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Capítulo 3: Iniciação na Tribo das Dríades

Voltei para Esplendor e, durante o percurso, interliguei meus sonhos com o que acabara de acontecer: O Portal, na verdade, não estava localizado além do mar; estava o tempo todo na Ilha, entre as Árvores Gêmeas do jardim! Logo compreendi que eu mesma interpretei errado a mensagem onírica.

Retornei pelo Portal e reencontrei o jardim da Vila, entre as Árvores Gêmeas. Peguei a cesta que ainda estava ao chão e colhi mais umas dez frutas para preenche-la. Chegando em Esplendor, a Cerimônia da Prosperidade já havia começado! “Como o tempo em Esplendor é diferente de Duna Verde! Aquela Floresta deve mesmo ser Encantada!” – pensei com entusiasmo. Eu estava inspirada, demasiadamente motivada com minha descoberta!

O povoado da Ilha não acreditava em minhas Visões. Contudo, preferi não comentar sobre minha nova experiência, afinal, pensariam que sou uma completa maluca! Coloquei-me a gargalhar junto a meus segredos íntimos enquanto subia a pequena ponte em direção ao salão. Deparei-me com Lírio, que falou com alívio:

Mishra! Você demorou!

Eu sei... Lírio, eu precisava ficar só por um instante para pensar sobre o beijo que você me pediu...

Eu te assustei, não é?

Eu não quero te magoar, sabe? Mas gosto de você como amigo...

Tudo bem! Eu me precipitei! Só que agora não temos tempo. Vamos para a Cerimônia!

Às vezes, estava eu “hipnotizada”, pensando: “Aquela frase de meu sonho, que dizia sobre o passado estar além da Ilha... Será que isso significa que o meu passado está em Duna Verde?” - E antes de concluir meus questionamentos, Lírio me “despertava” com suas conversas aleatórias durante o caminho para a Cerimônia. Estava tão entusiasmada com a minha descoberta que não conseguia focar minha atenção em meu amigo.

Ceiamos após a Rito de Prosperidade e finalizamos o encontro. Deitei em minha cama com tais pensamentos: “O tempo em Duna Verde é diferente de Esplendor. Logo, devo atravessar o Portal mais cedo para chegar na Aldeia durante a Alvorada.”

Antes dos primeiros raios solares tocarem a Ilha, chamei Lírio para conversarmos no jardim. Fiz tudo o que a Feiticeira me instruiu, exceto uma coisa. Quando levei Lírio para perto do Portal, ele disse:

Moça, você sabe que sempre te apoiei, mesmo sabendo que a sua busca não te faria bem. Não farei diferente desta vez, mas peço que tenha cuidado com quem esteja se envolvendo. Há pessoas que demonstram ser uma coisa e logo manifestam sua verdadeira face.

Neste momento, estava confusa. Permiti que uma pessoa desconhecida colocasse uma dúvida em minha cabeça a respeito de meu melhor amigo e das pessoas que sempre me acolheram com muito carinho. Senti-me desconfortável por minha desconfiança, mas quando Lírio me perguntou para onde eu iria, preferi não responder.

Obrigada pelo apoio, Lírio! Você é meu melhor amigo e sempre me surpreende com sua maturidade.

Vamos! Vou te ajudar a fazer suas malas para essa viagem.

Não... não precisa... Não quero que ninguém além de você saiba sobre minha viagem. Espere eu partir para avisá-los, tudo bem?

Mishra, não mandarei alguém atrás de você como Bromélia fez daquela vez. Mas tudo bem, se você deseja que seja assim, vou respeitar a sua escolha. Sei que confiança é algo que deve fluir com naturalidade, sem pressão, não é mesmo?

Ele se despediu com um forte abraço e estava com um semblante tão sofrido... Comentou que eu sou a única mulher da vila que ele ama, que gostaria muito que eu o amasse também. Foi então que, compadecida, me dispus a fazer as malas com ele, afinal, segundo a Feiticeira, eu ficaria por um bom tempo em Duna Verde.

