incrédula.Ela respirou fundo, como se precisasse se acalmar, mas a frustração transparecia em cada palavra.— Você percebeu os problemas que provocou, Olívia? Eu tentei de todos os jeitos ajudar você, mas é imp
— Bom dia. Digo ao entrar na sala de jantar, minha voz quebrando o silêncio pesado que paira no ar.Minha mãe, sentada à cabeceira, ergue os olhos do copo de suco. Seu sorriso é frio, quase automático.— Bom dia, querido. Descansou bem?— Sim. — Minto. O sono tem sido uma miragem nos últimos dias, e as olheiras sob meus olhos denunciam isso. Mas não é algo que minha mãe ou qualquer outra pessoa precise saber. Meu pai, sentado ao lado dela, permanece calado. Ele mexe no café com a colher sem nunca levantar os olhos. É estranho vê-lo assim, alheio ao que acontece ao redor. — Pai, está tudo bem? — Pergunto, tentando entender o que se passa.Minha mãe suspira, impaciente.— Seu pai está bem, talvez apenas um pouco abalado pelas ações do seu irmão. — Sua voz carrega o tom cortante de reprovação que lhe é característico. — Tudo isso seria evitado se não fosse por essa competição absurda. Era mais simples passar a posição para você e acabar logo com isso.Antes que eu pudesse responder, Eth
O tempo, em sua essência, é tanto nosso aliado quanto nosso maior adversário. Ele nos ensina que tudo o que existe está intrinsecamente conectado: cada ação, cada escolha, cada respiração. Carl Sagan nos lembra que nossas vidas são apenas breves momentos, pequenos fios em uma vasta tapeçaria que começou muito antes de nós e continuará muito além de nossa existência. Há algo profundamente melancólico nessa perspectiva. Vivemos com a ilusão de permanência, mas o tempo nos força a confrontar a transitoriedade de tudo o que amamos. Ele molda nossas histórias, mas nunca nos permite segurá-lo. Cada instante é precioso porque escapa de nós antes mesmo de podermos compreendê-lo plenamente. Enquanto reflito sobre isso, observo o quarto em que estou. O silêncio é quase absoluto, quebrado apenas pelo som distante de passos no corredor e o bip ocasional das máquinas conectadas a outros pacientes. O cheiro de antisséptico impregna o ar, e a luz fria do hospital parece intensificar o vazio que s
— Eu estou morto. — Ronan suspira dramaticamente, largando os papéis sobre a mesa e reclinando-se na cadeira. Ele passa a mão pelos cabelos e fecha os olhos, como se o peso do mundo estivesse sobre ele. — Sério, como você consegue trabalhar tanto e não surtar?— Talvez porque eu amo o meu trabalho? — respondo, mantendo meu tom calmo, sem desviar o olhar dos relatórios à minha frente.— Isso não é amor, primo, é obsessão. Coitada da Parks, tendo que te aturar todos os dias. Aliás, onde ela está?— Já foi para casa.— O quê? Você dispensou a Parks, mas me prendeu aqui?— Parks é uma funcionária como qualquer outra. Ela tem um horário de entrada e saída, e só faz horas extras em situações de emergência. Eu prefiro fazer meu trabalho sozinho, sem distrações ou pessoas olhando o relógio a cada cinco minutos. — Ergo o olhar, notando seu ar de indignação. — Ela é empregada. Eu sou o empregador. Nossas responsabilidades e horários são diferentes.— Foda-se. Eu não sou casado com o trabalho co
