06

Cavalgo no ritmo do meu coração, rápido e intensamente, sinto tanta pressa em vê-lo novamente, o desconhecido, e saber se está bem, pois deixá-lo naquele estado me perturbou a noite inteira inquietando meu sono, além do anseio que tenho em saber notícias de Bernard. Meu sentidos não me enganam, ele sabe de algo, talvez seja apenas este o motivo de tanta agitação. 

Ao me aproximar da construção abandonada, deixo Eros no mesmo lugar de sempre, sobre a sombra de uma árvore. 

Abro a porta bem devagar, e me surpreendo ao ver que a colcheia está vazia. Retiro minhas luvas de montaria e coloco a cesta no chão, quando tento desvendar o desaparecimento do homem, de repente sinto que não estou só, todo meu corpo se agita, minha respiração se descontrola, e sei que ele está bem atrás, e pelo som de sua respiração sobre mim, ele não está nada amigável, acho que irá me atacar. Me abaixo e giro meu corpo rapidamente, consigo me colocar por trás dele num golpe que fui bem treinada, ele é muito alto pouco mais que eu, então chuto seu joelhos por trás o fazendo cair, e com o braço direito envolvo seu pescoço o comprimido na dobra de meus cotovelos e aperto sua garganta com força. 

Ele geme e leva a mão ao ferimento.

— Quem é você? — a voz grave mas entrecortada pela dor e fraqueza invade meus ouvidos. 

Ele está tão próximo que sinto seu calor, respira de forma descompassada, certamente desejava atacar e não ser atacado. Aos poucos vou afrouxando as mãos e me afasto assistindo ele massagear a garganta livre e acalmando sua respiração. Quando o estranho ergue o rosto me encarando fica perplexo com minha figura, aparentemente de uma doce e inocente mocinha indefesa, pelo menos é o que meus vestidos delicados dizem.

— Você!? — ele fala com espanto.

Os olhos do estranho me analisam com intensidade, chego a perder o fôlego, diria que ele está um tanto admirado, não sei ao certo, nunca experimentei ser avaliada desta forma por um homem. Passo a língua sobre meus lábios e respiro fundo. E ele engole seco ainda com seus olhos sobre os meus.

— Não fique assustado, fui eu quem o ajudei. Você estava na praia quase morto, te trouxe para cá e cuidei dos seus ferimentos!

Por um instante ele se organiza como se colocasse os pensamentos em ordem e me analisa da cabeça aos pés como se achasse impossível que eu o tenha ajudado. Algo nele me desestabiliza por completo, e não digo pelo fato de estar vestido apenas de coletes deixando seu peito semi descoberto, imediatamente começo a ficar rubra e não consigo o encarar, toda minha valentia se vai e a única reação que tenho é a de fitar o chão. Nenhum homem jamais me causou tamanha timidez, esse desconhecido desperta coisas estranhas em mim. 

— E… como a Senhorita… conseguiu me trazer até aqui?

Noto que ele parece não acreditar que não sou tão frágil quanto pareço.

— Fui muito bem treinada! — falo com orgulho, tentando disfarçar o quanto estou intimidada com seu olhar. 

O homem se aproxima devagar e eu apenas o observo imóvel, assim de pé e consciente, ele parece mais forte e maior, quando eu era criança, mamãe contava várias histórias sobre deuses mitológicos e homens de grande beleza e força, talvez eu o esteja comparando com alguns deles, neste momento.

Engulo seco.

Ficamos parados em nosso contato por um instante, de repente ouvimos o som de Eros relinchando veemente, nos desviando a atenção imediatamente. O homem ao meu lado que ainda nem ao menos sei o nome faz um gesto para que eu fique parada e leva o dedo nos lábios pedindo silêncio. Caminhamos em passos lentos até a porta, ele vai a frente, como se eu não fosse capaz de me defender e ele não estivesse tão ferido.

— Estou desconfiado que há pessoas vigiando, por isso lhe ataquei. Pensei que fosse algum inimigo — ele sussurra bem baixinho.

Observamos o lado de fora através de uma fenda na parede e meu coração se aperta ao ver tamanha covardia, dois homens provocam Eros e o atacam entre gargalhadas como se fosse uma diversão. A raiva invade meu corpo, dou um passo a frente com toda minha ira.

— Eles não podem fazer isso com meu cavalo! — sussurro indignada.

Mas o homem atrás de mim me contem, ele j**a meu corpo contra a parede delicadamente e leva a mão em minha boca me impedindo de reclamar. Dois pares enormes de olhos castanhos me analisam como se pudessem ver minha alma, novamente me agito. Seu corpo está praticamente colado ao meu, meu rosto queima por tal aproximação, e sinto algo inquietante através dos olhos dele também, sei que seria fácil me soltar de seus braços que estão sobre meu peito, mas simplesmente não consigo reagir. O movimento pesado do meu peito sobe e desce numa velocidade assustadora por sobre o tecido do meu vestido, mais especificamente sobre meu decote que felizmente é recatado o bastante.