Quando chegamos próximo à entrada de minha casa, Lírio começou a assobiar estranhamente. Em seguida, notei algumas pessoas a me observar pela janela de suas casas, escondidas pela cortina. Tal cena foi tão estranha que me fez lembrar das instruções de Dríade: eu não deveria ter me afastado do Portal!

Subitamente, comecei a correr! Lírio, então, me espantou com sua atitude: Tocou o sino da Praça Central e gritou:

Bromélia, Violeta! Ela se despertou! Ela se despertou!

Vi algumas pessoas da vila saírem de suas casas atrás de mim, assim como Bromélia e Lírio. A Anciã me via correr e gritava como eu nunca havia visto antes. Não era mais a Bromélia serena e amiga que eu conhecia:

Você não deu conta, Mishra! Está fugindo porque não deu conta!

Passei pelo Portal e ele se fechou. Atravessei-o aos prantos, sem compreender aquela situação. O que Lírio e Bromélia fizeram me machucou muito! Percebi que havia muito mais coisas que eu desconhecia sobre minha própria vida, mais do que eu poderia imaginar!

Depois de atravessar o Portal das Árvores Gêmeas, segui o mesmo percurso na trilha para Duna Verde, e pude perceber alguns detalhes: na Aldeia, tudo era construído de madeira e pedras, tudo bem simples e rústico, o que me trazia a sensação de estar em meu verdadeiro lar.

Fui acolhida por Dríade com muito carinho, apesar do desconforto de não conhecê-la bem e não saber se poderia confiar nela. Eu estava muito abalada! A Mestra parecia ter compreendido que um momento de reflexão comigo mesma seria necessário, porém sabia também que precisava me esclarecer algumas coisas.

Tivemos uma longa conversa sobre o processo iniciático, o que era absolutamente incógnito para mim. Recebi comida e caminhei com a Anciã para conhecer Duna Verde. Com a chegada da noite, fui levada ao dormitório do novo grupo de aprendizes, no qual havia seis mulheres mais jovens como eu.

Venha dormir em seu novo quarto. Descanse bastante para começarmos suas atividades de manhã, certo? – disse a Feiticeira.

Dríade... Quer dizer que não poderei mais retornar a Esplendor?

Você pode escolher o caminho que desejar, Mishra. Mas se quer conhecer seu passado e a si mesma, certamente não será em Esplendor que isso acontecerá, afinal, você acabou de ver com os próprios olhos que aquelas pessoas da Ilha não são verdadeiras com você. Eu sei que “o novo” pode nos assustar, mas com o tempo verá que é melhor assim. Duna Verde agora é o seu lar, não só físico, mas também da alma.

A Maga colocara minha cabeça em seu colo, pedindo que eu relaxasse o corpo e a mente.

Deixe-me te contar uma coisa: Na vida, o ser humano passa por vários círculos viciosos que se repetem até que se consiga aprender algo com eles, até um dia se cansar das repetições negativas e verdadeiramente desejar a mudança, desejar interromper o girar dessa roda e dela sair. Por mais que você sofra com tais situações desagradáveis relacionadas a Esplendor, os limites desses círculos te passam uma certa "segurança", uma falsa sensação de estar segura pelo fato de já conhecer tudo o que acontece dentro deles, na Ilha do Júbilo (e por saber que o “novo” e o “desconhecido” passarão longe dessa roda). Você já vivenciou as dores que envolvem essas situações e as suporta todos os dias. Mas tudo o que você faz é reclamar, sem se permitir dar um passo sequer para fora do velho círculo, sem se permitir interromper este girar, por medo do novo. Você teme o desconhecido. Teme o que pode acontecer se pisar fora dos limites de Esplendor, por receio de não mais ter a "falsa segurança" de saber tudo o que podia lhe acontecer por lá. É como se você se apegasse às suas condições dolorosas por medo de que algo pior possa acontecer, caso tente mudar o ciclo vicioso para dele sair. Contudo, você se acomoda onde está, por mais que sofra. Porém, não é apenas o medo que te impede de romper as limitações, não é somente o medo que te deixa inerte. Além do medo, você não quer se esforçar para ter uma vida melhor, para conquistar seus objetivos. Quer que a Vida realize tudo, sem que tenha de trabalhar responsavelmente para ter o que se deseja ou para se libertar de sofrimentos padronizados em sua vida. Somente quando o incômodo for forte o bastante para superar o medo do novo e o comodismo, aí sim você controlará o girar dessas repetições negativas e colocará seus pés para fora desse círculo vicioso, fazendo-o, pouco a pouco, se desmanchar.

