Eu estava prestes a me desculpar, mas antes que conseguisse dizer algo, Jean me interrompeu:— Kiara, você ainda não aprendeu que deveria me avisar antes de tomar qualquer decisão? A gente tinha combinado que eu te buscaria esse final de semana para irmos ao Condomínio Florensa.Respirei fundo, tentando manter a calma, e expliquei:— Ontem à noite, eu te liguei, mas você não atendeu. Hoje de manhã, mandei uma mensagem no Line e, mesmo assim, você não respondeu…— Me desculpa. Eu bebi demais ontem à noite, só acordei agora, e assim que vi sua mensagem, te liguei.Minha boca se fechou. Por um momento, fiquei sem saber o que dizer. Então, era isso: ele tinha bebido demais. Agora fazia sentido a voz dele estar tão rouca e sonolenta.O som do “bip” do aplicativo do motorista ecoou enquanto o carro mudava de pista. Era melhor eu encurtar a conversa.— Mas hoje eu realmente não vou conseguir ir. Se você achar necessário, podemos deixar para amanhã.Liguei o motor do carro e segui na mesma rot
— Por que ir para…Isabela nem terminou a frase. Pelo barulho, parecia que alguém tinha arrancado o celular da mão dela. Logo depois, ouvi a voz de Carlos, furioso:— Kiara! Você tá tão ansiosa pra me ver morto que já quer me levar pra escolher meu túmulo? Pois fique sabendo, minha vida é dura como pedra!Eu ri de leve:— Calma, Carlos. Quando chegarmos, você vai descobrir se sua vida é tão dura assim.Por dentro, eu só torcia para que ele fosse mesmo resistente, porque, caso contrário, esse joguinho de vingança ia perder toda a graça. Desliguei o celular e comecei a rir sozinha. Como eles podiam ser tão ingênuos? Achavam mesmo que eu estava levando Carlos para escolher um túmulo?Que piada! Um pai tão cruel e sem coração como ele não merecia nada. Se morresse, as cinzas dele nem deveriam ser jogadas no mar, porque até isso seria um desrespeito com os peixes e a água. E ainda tinham a audácia de imaginar que eu gastaria dinheiro para comprar um túmulo pra ele?Meia hora depois, os dois
— Você... você é simplesmente um...! — Isabela ficou tão furiosa que perdeu o fôlego e, ainda mais irritada, deu dois chutes no próprio filho.Tiago caiu no chão com a força dos golpes, mas rapidamente se levantou. Dessa vez, ele não teve mais paciência com o próprio pai. Sem cerimônias, ele pegou Carlos à força e o jogou nas costas, enquanto Carlos o xingava sem parar, tremendo de raiva.Eu me segurei para não rir, vendo aquela cena absurda. Assim que Tiago conseguiu carregar Carlos, virei-me e comecei a subir o caminho, guiando-os até o destino. A distância até o topo não era grande, talvez uns cem metros.Mas, no trajeto, pai e filho brigaram sem parar. Mesmo assim, Tiago, com toda a sua teimosia, conseguiu arrastar Carlos até lá em cima.— É aqui. O túmulo da minha mãe e do meu avô.Eu me coloquei diante das duas lápides e indiquei para Tiago:— Pode colocar ele no chão.Tiago, ofegante, largou o pai no chão como se fosse um saco de batatas. Depois, tirou o celular do bolso e o est
Isabela ouviu minhas palavras e sua expressão mudou de forma tão intensa que o rosto inteiro começou a tremer.— Kiara! Você está passando dos limites! Seu pai já está nesse estado, como espera que ele se ajoelhe e bata a cabeça no chão? Você quer matá-lo!— Então faça isso por ele. — Respondi com indiferença. — Ajoelhem-se juntos. Nesse caso, podem ficar só quinze minutos.Carlos, tremendo de raiva, levantou a mão para me apontar. Ele tentou dizer algo, mas estava tão furioso que não conseguiu emitir uma palavra.— Cobra... coração de cobra... mulher mais venenosa que o próprio veneno. — Gaguejou ele, com dificuldade, depois de um longo momento.Meu rosto permaneceu impassível, mas, por dentro, o ódio borbulhava. Respondi com frieza:— Eu posso ser venenosa, mas nunca serei pior do que você foi. Se não fosse por você roubar o negócio dos meus avós, teria conseguido aquele sucesso que tanto se gabava? Você viu na minha mãe uma oportunidade, usou palavras doces para conquistá-la, mas nu