— A Senhorita não pode ir até lá, é perigoso. Certamente estão à minha procura!

Respiro fundo, tentando me acalmar, mas o toque quente de sua mão enorme sobre meus lábios não ajuda muito. Quando percebe a reação que causa sobre mim, ele me solta devagar.

— Me perdoe — fala e dá passos lentos para trás sem tirar os olhos dos meus.

Cada parte de mim queima de uma forma assustadora, talvez minhas pernas nem funcionam mais como deveriam. Então, o relinchar de Eros soa mais desesperado desta vez, nos tirando do transe.

— Fique aqui, eu vou cuidar disso — ordena se asfaltando até a entrada.

Acredito que o cavalheiro não acredita que sou capaz de defender meu animal. E, vejo que os homens lá fora continuam atacando Eros. Então, quando perco o desconhecido de vista, fica mais fácil me recompor, porém, não lhe obedeço e saio para fora.

— Porque não mexem com alguém que possa lhes dar uma boa lição?  — ouço ele falar com valentia quando está diante dos dois bárbaros vestidos de soldados do lado de fora.

Ambos parecem satisfeitos por verem o homem a minha frente, acredito que estavam o procurando, pelo visto foram eles quem o atacaram. Mas quando me veem, ficam a me analisar.

— Parem com isso imediatamente, esse cavalo me pertence! — grito com indignação pela forma que estavam atacando Eros.

— A Senhorita deveria ter ficado ao lado de dentro, como ordenei!

— Mas este cavalo me pertence! — reclamo.

O desconhecido expele o ar com força insatisfeito.

— É muito perigoso!

Entretanto, quando penso em algo para respondê-lo, um dos dois paspalhos a frente se manifestam:

— Então, a Senhorita é a dona desta belezura? 

Ambos riem um para o outro com cumplicidade. Odeio a forma que me olham.

— Uma belezura dona de outra belezura! — o outro completa cheio de malícia.

Na sequência, ambos caem na gargalhada como se divertissem com a situação. Eles cochicham algo, e me preparo para uma possível defesa.

Um deles, o maior, se aproxima de Eros e continua ameaçando cortá-lo.

— Não! Não faça isso ou eu sou capaz de…— não consigo completar a ameaça, me lembrando que esse cavalo foi um presente de papai.

Desta vez eles riem como se minhas palavras fossem cômicas.

— Chega! É a mim que vocês querem, deixem as moça e o cavalo em paz!

Os dois homens ficam nitidamente satisfeitos em ver o desconhecido próximo de mim, é notório que realmente estavam o procurando.

— Capitão, James Winston! — um deles fala com sarcasmo.

Fico encarando todos os três, os inimigos e o tal Capitão James, ainda preocupada que o patife machuque meu cavalo.

— Eu disse que ele não estava morto! — o outro afirma animado.

James dá um passo a frente retirando a mão de cima do ferimento na costela a erguendo, ficando entre mim e os imbecis com as mãos rendidas.

— Podem me levar, mas deixem a moça.

Imediatamente eu dou um passo me colocando à frente dele.

— Não, você está maluco? Eles vão matá-lo !

Os dois continuam rindo.

— É do feitio do Capitão ter uma mulher lhe defendendo.

Não entendo o que querem dizer com isso. Apenas sei que o tal, James, se é assim que ele se chama, não está em condições de lutar, ainda está fraco e ferido e certamente, esses, desejam o matar.

— Nos deixem em paz! Sou filha do general Theodoro Lewis, se nos deixarem ir, terão suas vidas poupadas.

O dois homens continuam a rir como se tudo o que eu disse não tivesse importância alguma.

— A Senhorita é filha do general Theodoro? — o homem que agora sei que trata de um capítão me pergunta surpreso e olhando para mim.

— Sim, sou.

— Então você dever ser... A Srta. Helena Lewis…?

Ele diz meu nome e apesar de toda situação, sinto cada extremidade do meu corpo se enrijecer com a forma que meu nome soa em sua boca.

— Como você sabe meu nome?

— Sou o capitão responsável pelo grupo de busca que resgatou seu irmão, Bernard Lewis.

Uma explosão de felicidade me invade, eu sabia que que este homem teria notícias de Bernard, meu instinto não falhou. Porém, não temos tempo para dialogar, nossos inimigos a frente não desejam dar essa trégua.

— Não nos importamos com quem você seja, nosso grupo derrotou o exército de Constantine e sua tropa de Molavid, agora precisamos acabar o serviço com o capitão aí... E depois... — os dois se entreolham com aquele olhar que eu odeio. — Essa mocinha será nossa, vamos fazer o que quisermos com ela.

Noto a fúria do capitão James, ele parece também não ter se agradado das intenções deles..  

— Vocês não irão tocar em mim e muito menos no capitão James!

Novamente os dois homens se entreolham desacreditando em minhas palavras.