Meu coração bate acelerado, descompassado, como se fosse sair do peito. No silêncio do quarto, me pergunto se Damien consegue ouvir. Fecho os olhos, tentando controlar as emoções, mas o peso da presença dele é sufocante. Esse quarto parece pequeno demais para nós dois.Decido que preciso de espaço. Puxo o cobertor de cima de mim, expondo minha perna engessada. Com cuidado, desço da cama e pego as muletas. Respiro fundo, já que cada passo é um desafio. Olho para Damien e o vejo me observando com atenção, seus olhos intensos, mas indecifráveis.— Vou ao jardim. — Quebro o silêncio, a voz mais firme do que esperava. — Se quiseres, podes vir comigo.Damien não responde de imediato. Seus olhos permanecem fixos nos meus, avaliando algo que eu não consigo decifrar. Depois de alguns segundos, ele se levanta e, sem dizer nada, começa a me acompanhar. Ele é muito mais alto do que imaginei.Caminho devagar, cada passo cuidadoso e calculado. Damien segue ao meu lado, ajustando seu ritmo ao meu. É
Saio do jardim, deixando Olívia e Easton sozinhos, embora isso esteja longe de ser a minha vontade. Cada fibra do meu ser grita para ficar, para afastá-lo dela, mas me obrigo a seguir em frente. Desde o leilão, Easton tem sido uma peça estranha nesse quebra-cabeça, sempre perto demais, com aquele olhar de "bom moço" que me irrita profundamente. Não consigo confiar nele. Traidor.Passo a mão pelo cabelo, tentando organizar os pensamentos, enquanto caminho em direção à saída. Pego o telemóvel no bolso e vejo uma série de chamadas perdidas: Ronan, Levi, Reed, minha mãe. Só a dela me preocupa. Celine Carter é o tipo de pessoa que mobilizaria uma operação policial se achasse que algo aconteceu comigo. Disco o número dela e, no segundo toque, ela atende com urgência.— Damien Carter, onde tu estás? — A voz preocupada dela soa do outro lado da linha.— Estou bem, mãe. No hospital com a Olívia — digo, tentando tranquilizá-la.— Precisas vir para casa imediatamente.— Venho mais tarde, estou a
As palavras de Damien ainda ecoavam na minha mente. Ele saiu do quarto antes que eu pudesse respondê-lo, deixando-me com a sensação de que a decisão estava apenas em minhas mãos. Passei a mão pelos cabelos, tentando, inutilmente, dissipar o turbilhão de pensamentos. A ideia era absurda, mas de alguma forma... tentadora. Não era o que eu sonhei para minha vida, muito menos agora, mas havia uma lógica perversa na proposta. Poderia ser uma oportunidade, uma maneira de encontrar estabilidade no meio do caos que minha vida se tornou.Olhei para as tulipas na mesinha ao lado. Easton as trouxera mais cedo. Sua presença tinha o dom de acalmar meus nervos, como um bálsamo que eu não sabia que precisava. Mas Damien... Damien era o oposto. Ele vinha como um furacão, jogando minhas certezas pelos ares e me deixando com perguntas que eu não sabia como responder.E se eu aceitasse? E se não aceitasse? Cada escolha parecia me levar a um futuro incerto.A porta se abriu, interrompendo meus devaneios
Assim que chego na Orion, percebo que o caos outrora formado por jornalistas e paparazzi já não existe, o que, de algum modo, traz um certo alívio. Desço do carro e caminho em direção ao elevador após estacioná-lo na minha vaga. Ao entrar, vou direto para minha sala, onde me sento na cadeira e fecho os olhos por alguns segundos. O silêncio domina cada centímetro da sala, até que ouço duas batidas na porta.— Pode entrar. — Digo, recompondo minha postura. Quando vejo quem é, a surpresa rapidamente dá lugar à irritação. Easton Royal. — Você tem que ser muito corajoso para vir até aqui.Ele entra com aquele mesmo olhar confiante de sempre e se senta à minha frente, como se eu tivesse permitido.— Acredite, eu não viria se não fosse algo importante.— E o que seria essa "coisa importante"? Aproveite que estou com paciência.— A Olívia. — Arqueio a sobrancelha, esperando. — Quero saber quais são as suas intenções com ela.— Que tipo de intenções você acha que eu teria com a minha noiva? —