Ouvi cada palavra de Dríade sem nada dizer. Apenas prestei atenção no que sua sabedoria tinha a me ensinar, já que eu estava perdida demais!

Ela se despediu, olhando-me com compaixão, demonstrando sua vontade de me ajudar.

Aquela noite foi difícil para mim. Passei boa parte dela sonhando estar presa naquele mesmo túmulo, assombrada por seres astrais. O medo só não foi maior porque todas as mulheres de meu grupo ficavam no mesmo dormitório, juntas de mim. Desejei adormecer e não mais acordar. Esta era uma sensação familiar, como se estivesse revivendo-a, só que agora em outro lugar.

Mas uma coisa me intrigava: o vento ao redor da aldeia era tão mágico e forte que parecia reproduzir o som das ondas do mar e me trazia uma sensação refrescante e mágica na alma, apesar de não compreender o que isso poderia significar. Era como se o vento me inspirasse ao tocar a mata, preenchendo-me com uma energia prazerosamente misteriosa. Senti uma liberdade como se o universo cantasse uma canção cujas notas musicais eram indecifráveis!

Quando o sol começava a despertar por entre as montanhas, fomos acordadas pela "Mulher Selvagem1” que, de longe, tocara um instrumento semelhante a um grandioso chifre. Arrumei-me para o encontro da Tribo, embora estivesse tímida, já que nada conhecia sobre a Aldeia. No entanto, me vi em uma situação na qual eu nada tinha a perder.

A Tribo das Dríades era uma Aldeia apenas de mulheres, dividida em três grupos: o meu era das Dríades das Flores, aprendizes que atravessariam Portais da Magia Elemental. Esse grupo era constituído por Amarílis, Camélia, Iris, Centaurea, Acácia e Liatris. O segundo grupo era o das Dríades das Grutas, que já passaram pela primeira Iniciação e atravessariam Portais da Magia da Alma, constituído por sete mulheres: Gardênia, Azaléia, Rosa, Orquídea, Margarida, Magnólia e Florência. O terceiro grupo era o das Dríades Anciãs, as quais se preparavam para receber a Sabedoria Cósmica e guiar outras andarilhas. Dríade era a Feiticeira Condutora de nossa jornada pelos Portais.

A Mestra entregara-nos um pequeno amuleto preso em um colar de estreitos fios de cipó, trançados uns aos outros. Dissera ser um símbolo da Vida Natural, da essência interior, da nossa Floresta da Alma.

Os encontros eram feitos após uma leve alimentação à base de frutas frescas, colhidas no mesmo dia. Durante todo ciclo lunar, havia uma prova de resistência ligada a um dos cinco elementos. Esses ciclos eram renovados, cada um com um grau mais elevado, a partir do desenvolvimento de cada pessoa.

O primeiro Portal foi o de resistência física, ligada ao Elemento Terra - deveríamos fazer atividades físicas que movimentassem o nosso corpo de acordo com as vibrações da vida. Em contato com a estabilidade e firmeza do solo, fertilidade, serenidade e cura da terra, dos vegetais e minerais, além dos ensinamentos sobre a leitura corporal, de maneira a entender como o corpo responde e sinaliza de acordo com os pensamentos e as emoções, valorizando cada parte física de nós mesmas. Também exercitamos o poder do silêncio, que ecoa nas profundezas da Terra: sabedoria deste elemento.

