Capítulo 1

Giordana

Cresci em um colégio interno na Inglaterra, lá haviam crianças de diferentes nacionalidades e principalmente de diferentes temperamentos. Por algum motivo que desconheço, ou talvez queira negar, sempre fui aquela criança calada, reservada e até um pouco tímida. Não dava trabalho para as professoras e funcionários do colégio interno, e nunca fui o centro das atenções.

Quanto mais o tempo passava, mais eu me adaptava a rotina do internato. Não seria errado dizer que fui moldada pelas babás. Nunca tive alguém me amando, fazendo cafuné, mimando, preparando comida diferente porque eu estava doente, ou fingindo que estava.

Acredito que por isso, não chorava, não sentia saudade de casa, não esperava cartas, presentes, telefonemas. Naqueles dormitórios frios e impessoais, me sentia mais no meu lar, do que na grande mansão Collucci durante as férias na Itália.

No meu quinto ou sexto ano escolar eu conheci Camila, ela era a típica brasileira com mistura de origens, negra, com os olhos verdes. Parece que seu pai era Alemão e a mãe a brasileira. Sua beleza era exótica, diferente, eu me fascinava por essa mistura de raças que ela contava ser o Brasil.

Sua mãe havia falecido em um acidente de carro, seu pai era empresário e viajava muito, ele optou em mandá-la para cá. A coitada chorava todas as noites sentindo falta da sua família materna.

― Para de chorar, ainda será castigada!

― Eu não consigo, tenho saudade da minha avó e dos meus primos.

― Se quiser falar com eles, terá dia para isso, só siga as regras. Aqui não é ruim, eu gosto bastante!

― Você é louca gostar de um lugar tão frio.

― É melhor que minha casa.

― Ual! Nem quero imaginar como é sua casa. Mas, obrigada Giordana!

― Conte comigo, ajudo você se adaptar. Sou especialista em seguir regras.

― É? E eu em quebrá-las, nós nos daremos bem. E daremos emoção a sua vida chata!

Fiquei vários dias com ela na cama, para a coitada pegar no sono. E depois ia para minha antes que alguém nos visse. Aos poucos ela foi se adaptando as regras e fomos nos tornando cada vez mais amigas.

Teve uma tarde, quando a gente tinha quatorze anos, saímos escondidas do colégio para tomar sorvete, quando voltamos, ninguém tinha desconfiado da nossa micro fuga. Camila era bem esperta, diferente de mim, mas não passamos despercebidas de todos.

Dois dias depois meu pai apareceu no colégio, foi a primeira vez que realmente senti o peso das suas palavras. Ele não encostou um dedo em mim, mas suas palavras ofensivas acabaram comigo. Por mais que ele não fosse carinhoso, ele nunca fora tão severo.

Foi a primeira vez, desde que cheguei aqui, que eu chorei... Chorei, da hora que ele foi embora até altas horas da madrugada. Aquele choro compulsivo, soluços altos, sem conseguir parar. Camila esteve do meu lado como minha melhor amiga, ou melhor, única amiga.

Ouvi muitas piadas sobre isso e acabei descobrindo que as crianças não gostavam de mim, porque eu não deixava transparecer minha fraqueza. Eu não era castigada, porque eu não tinha ataques, o que ninguém entendia, só Camila, era que eu não podia sentir falta de algo que eu nunca tive.

Minha punição demorou um pouco para chegar, até isso não foi fácil para eles decidirem, eu não recebia cartas, telefonemas ou presentes, acabei ficando isolada em um quarto, sozinha, por dez dias. Ia para as aulas e saía de lá "escoltada" direto para o dormitório. Nada tão difícil para mim, quando percebi já estava de volta a rotina.

Meu pai ameaçou o internato porque eu saí para tomar sorvete e ninguém havia comunicado a ele o acontecimento. Por algum motivo, que eu não entendo Giovanni não entregou minha amiga e isso foi um alívio. Eu fiquei ainda mais vigiada e nunca tive outra oportunidade de escapar numa tarde qualquer.

Camila ficou comigo o tempo todo, eu contei para ela como vim parar aqui e ela me contou que a família da mãe dela nem todos eram bons, pela visão do pai dela. No geral, todos eram trabalhadores e apesar de seus avós terem uma boa condição financeira, seu pai não concordava com a criação que era dada aos seus primos e queria dar a melhor educação a ela, por isso não a deixou com a avó.

Chegou mais umas férias, não férias de verão porque nessas eu continuava aqui, ou ia para algum acampamento. Mas o recesso de final de ano e fui para Itália, esse recesso marcaria minha mudança, até agora, sempre me sujeitei aos desejos do meu pai, depois das férias as coisas mudariam.