Um deles vem em minha direção com uma espada, não me esquivo, entro em luta mesmo desarmada. Me abaixo desviando da espada do primeiro homem, quando me levanto dou um golpe certeiro em seu rosto fazendo ele cair pra trás enquanto ele cambaleia surpreso com o golpe que acaba de receber, dou um chute com precisão em seu peito, rodopio e lhe acerto novamente, sua espada vai ao chão e eu a pego com avidez enquanto seu corpo é projetado para longe e ele cai próximo de James, lanço a espada para ele que segura no ar ainda surpreso com o que acaba de ver, mas entende o recado, e enfia no peito do inimigo. O segundo ainda está tentando entender o que está acontecendo, mesmo assim ele parte pra cima, desvio do primeiro golpe com facilidade, desvio do segundo e logo dou um chute em suas mãos e quando a espada cai consigo pegá-la antes de chegar ao chão. Rodopio e dou um chute em seu peito, ele caí, parece fraco, caminho lentamente analisando sua expressão desfalecida, me preparo para o golpe final, sei que preciso matar esse homem, mas em todos os meus treinos, nunca havia participado do uma luta de verdade, a única vez em que matei um homem foi há dez anos atrás quando ainda era uma criança, precisava salvar minha vida como agora. Por um instante penso que esse homem também pode ter feito mal a meu irmão, e sou preenchida por uma sede de justiça, levanto a espada e sem pensar duas vezes, o atravesso ainda no chão, o sangue se escorre sobre seu corpo, e quando me levanto, James está assistindo tudo numa mistura de admiração e surpresa, ainda não consigo identificar.

Me afasto do corpo e me aproximo do meu cavalo, acaricio Eros contente por ele estar bem.

— Bom garoto! — falo afagando meu animal de estimação enquanto me recupero das minhas emoções

A voz masculina que tanto me inquieta soa por detrás.

— Acho... Que deveríamos partir... Aqui já não é mais um lugar seguro.

Acho estranho o fato de James estar tão tranquilo, qualquer outro homem e principalmente um capitão, ficaria perplexo diante de uma mulher que acaba de derrotar dois homem. Mas ele, mesmo que um tanto surpreso, age normalmente.

Me viro ficando de frente para ele.

— Concordo, embora eu saiba me defender, capitão! 

(Achei a fala com certo exesso de carencia, poderia apenas se gabar)

Sua reação me deixa atônita, ele simplesmente abaixa a cabeça e ri. 

De alguma forma fico um tanto irritada com sua indelicadeza.

— Sim. Confesso que não dei crédito ao seu irmão quando me falou a respeito da senhorita. Mas ele estava certíssimo, foi bem treinada.

Sinto uma mistura de prazer em ouvir seus elogios, com alegria em saber que Bernard se referiu a mim com essas palavras.

Ele me olha nos olhos quando termina a frase. 

— Vejo que o senhor se tornou amigo de meu irmão, Bernard.

— Sim, ele é um grande soldado.

— Então ele está bem? — pergunto ansiosa.

A expressão do capitão não é das melhores.

— Resgatamos a equipe há duas semanas, estávamos trazendo todos de volta, a ordem era ancorar por aqui, seríamos recebidos pelo General Theodoro, seu pai. Mas fomos atacados próximo a ilha de Karidse, por uma tropa bem maior que a nossa. O tempo não ajudou, havia uma tempestade e era madrugada — de alguma forma meu coração se aperta, temo por uma notícia ruim — Lutamos bravamente, meu pessoal é bem treinado, mas fui atacado, caí ao mar. Consegui nadar e desaparecer do campo de visão dos inimigos, fiquei desacordado, e por um milagre você me encontrou... Na praia.

Respiro lentamente associando suas palavras.

— Então, o capitão não sabe o que aconteceu depois...?

— Não, eu não sei… sinto muito.

O clima fica tenso, a incerteza de ter perdido meu irmão é dolorosa, mas também é notório que o capitão, sente por sua tripulação, não sabe se sobreviveram.

— Acho que precisamos partir — ele fala novamente quebrando o silêncio.

Subo em Eros e depois ajudo o capitão James, ele ainda geme por causa da ferida, felizmente a febre passou, mas vou levá-lo para a casa e lá receberá os devidos cuidados, assim se recuperará rapidamente. Sinto uma parede de músculos se acomodarem atrás de mim, seu corpo quente se encaixa de uma forma confortável me deixando absolutamente constrangida com tanta aproximação, entretanto sei que ele precisa se apoiar em mim para chegar em segurança. Noto que o capitão também está inquieto com tamanha intimidade. 

Ainda estou colocando minha emoções em ordem quando ele diz:

— Srta. Helena. — sua voz grave penetra meus ouvido causando leves arrepios. — Obrigado, por salvar minha vida.

Há um tom sincero em sua voz.

Felizmente Eros começa a andar e a brisa leve me ajuda a respirar.

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