Início / Otros tipos / Tudo o que aprendi até aqui / Criada para temer, cobrada para guerrear - Parte 1
Criada para temer, cobrada para guerrear - Parte 1

Cresci escutando o quanto o mundo é um lugar ruim e difícil. Realmente, o mundo é praticamente um campo de batalha. O ruim não foi minha mãe me repetir isso a vida toda, mas sim o fato de ela acreditar que me “protegendo” do mundo, me colocando em uma “redoma de vidro” estaria fazendo o melhor para mim.

Eu sei que ela se “jogou” no mundo cedo, que sofreu e quebrou a cara várias vezes. Mas acredito também que tudo isso a deixou mais forte. Criar seu filho protegendo-o de tudo e de todos, isolando-o, não o faz feliz e muito menos preparado para viver. Pais assim provavelmente não pensam que um dia, infelizmente, morrerão. E aí? Agora é seu filho e o mundo? Como faz?

Ouvi muito e li também uma frase que diz que “a gente cria o filho para o mundo”, minha mãe com certeza iria odiar ouvir isso. Na mente dela, fui criada para ela. Não sei se para o meu pai também. Nessa proteção, muitas vezes exagerada e cheia de proibições, cresci uma pessoa revoltada e só aprendi um pouco sobre o mundo, de fato, quando entrei na faculdade. E mais um pouco, quando passei um ano morando fora.

O ruim e o bom de morar sozinho é que você está sozinho. Mas na minha vez, eu me senti totalmente sufocada. Voltar para casa depois de passar um ano morando sozinha, fazendo boa parte do que eu queria no meu próprio tempo, é pior do que não ter saído antes. Não é que minha casa seja ruim, só que a forma como as pessoas que moram nela agem e pensam, é muito esquisita. Como se vivêssemos em uma ilha.

Acho terrível o conceito de que “prendendo” você está “protegendo”. Quem disse isso? Estando em casa podem acontecer vários acidentes, pode entrar um assaltante com você em casa (já que não pode “deixar a casa sozinha”, o que é mais uma desculpa esfarrapada). De brinde, os filhos podem ficar de dois jeitos: altamente dependentes dos pais e quando estiverem sem eles vão sofrer horrores (mas os pais não estarão vendo, né? Talvez o raciocínio seja esse...); ou se revoltarão.

Eu sempre quis sair da casa dos meus pais. Sempre ouço um “enquanto morar aqui tem que fazer o que queremos”, mas se falo em sair ouço um “o mundo é ruim, aqui é o melhor lugar”. Meu corpo colocou essa minha revolta em forma de problema de pele. E adivinhem? A culpa é da internet! Não do fato de eu me sentir presa, sufocada... Até porque, na cabeça deles, não há motivos.

Uma das coisas que aprendi observando a minha mãe?  Se eu tiver filhos um dia, eu irei treiná-los para a guerra. Nem soltar demais, nem os prender (olha, falando no plural, estou sendo bem positiva). Tudo deve ser dosado. E tenho treinado isso com meus gatos. Eles saem quando querem, voltam quando querem. O que alguns pais não entendem é que em vez de prender seus filhos, deveriam deixar o ambiente de um jeito que eles saiam e queiram voltar (não sumir e não voltar nunca mais).

Crianças e jovens não devem perder a magia da vida. Mas também não dá para dizer como é lá fora (se nem você sabe de tudo), é preciso experimentar. Temos que arriscar, quebrar a cara (ou não), descobrir do que gostamos. Não ficar trancado no quarto imaginando como deve ser lá fora. Os pais devem, sim, educar os filhos, explicar como as coisas são, as complicações (de acordo com a idade), mas tocar o terror só porque vocês não querem que ele saia de casa? Por favor.

Sabe uma das situações mais engraçadas (e que me irritaram muito!)? Foi minha mãe reclamando de eu não ter passado no concurso que ELA queria (pais, entendam que seus filhos têm vida própria, não existem para realizar os sonhos que vocês não correram atrás ou que não tiveram oportunidade de fazer). Disse que eu sou fraca, que não corro atrás e luto. Mas gente, se ela me criou para temer? Como diabos eu iria “correr atrás e cair no mundo” na adolescência, se durante toda a minha vida ouvi o quanto o mundo é ruim?

 E, veja, se eu tivesse feito isso, com certeza não seria para trabalhar onde ela queria. Se naquela época eu tivesse a mentalidade de hoje, as coisas teriam sido muito diferentes. Só que, a gente sabe, temos que viver para aprender.

Minha mãe é muito manipuladora e controladora. Aprendeu um negócio de jogar indiretas até eu “me oferecer” (forçadamente) a fazer algo que ela poderia muito bem ter pedido desde o início (mas gosta de joguinhos, e se eu for falar algo depois ela vai dizer “não lhe pedi, você fez porque quis”).

O problema de descobrir que você está sendo manipulado, é que você sabe cada movimento da manipulação. E como eu “estou na casa deles e tenho que fazer o que querem”, tenho que fingir que não entendi. Nossa, essa é uma das piores sensações que existe (exceto quando você joga junto, claro).

Existem dois tipos de filhos que ainda moram com os pais: aqueles que fazem isso e não ajudam em praticamente nada, aqueles que estão lá e ajudam de todas as formas que podem. É “engraçado” o fato de que morar com os pais te torna quase que instantaneamente um “vagabundo”.

Quem disse que morar na casa dos pais é vantajoso apenas para os filhos? Considerando o segundo caso citado no parágrafo anterior, se você mora na casa dos seus pais, ajuda nas despesas, vai resolver coisas como pagamentos e comprar, ajuda nos afazeres da casa, paga suas contas... é quase como morar com colegas, só que o peso é um pouco maior e você provavelmente ainda tem que ouvir um “a casa é minha, tem que fazer como quero”.

Leia este capítulo gratuitamente no aplicativo >

Capítulos relacionados

Último capítulo