Vinte e quatro horas haviam se passado desde que tinham chegado ao hospital. A equipe já tinha cuidado de tudo, e Speedy havia tomado um avião particular de volta à Suíça para entregar o bebê que tinham ido resgatar à sua mãe. O resto dos rapazes continuava com ele em Praga, esperando do lado de fora daquele hospital, já devidamente vestidos como civis para não chamar atenção.Milo não tinha saído daquele quarto mais que para trocar de roupa; primeiro porque não queria deixar o bebê sozinho, e segundo porque o bebê não queria que ele fosse embora. Ninguém podia explicar, talvez fosse apenas o fato de que tinha sido o homem que o tinha tirado de debaixo daquela cama quando estava sufocando, o certo era que havia um vínculo especial entre a criança e ele.Então quando Jhon entrou para trazer as boas notícias, encontrou-os numa posição que já era quase habitual: Milo meio encolhido na cadeira de balanço tamanho único que não era obviamente para homens do seu tamanho, e o menino todo espar
DOIS MESES DEPOIS—Anja! —o grito do capitão do restaurante retumbou em seu cérebro como uma corneta.Abbot tinha o tom mais estridente e desagradável do planeta Terra e o pior era que gostava de usá-lo, principalmente com ela.Anja limpou os olhos vermelhos pelas lágrimas e saiu do refrigerador da cozinha. Aquele homem gostava de repreendê-la na frente de todos, fossem funcionários ou clientes, chamando-a de inútil e gritando que ela não gostava de trabalhar.Isso era verdade em parte. Não era uma inútil, mas não queria trabalhar, só queria se enrolar em sua cama e morrer de fome e de tristeza, tranquilamente, como qualquer pessoa em luto. Mas infelizmente ainda existia um mínimo de sobrevivência nela, para sobreviver devia comer e, bem... para comer tinha que trabalhar.Vocês dirão: E por que não procurava outro trabalho? Pois porque depois de três anos na prisão quase ninguém estava disposto a lhe dar trabalho. As pessoas fugiam dela como da peste e os que não, se achavam no direito
—Então um corte vermelho... —anotava Anja em seu bloco—. Ao ponto... bem ao ponto... ok, entendo, bem mal passado... sim senhor... sim... —caminhou até a cozinha para deixar o pedido e Sonia a encontrou na volta.—Aquele cara disse que é para você atendê-lo —resmungou e Anja olhou em sua direção."Aquele cara", pensou. Algo sério ele devia ter feito para Sonia para já não ser mais "o gato" e sim "aquele cara".—Boa noite. Me disseram que solicitou uma troca de garçonete. O que vai querer?O homem a olhou, mas ela tinha os olhos fixos no bloco.—Pode me recomendar algo? —perguntou ele com voz suave e ela o olhou nos olhos.—Que vá a um restaurante melhor, estou brava com o capitão do salão e acho que babei em todas as carnes —respondeu Anja e ele caiu na risada, um sorriso limpo e luminoso que fez a moça estremecer.—Então que tal uma sobremesa? Nessas você babou também?—Não, nessas não —murmurou ela.—Bem, seria tão gentil de me trazer a menos ruim? —pediu e ela anotou algo no bloco.