O segundo Portal foi o de resistência emocional, ligada ao Elemento Água - deveríamos sentir nossas emoções de maneira equilibrada, sem fugir delas, sem escondê-las, buscando compreender suas origens para o autoconhecimento; Aprendendo a deixá-las fluir, limpando as águas sujas do coração sem retê-las, sem esperar que transbordassem em nós como um dilúvio de lágrimas prestes a inundar tudo ao redor. Essa fluidez também seria trabalhada para quebrar as barreiras criadas pelos traumas e pelas mágoas do passado, libertando-nos das carências, do apego e da necessidade de aprovação externa. Além disso, trabalharíamos com a Intuição, a simbologia e mensagens dos sonhos, o amor-próprio, o amor universal.

O terceiro Portal foi o de resistência mental, ligada ao Elemento Ar - deveríamos sempre vigiar os pensamentos para que eles não nos prejudicassem. Deveríamos observar nossos pensamentos e aprender a lidar com eles; A saber quando alimentá-los, quando investigá-los e quando eliminá-los. Além disso, aprenderíamos a realizar projeções mentais e a ampliar a comunicação através da expressão natural.

O quarto Portal foi o de resistência da Força Interior, ligada ao Elemento Fogo – Deveríamos desenvolver a coragem, a determinação, o vigor e a criatividade dentro de nós, em busca pela vitalidade e Força do Espírito. Aprendemos a acender a nossa chama interior para nos aquecer em outras provas e em outras situações de nossas vidas.

O quinto Portal foi o da resistência espiritual, ligada ao plano etérico – Ele se desmembrava em três Portais nos quais deveríamos despertar a Consciência Evolutiva: Cósmica, Planetária e Interna, despertando a Essência Divina em nós para equilibrarmos e co-criarmos a nossa realidade.

Além desses cinco Portais, existiam vários outros. Cada um nos levava a um lugar no qual alguns elementos eram constantes. Por exemplo: o Portal de Gelo nos levava a um deserto de neve em uma tarde constante, onde o frio nunca morria. Nele, aprendíamos a ganhar resistência física através do poder da mente. Para isso, era preciso controlar a mente e desviá-la do problema (que era o próprio frio) e esquentar o nosso interior com a visualização do nosso fogo interno, até atravessar o local e encontrar o Portal de saída, o que nos ensinaria a não focar a nossa mente nos problemas, a nos preencher de energia positiva e encontrar uma saída - a solução.

Tudo isso era feito sob a medida de nossos desafios pessoais: ninguém era obrigado a fazer a travessia sem se sentir apto. Ninguém era obrigado a percorrer todo o local sem ter forças para continuar. Todas recebiam ajuda quando solicitada, respeitando o limite de cada uma.

Havia também o Portal das Sombras, onde não existia iluminação, no qual enfrentaríamos as imaginações negativas da mente que cria as formas de nossos medos. Era necessário controlar essa imaginação para não deixarmos que a Luz Interna fosse apagada diante do medo e das dificuldades da vida.

Além dos Portais repletos de desafios, havia também aqueles que nos traziam paz, nos faziam relaxar e nos preenchiam de vivacidade, como o Portal da Primavera, o Portal da Noite Cintilante, o Portal do Amor, entre outros.

Alguns trabalhos eram feitos em grupo e outros individualmente.

Durante algumas vivências em determinados Portais, a Feiticeira estava acompanhada por uma de suas discípulas, Florência: uma mulher vestida em roupas da cor vermelho escarlate e marrom, sensual em demasia. Sua presença parecia sempre sugar minha atenção e quando eu me dava conta, sentia algo inominável, capaz de transformar minha postura apática e insegura em profunda avidez por conhecê-la, através daquela presença um tanto excitante aos meus sentidos. Era uma mulher de pele branca, levemente queimada pelo sol. Seus olhos estavam adornados por um negro contorno que os deixavam belos e enigmáticos. Não possuía uma beleza jovial e era exatamente isto que mexia comigo: a sabedoria que sua face madura transmitia. Seus cabelos eram longos e ondulados.

Florência era do grupo das Anciãs e foi escolhida por Dríade para substituí-la quando fosse necessário. Por isso, ela deveria acompanhar praticamente todos os afazeres da nossa líder.

1Termo retirado do livro: ESTÉS, Clarissa Pinkola. Mulheres que Correm com os Lobos: mitos e histórias do arquétipo da mulher selvagem. 1ª ed., Ed Rocco, 1992.

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