Quando cheguei à mansão, meu pai e minha mãe me aguardavam, estranhei a recepção, logo de cara. Muita gente me aguardando, coisa boa não era.

― A partir desse ano você passará a frequentar o baile de final de ano. A senhorita já tem idade para ter vontades e agir sem se preocupar com as regras. Então a senhorita já vai cumprir seu papel de mulher, vou providenciar um vestido e quero você sem essas roupas relaxadas que usa, devidamente maquiada e destacando sua beleza. Você Catarina, faça sua filha ficar bonita e apresentável.

Acabava de completar meus quinze anos, meu corpo estava começando pegar as curvas de uma mulher, me senti bonita no vestido vermelho fechado na frente e cavado nas costas, frente única. Minha mãe não gostou, ela falava que expunha demais meu corpo de menina, mas eu estava adorando meu reflexo no espelho, parecia uma mulher com mais idade do que eu tenho.

Durante boa parte da noite me sentia o maior bem do meu pai, até entender que eu apenas era seu objeto mais caro. Seus amigos velhos e tarados me olhavam como um cachorro olha um pedaço de carne pendurado no açougue, como se eu estivesse a venda. Eu era uma menina, não entendo como meu pai aceitava isso, ainda pior, ele gostava daquilo!

― Sua filha está se tornando uma mulher muito interessante Giovanni!

― Giordana tem a beleza da família Collucci, ainda vai me dar muita alegria.

Dinheiro! É isso que sou para papai, negócios prósperos e muito dinheiro! Ele já me usou como moeda de troca uma vez. Não duvido que se eu não fosse prometida ao filho de Moretti, que ele seria capaz de fazer um leilão pela minha virgindade.

Estava enjoada suficiente com orgulho estampado nos olhos de papai, de seus amigos se interessarem por mim. Na minha cabeça a pergunta que se passava era: Ele não deveria me proteger? Uma voz me traz de volta de meus pensamentos.

― Eu ficaria muito honrado em me casar com sua filha Giovanni, pense a respeito, posso investir pesado em seus negócios.

Juro que não foi de propósito, mas meu estômago começou revirar quando ouvi o comércio que aquele senhor estava propondo, em troca do meu corpo.... Eu não consegui segurar e o vômito saiu sujando os pés de papai e do seu amiguinho.

― Ela já está prometida, daqui três anos, quando ela estiver próximo de fazer dezoito anos e tiver acabado os estudos anunciaremos o noivado e o quanto antes ela se casa.

― Lamento muito por isso, sabe que eu ia adorar educar e cuidar da sua filha.

O homem tirou um lenço de seu bolso limpando minha boca, deslizou sua mão pelas minhas costas, nua, parando na minha cintura e apertando-a.

― Eu juro que adoraria educá-la princesa, iria te ensinar controlar seu estômago – se aproximou de meu ouvido e cochichou- e seria meu brinquedo mais que especial durante as noites, adoraria te fazer gemer.

No mesmo momento que ouvi suas palavras, meus olhos se encheram de lágrimas. Fiz a única coisa que podia na frente do meu pai, revirei os olhos para o homem, que me ofereceu um sorriso safado em troca.

― Se os planos não derem certo Giovanni me chame para uma rodada de negociação.

― Não esquecerei disso, notei seu interesse!

Papai saiu me puxando pelo salão, chegando ao meu quarto me deu umas cintadas e me trancou lá por mais de três dias eu recebi as refeições no quarto. Naquele momento eu comecei a armar um plano para não me casar com o filho do Sr. Moretti e sumir no mundo.

Eu não ia continuar sendo tratada dessa forma. Eu precisava ser livre e eu seria, se me pegassem eu sofreria as consequências.... Mas eu iria tentar.

Na semana seguinte eu voltei para o colégio interno e fiquei lá "de castigo pelo vexame que eu dei no baile de máscaras". Mas o tempo sozinha naquele lugar fez eu começar tramar como eu faria para levantar um dinheiro e ter alguma forma de eu me sustentar, precisava aprender uma profissão, me inscrevi em todos os cursos que eu podia, passei os próximos três anos cheia de atividades, que de certa forma foi bom, para não pensar tanto, em meu futuro trágico se tudo desse errado.

Eu me apaixonei por fotografia, poder registrar sentimentos numa foto, isso se tornou minha paixão secreta.

Aquele ano não foi fácil, foi o ano que comecei acompanhar os escândalos do meu futuro marido, por mais que eu quisesse fugir, tentava me convencer e encontrar um motivo para continuar seguindo os planos de Giovanni, mas era difícil, nada parecia bom para continuar.