Eu dei um passo para trás e me encostei sob a sombra de uma árvore. Mais uma vez, olhei o relógio no pulso e anunciei:— Faltam cinco minutos.Assim que terminei de falar, Isabela hesitou por um momento. Depois, ela deu alguns passos até Carlos, se abaixou ao lado dele e, com a voz baixa, perguntou:— E agora? O que a gente faz? Eu realmente não tenho dinheiro para pagar o seu tratamento. Essa desgraçada...Carlos cerrou os dentes, com o punho fechado, e começou a socar o chão como uma forma de aliviar a frustração:— Eu nunca deveria ter deixado essa ingrata crescer! Essa cobra!— Para de reclamar e pensa em alguma coisa... Vamos mesmo ter que ajoelhar? — Isabela perguntou com os olhos vermelhos, quase chorando. Então, ela olhou para os túmulos da minha mãe e do meu avô, com um olhar de ódio que não conseguia esconder.Carlos continuava em silêncio. Sua mão, que agora segurava um punhado de grama seca do chão, tremia visivelmente enquanto ele lutava contra o orgulho que o consumia.Eu
— O quê? — Perguntei, mesmo tendo escutado claramente. Eu estava um pouco distante, mas fingi que não tinha ouvido.Carlos virou o rosto na minha direção, os olhos cheios de raiva:— Kiara, já chega!— Motorista, vamos embora! — Falei novamente, acenando para o motorista.— Está bem! Nós concordamos! Kiara, eu e seu pai vamos nos ajoelhar e pedir desculpas. Isso serve para você? — Gritou Isabela, sem um pingo do orgulho que costumava ter.Eu suspirei e me virei para encará-los:— Se vocês tivessem entendido isso antes, já estaríamos voltando para a cidade.Caminhei de volta até eles e tirei o celular do bolso:— Já que concordaram, comecem.Cheguei perto das lápides e olhei para as fotos da minha mãe e do meu avô. Meu coração ficou pesado.“Mãe, vovô... Carlos e a esposa dele vieram pedir desculpas. A culpa é minha por ter demorado tantos anos para fazer isso acontecer. Espero que vocês, onde quer que estejam, fiquem um pouco mais felizes agora.”Liguei a câmera do celular e apontei pa
Carlos ficou em silêncio.Isabela, ao menos, tinha um pouco de bom senso. Então, os dois voltaram a se ajoelhar juntos. Quando o tempo acabou, Carlos já estava à beira do colapso, e Isabela, mesmo tentando ajudá-lo, não conseguia levantá-lo. Irritada, ela gritou para Tiago:— Levanta seu pai agora e leva ele nas costas até o hospital!Tiago estendeu a mão imediatamente:— Quanto você vai me pagar?Eu não consegui segurar o riso e acabei rindo alto. Esse filho era praticamente um inimigo do Carlos.— Tiago, seu desgraçado! Moleque sem coração! Ele é seu pai! Está doente e você ainda tem coragem de pedir dinheiro para ajudar? Por que você não morre logo? — Isabela estava furiosa e começou a despejar uma série de xingamentos no próprio filho.Eu já não tinha mais paciência para assistir àquela cena patética. Virei-me e comecei a descer a colina, enquanto enviava o vídeo que gravei para minha avó e para a tia Júlia. Quando cheguei ao carro, o celular tocou. Era tia Júlia.— Kiara, o Carlos
O gerente havia acabado de sair quando voltou acompanhado de um garçom trazendo os pratos. Eu fiquei surpresa com a rapidez.Jean percebeu minha expressão e explicou:— Você ainda não tinha comido nada até agora, devia estar morrendo de fome. Assim que te liguei, pedi para a cozinha começar a preparar os pratos.— Obrigada. — Respondi, sentindo uma leve emoção. Ele continuava tão atencioso.Esse era o Jean que eu conhecia. O episódio de ontem sem contato parecia realmente ter sido um mal-entendido.— Sr. Jean, os pratos estão servidos. — O gerente inclinou levemente a cabeça, com um tom respeitoso. — Desejo uma boa refeição aos senhores.— Obrigado. Se eu não chamar, não interrompam. — Jean fez um leve gesto com a mão, dispensando-os.Assim que a porta foi fechada, restamos apenas eu e ele no ambiente silencioso. Depois da “discussão” de ontem, o reencontro trazia um leve constrangimento no ar.Eu olhei para ele, hesitando em dizer algo. Ele também me encarou por um segundo, mas, em se