O Convite

- Licença. Vou ao banheiro. - Digo me pondo a me retirar.

Passo por Phelippe, ele não diz nada, mas sinto ele indo atrás de mim. Entrei nos corredores da escola, e de repente...

 - Juan. - Ele me chamou.

Me virei para ver o que ele queria comigo.

- Como você está se sentindo? - Perguntou.

- Ainda estou muito abalado com tudo isso. - Respondi. - E pensar que eu não fiz nada para salvá – la. Ah, se eu tivesse feito algo, talvez agora ela estivesse viva. É tudo culpa minha.

- Sabe, quando eu tinha 12 anos, eu perdi um irmão mais novo, de 6 anos. Estávamos na piscina de casa brincando. Eis, que ele começou a se afogar, pensei que era brincadeira, as vezes brincávamos assim. Pedi pra ele parar com isso, mas ele não parou, continuou e continuou com aquilo, então eu vi que infelizmente ele não estava brincando. Mesmo com pouca idade eu consegui o tirar da piscina, meus pais não estavam em casa, no momento estávamos apenas com um avô, que hoje já é falecido, mas ele era muito velhinho e surdo, não me escutou chamar por ele. Fiz de tudo para acordar meu irmão, mas ele não acordou. Quando meus pais chegaram, eu contei o que tinha acontecido, eles ficaram enlouquecidos, e com razão. Levamos ele para o hospital, para ver se tinha algo ainda a ser feito, mas era tarde demais, ele já estava morto. Meus pais ficaram muito mal, e me acusaram de ter matado meu irmão, falaram que era para eu ter cuidado dele e não ter assassinado ele. Durante anos eu convivi achando, que de fato eu tinha culpa, por anos eu me culpei da morte do Thiago, mas hoje eu sei que eu não tive culpa, não fui eu que afoguei meu irmão, foi um acidente, e eu fui tão vítima quanto ele. - Falou Phelippe. - Sei que é meio diferente, mas você também não teve culpa do acontecido com sua mãe, não foi você que a agrediu causando sua morte, não tens que se culpar por algo que você não fez.

Sem pensar duas vezes, eu abracei o garoto, e comecei a chorar. Notei algumas pessoas olharem pra gente meio torto, mas nem me importei com isso.

- Obrigado. - Falei.

Soltei o garoto, que sorriu docemente, e eu sorri também um pouco tímido.

O sinal da escola tocou e nos dirigimos para nossas salas.

- Até depois. - Falei.

- Até. - Ele entrou em sua sala.

Entrei na minha também. As duas primeiras aulas eram de História. O horário das aulas havia mudado no dia anterior, bem no dia que eu havia faltado, mas Thomas me passou o novo horário. O professor entrou logo em seguida, arrumou suas coisas em sua mesa, e depois olhou para a classe, ao me ver, ele sorriu, confesso que não entendi o porquê. Ele passou algum conteúdo, não lembro qual, mas era muito chato, e pra ferrar com tudo marcou prova para um mês depois, óbvio que ninguém gostou disso.

Ao terminar a aula de História, ele pegou suas coisas, porém quando ele estava saindo, ele passou por mim e disse:

- Me acompanhe, Juan.

''Xi, tô lascado.'' - Pensei achando que havia feito algo de errado.

O segui, e fomos para fora da sala, ficamos no corredor, senti um pouco de medo, pois estava achando que fiz algo de errado, mas não lembrava de nada que eu pudesse ter feito.

- Aconteceu algo, professor? - Perguntei meio nervoso.

- Não, fica tranquilo. É que eu soube o que houve com sua mãe, e queria saber como você está. - Disse o professor Rodrigo.

- Do mesmo jeito que uma pessoa fica ao perder a mãe. - Falo seriamente.

Ele abaixa a cabeça meio sem graça.

- E com quem você está morando agora? - Me pergunta sem tirar os olhos de mim.

- Sozinho. - Respondi.

- E você não tem família?