No final do ano estive no asilo com meu avô Lorenzo, pai do meu pai. Todo mundo fala que ele está gagá, mas ele é o mais lúcido da família. Tive pouco contato com meu avô, ele passou anos sem querer ver ninguém depois da morte de vovó. Quando ele estava melhor eu já estava no internato e ele foi mandado para o asilo, faz parte da forma do meu pai ter sua vida perfeita, e “se livrar" do que dá trabalho.

Passei um dia agradável com vovô que disse não concordar com papai de ter arranjado um casamento para mim, mas disse que foi muito feliz com a vovó num casamento nesse formato.

Contei para ele sobre meu curso de fotografia, que por sua vez contou que vovó sempre gostou de fotografias, mas que nunca pensou em tirar retratos.

Eu tinha a expectativa de conhecer meu futuro noivo no baile de máscaras aos meus dezesseis anos, mas não aconteceu, tudo correu naturalmente nessas férias.

Tive mais um ano cheio de atividades, Camila dizia que eu estava "pelega" demais. Eu fazia caretas quando não conhecia as expressões e me explicava:

― Quer dizer chata, certinha, estudando demais, nerd, sem tempo para outra coisa que não seja os estudos.

Por incrível que pareça, meu pai gostou da minha dedicação aos estudos, até recebi parabéns dele pela dedicação e alguns mimos, roupas, joias e uma conta que ele deposita dinheiro e me mandava um extrato do que tinha nela. O que seria suficiente para seguir meu plano.

As férias estava se aproximando é a hora de contar para Camila meu plano estava chegando, porque eu precisaria de ajuda, no próximo e último semestre dos estudos. Disse que precisava falar com ela sério e a menina passou me seguir para todo o lugar.

― Me conta do que se trata.

― Ninguém pode saber Camila, você vai pôr tudo a perder se continuar a me seguir e insistir nisso, fique tranquila que eu te falo.

― Me fala logo. Sou muito curiosa!

No final das aulas fomos ao jardim da escola e sempre tinha alguém olhando o que estava acontecendo, mas não perto suficiente para nos ouvir.

― Você sabe que após a gente terminar os estudos ano que vem, vou ser obrigada a me casar, não sabe?

― Sei sim, por falar nisso tenho uma boa notícia!

― Qual?

― Seu noivo deve ser um cara bonito!

― Que diferença faz?

― Pelo menos não vai ter que transa com um velho barrigudo.

― Camila!

― Só estou tentando te ajudar!

― Cala a boca e presta atenção.

― Ok madame!

― Meu pai tem depositado dinheiro em uma conta para mim e eu só vou poder movimentá-la quando eu fizer dezoito anos.

― Certo.

― Pretendo tentar fazer papai adiar meu noivado até essa grana estar em minhas mãos.

― Não vai dar certo.

― Por que?

― Seu pai não vai fazer sua vontade. E não vai deixar fácil para você movimentar a conta e assim que sacar uma quantidade alta ele te pega.

― Você acha?

― Gi, como você é inocente! Me conta tudo, ainda posso te ajudar.

― Quero fugir antes do noivado.

― Que será?

― Após o encerramento do ano letivo em junho, eu terei acabado de fazer dezoito anos.

― Fugir para onde?

― Pensei em ir para os Estados Unidos, Amsterdã, mas no final pensei que se fosse para o Brasil, você pudesse me ajudar e por termos negócios lá, acho que ninguém vai cogitar essa possibilidade.

Camila pula e bate palmas enquanto diz:

― Obaaa! Tenho um primo que meu pai odeia que conhece as pessoas certas, a gente vai precisar de um nome e documentos falsos e grana Gi, a gente vai ter que arrancar dinheiro do seu pai.

― Como?

― Ano que vem você vai ter que fazer pesquisa de campo, precisa descobrir algo que ele ficará interessado e dizer que precisa de dinheiro para poder pesquisar. Só teremos seis meses! Obrigatoriamente vamos sair do colégio. E eu vou trocar ideia com meu primo.

― Vai o que?

― Conversar e vamos te tornar brasileira mesmo, vou te ensinar o jeito que a gente fala no dia-a-dia.

― Será que vai dar certo?

― Agora que você falou sim! Até entendo essa mudança de comportamento.

― Desculpe amiga!

― Você precisa viver sem essa pressão! Quero que você seja feliz Gi!

Mais um ano havia se acabado e esse seria meu último período de recesso, antes da minha fuga, ou do meu casamento!

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