Anja sentiu uma fisgada de dor no peito. Não amava seu trabalho no restaurante mas sabia que dependia dele.—Está demitida. Saia daqui!—Bem, então me pague o que me deve e eu saio! —replicou com um nó na garganta.—O quê? Te pagar? Sabe quanto custa cada um desses cortes de carne, e você arruinou quatro? —sibilou Abbot com desprezo.—Arruinei um, o resto foi problema do cozinheiro e do idiota que não quis comer nenhum! —exclamou Anja enquanto seus olhos se umedeciam. Ganhava o salário mínimo no restaurante e as gorjetas não eram generosas naquele lugar. Se não lhe pagassem ao menos o básico não teria como pagar o quartinho miserável onde morava—. Você me deve a última quinzena e a rescisão de seis meses! Não sou uma idiota, conheço meus direitos!—Você não tem direito a nada! —gritou Abbot—. Você só está aqui porque eu permiti e a menos que queira voltar para a cadeia vai sair agora mesmo! Suma e não volte ou farei com que esse cliente te acuse de agressão! Vai parar na cadeia de novo
Anja pensou cem vezes antes de sair pela porta. Tinha receios do que aquele homem poderia querer? Muitos, mas o assunto era simples: com muita dificuldade tinha conseguido no restaurante, o programa de "reinserção à sociedade" das prisões austríacas era um lixo, e ninguém queria lhe dar trabalho. Antes de ir para a cadeia era administradora em uma escola primária, mas com seus antecedentes já nem podia sonhar com isso.Seu instinto de sobrevivência sempre tinha pesado mais, então eventualmente saiu de seu quarto e desceu as escadas para encontrar uma van preta quase de luxo estacionada em frente ao seu prédio. Milo estava apoiado nela e Anja deu meia volta.—Ei, espera! Aonde você vai? —gritou ele.—A qualquer lugar longe da sua banheira com gelo. Não sou doadora de órgãos, nem voluntária nem involuntária —resmungou ela e Milo deixou escapar uma gargalhada que a fez parar—. O quê?Ele colocou as mãos nos bolsos com um sorriso suave.—Disse a um amigo que precisava me assegurar de que v
Milo sentia que algo se revolvia dentro dele ao vê-la chorar, porque era demasiado evidente o desespero e a sinceridade naquelas lágrimas.—Escuta, não tenho todas as respostas em minhas mãos, mas todos dizem que o DNA não mente, certo? —murmurou levantando seu queixo e olhando em seus olhos. Você não vai saber o que está acontecendo na realidade até que estejamos lá e você repita os exames. Então: quer ir à Suíça comigo? Está disposta a fazer isso, Anja?A moça voltou seu olhar para o céu onde as nuvens abriam caminho entre o sol e um pouco de vento. E apesar do medo que sentia, afirmou com a cabeça.—Sim —disse por fim—. Preciso saber... Podemos ir já?Milo assentiu suavemente.—Claro. Tenho um voo particular esperando por nós.Anja se pôs de pé e juntos caminharam de volta ao estacionamento. Estavam prestes a chegar quando um carro passou ao seu lado em alta velocidade, levantando uma nuvem de poeira que fez Milo xingar e a moça recuar.Anja cobriu a boca e começou a tossir violenta
Acomodou-a no carro e colocou o cinto antes de ligar para John.—Pronto, podemos ir.—Com ou sem a moça?—Com a moça —respondeu Milo e em questão de minutos John preparou tudo e foi esperá-lo no aeroporto.Ele também estava curioso para conhecer a moça, mas pelo menos esperava vê-la chegar andando com seus próprios pés.—Sequestro, Milo? Esse é um salto interessante na sua carreira —observou—. Ela não quis vir e você decidiu tomar o assunto nas suas mãos... ou nos seus braços?... Você está cheirando ela?—Só estou respirando, John, não seja palhaço! Além disso, ela tem um cheiro bom —resmungou Milo carregando-a até o avião—. E claro que ela queria vir, só desmaiou quando eu disse o nome do Niko, não sei por quê, imagino que signifique algo para ela. Agora se faça útil e traga a bolsa dela, vai.Dez minutos depois estavam sentados no avião particular e Milo acomodava a moça em um dos assentos. Decolaram imediatamente e os dois homens foram para o outro extremo do pequeno aparelho para p
Acalmá-la foi mais difícil do que Milo havia esperado, afinal, havia muitos anos de dor acumulados no coração daquela garota, mas quando começou a faltar ar novamente, Anja não teve escolha senão fazer sua parte e se acalmar.Desembarcaram no aeroporto de Zurique e imediatamente subiram nas vans que já os estavam esperando. Jhon seguiu para Lucerna, onde Chiara e suas filhas o esperavam, e Milo levou a moça para um belo hotel no centro da cidade.Anja olhou ao redor assustada quando entraram, e Milo a viu limpar instintivamente as mãos na calça, como se temesse sujar algo. A suíte era enorme, com um quarto, uma sala, um pequeno bar e uma varanda.—Espero que você goste, vai ficar aqui por alguns dias até que possamos decidir o que fazer —explicou Milo deixando sua bolsa sobre o sofá—. Por enquanto descanse, tome banho, tente se acalmar. Virei buscá-la à tarde para irmos à clínica fazer o exame de DNA. Tudo bem?—Hum... tudo bem. Como você disser.A verdade é que ela tinha um monte de p