- Tenho uns tios e uma avó, mas eles moram em outro estado, e em cidades longes, e eu não quero me mudar e deixar meus amigos aqui. - Digo.

- Olha, eu moro sozinho, se você quiser poderia passar, sei lá, um tempo comigo, nem que fosse até você arrumar outro lugar para ficar, pelo menos, assim você não ficaria mais sozinho. - Ele fala me olhando nos olhos.

- Hã... Obrigado, mas não será necessário, estou me virando bem. Sei até cozinhar, tem que ver os miojos deliciosos que eu faço, é de carne, de galinha... Uma delicia, e as vezes rola até um ovinho frito. - Falei.

O professor riu com minha fala.

- Bom, se mudar de ideia, pode vir falar comigo, diferente do que pensam de mim, eu não mordo, não.

Ele faz um leve cafuné em meu cabelo, pisca o olho e sai. Fiquei alí parado por alguns segundos enquanto tentava entender o que aconteceu.

- O que está fazendo aqui? - Perguntou a professora de matemática.

- Estava falando com o professor de História. - Respondi.

- Ok, mas agora entre. - Ela disse.

Entrei e voltei a sentar em meu lugar. Fiquei pensando na conversa pra lá de estranha, que eu havia tido com o meu professor. Mas logo, esqueci isso, pensei que ele devia ter um carinho por mim, talvez eu lembre seu filho, ou um irmão, sei lá.

- O que ele queria contigo? - Me questionou Thomas.

- Depois eu te conto. - Respondi.

Terça – feira, 10h00.

Recreio.

Omar, Bernardo, Thomas e eu, estávamos sentados em um banco. Omar estava falando sobre algum assunto, não lembro o quê, e eu estava olhando para Phelippe, que estava um pouco distante, conversando com Nina. Por um momento pensei da onde eles se conheciam, mas logo lembrei que ela também era do segundo ano, e provavelmente, os dois fossem colegas. Phelippe me olhou brevemente e sorri, e eu sorrio de volta, nem sei por que fiz isso, foi meio no automático.

- Ah, me conta, o que o professor de História queria contigo, afinal? - Me questionou Thomas.

Fiquei na dúvida se devia contar a eles, ou não, mas resolvi falar, afinal, eram meus amigos. Contei a conversa que tive com ele, e os garotos acharam muito estranho.

- Cara, ou eu estou bem maluco, ou o professor estava dando em cima de ti. - Falou Bernardo.

- Quê? Não, claro que não. Ele só vai com a minha cara. - Digo sem crer no que Bê falara.

Terça – feira, 12h00. 

Saída do colégio, finalmente aquela manhã havia chegado ao fim.

Phelippe ia pra casa de uma tia naquele dia, que era a caminho da minha. Acabamos indo juntos até um pedaço do trajeto. Contei a ele o ocorrido com o nosso professor, e ele disse o mesmo que os garotos falaram.

- Você acha? - Perguntei.

- Tenho quase certeza. Esse cara está dando em cima de você. - Disse o garoto.

- Mas ele é bem mais velho que eu e é meu professor. - Falei em minha santa inocência..

- É, mas acho que ele está esquecendo disso. 

Não falei nada, apenas fiquei em silêncio enquanto pensava naquilo tudo.

- Olha cara, você não quer ficar lá em casa? Sei lá, pelo menos, até você encontrar um lugar fixo.

- Nossa, você está parecendo nosso professor falando. - Brinquei.

- Mas eu sou seu amigo. E aí, o que você acha? 

Pensei duas, três, quatro vezes no que Phelippe me falara. Não tinha certeza se essa era uma boa ideia, mas confesso que algo dentro de mim dizia que eu queria aceitar a proposta do garoto. E o que fazer com a minha casa?

- Não sei. - Digo. - Mas, e a minha casa?

- Ah, sei lá. Você pode deixar para se um dia você quiser voltar, ou dar uma festa, ou até mesmo se casar. - Disse o garoto sem tirar os olhos de mim, me deixando meio envergonhado.

- Ok, eu aceito. Mas, você sabe cozinhar?

- Cara, cê tá falando com o mestre da cozinha, sou profissional na culinária, faço tudo o que você possa imaginar, e até o que você não imagina. - Falou Phelippe em tom de brincadeira, e me soando meio piada de duplo sentido.

- Ótimo, porque miojo e ovo frito já estão acabando comigo. - Falei entre risos.

Ele riu também e eu fiquei observando sua risada.

Combinamos de eu ir pra casa dele mais tarde, depois que ele voltasse de sua tia. Confesso que eu estava meio empolgado para isso. Apesar de tudo, acho que seria legal morar com um amigo. Fui pra minha casa e arrumei tudo o que eu levaria.

- Roupas? Confere. Calçados? Confere. Cuecas? Confere. Produtos de higiene? Confere. Escova de cabelo? Confere. Bonés? Confere. É, acho que está tudo aqui.

Terça – feira, 18h00. 

Fui pra casa do Phelippe, ele havia me dado seu endereço, e não era tão longe de minha casa. Toquei a campainha e esperei um pouco. Em seguida, ele abriu a porta.

- Oi. - Ele me sorriu.

- Oi. - Digo.

Entrei em sua casa, e adivinhem qual é a primeira coisa que eu vejo? L-I-Z-Y.

- Lizy?

- Oi, Juan.

- Lizy veio me ver. - Diz o garoto.

''Ótimo, pelo menos, eles não moram juntos.'' - Pensei.

Larguei minha mochila no quarto do meu amigo, e me sentei no sofá junto com os dois, droga, detestava ter que ficar de vela. Lizy começo a falar sem parar, falava de tudo um pouco, pior que meus professores da escola, e eu já estava ficando tonto de tanto ouvi-la.

''Alguém faz essa garota calar a boca, pelo amor de Deus?'' - Pensei.

Mas ela não parava de falar, aquilo já estava virado em um monólogo, só ela falava, e o tempo todo, não deixa nem Phelippe falar, ele apenas concordava com tudo que ela diz.

''Como ele consegue ficar com essa garota?'' - Pensei.

Lizy continuava falando e falando, e falando mais um pouco. Será que ela não cansava nunca de falar? Como ela mesma se suportava? Ai, ela era tão irritante, já estava me dando nos nervos.

- Phelippe, eu posso tomar um banho? - Perguntei tentando me livrar daquela situação..

- Claro. O banheiro é logo ali. - Ele disse apontando para uma porta que estava fechada.

Peguei minhas coisas e fui tomar banho, me arrumei no banheiro mesmo, não ia passar de toalha na frente de Lizy, pois vai que ela não resistisse aos meus encantos, e eu que não roubaria a namorada do meu amigo, até porque eu preferia namorar com o Capeta do que com aquela garota.

Ao sair do banheiro, olhei para a sala e não a vi.

- Cadê a sua namorada? - Perguntei à Phelippe.

- Foi embora. - Ele disse enquanto arrumava algumas almofadas no sofá.

Sorri discretamente.

''Já foi tarde.'' - Pensei.

Nos sentamos no sofá, lado a lado.

- E você?

- O que tem eu? - Perguntei.

- Você não tem namorada? - Ele me questionou ao me olhar fixamente.

- Não. - Respondo meio cabisbaixo.

- Por quê? Você é legal, é boa pinta, e com todo respeito, é bonito. - Falou.

Cara, Phelippe estava falando que eu era bonito. Nossa, isso era muito surreal, quase não consegui crer, pois os garotos não costumam achar outros caras bonitos.

- Sei lá... - Falei timidamente. - Ainda não encontrei a garota que eu goste de verdade.

- Entendi...

O louro ficou me olhando, me deixando bem envergonhado. Por que será que ele tinha mania de me olhar desse jeito? 

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