Quando minha avó soube da história, ficou visivelmente surpresa:— Isso já faz mais de dez anos! Eles ainda se lembram disso?Perguntei, curiosa:— A senhora sabia que as pessoas que vieram agradecer naquela época eram da família Auth? O pai do Jean, depois de se aposentar, foi morar na Serra Montanha.Minha avó ficou boquiaberta:— Como eu ia saber disso? Na época, só vi que o oficial tinha patente de general de divisão.— Depois ele se aposentou como general de exército. — Acrescentei.Tia Júlia arregalou os olhos, impressionada:— É uma família de peso… Ah, mas está longe do nosso alcance.— Tia Júlia, o que a senhora está pensando? Eles só estão retribuindo um favor, não é nada do que você está imaginando. — Falei, rindo, mas ao mesmo tempo reforçando mentalmente esse pensamento para mim mesma.— Ai, menina, estamos só conversando entre nós, não é como se estivéssemos falando isso para os outros. — Respondeu minha tia, casualmente.Minha avó suspirou, pensativa:— Se não fosse aque
Eu o encarei como se estivesse diante de um ser de outro planeta, completamente perplexa. Mais uma vez, Davi conseguiu superar os limites da minha compreensão:— É a primeira vez que ouço alguém transformar traição em um ato heroico, como se fosse um gesto altruísta e grandioso. Davi, suas escolhas são problema seu, eu não tenho nada a ver com isso. Mas as minhas escolhas também são problema meu, e você não tem o direito de interferir. E eu já te disse qual é minha decisão: divórcio. Não há volta.Davi manteve o mesmo tom firme de sempre:— Eu não aceito. Mesmo que você entre com uma ação no tribunal, enquanto eu não concordar, o juiz não vai decretar o divórcio.— É verdade, o tribunal tenta reconciliar as partes na primeira audiência. Mas na segunda, não tem conversa: o divórcio será decretado. É só uma questão de alguns meses. — Respondi, com a mesma firmeza.Ao perceber que eu não cederia, ele ficou em silêncio por alguns instantes. Depois de um breve intervalo, sua expressão mudou
— Ah, estive ocupada esses dias, fui adiando até agora. — Deixei o que estava fazendo de lado, peguei a fita métrica e olhei para Amélia. — Fique de pé, vou tirar suas medidas.Amélia deu um sorriso leve:— Você tão ocupada e ainda vai fazer isso pra mim?— É claro que sim! Fiz para toda a sua família, como poderia te deixar de fora? — Respondi com um sorriso.— Que maravilha!Enquanto eu media suas medidas, ela falava sem parar, alegre e descontraída. Primeiro reclamou que o irmão dela estava trabalhando como louco, fazendo horas extras, e que nos últimos dois dias tinha viajado a trabalho. Nem ela sabia para onde ele tinha ido.Depois começou a desabafar que a Sra. Auth estava insistindo em arrumar encontros para ela. "Uma fila de supostos bons partidos", como ela mesma descreveu, mas nenhum a agradava.Por dentro, eu pensava: "Então é por isso que não ouvi falar do Jean esses dias. Parece que está atolado no trabalho e ainda viajando."De repente, Amélia mudou de assunto:— Ei, Kiar
Davi sabia que minha especialidade era moda feminina. Ao longo dos anos, os prêmios que recebi foram, em sua maioria, relacionados a peças femininas. A única exceção foi meu projeto de conclusão de curso, que destacou-se no design de roupas masculinas.Aliás, essa peça ainda está exposta na vitrine da Faculdade de Design de Moda da Universidade Nexoto. Além disso, o terno que Davi usou no nosso casamento foi feito por mim, com todo o cuidado, e ficou absolutamente perfeito.Portanto, não era que eu não soubesse projetar roupas masculinas, mas sim que, por conta do foco da minha marca e do tempo limitado, acabei investindo mais na moda feminina.Quando ele me perguntou, não respondi. Não queria conversar com ele. Mas, no momento seguinte, ele acertou em cheio:— É para o Jean que você está fazendo.Ele nem usou uma pergunta, falou com certeza, como se soubesse a resposta.Continuei sem responder, endireitei a postura e, mais uma vez, tentei mandá-lo embora:— Você já pode ir. Aqui não é
Davi, por outro lado, não teve a mesma sorte. A tesoura de corte, afiada como um punhal, caiu verticalmente e perfurou sua perna, deixando um buraco profundo.Vi o sangue escorrer pelos dedos que ele pressionava contra o ferimento, manchando sua calça na altura do joelho. Meu coração ainda batia acelerado por causa do susto, mas, no fundo, não consegui conter o pensamento:"Bem feito. Quem procura, acha."Aquele incidente inesperado nos deixou paralisados por alguns segundos.O silêncio foi interrompido pela voz de Jean, que vinha do celular caído em algum lugar no chão. Ele parecia preocupado e chamava por mim com urgência.Voltei a mim e comecei a procurar o aparelho. Encontrei-o embaixo da mesa de trabalho, mas Davi também percebeu e tentou avançar para pegá-lo. Dessa vez fui mais rápida, agarrei o celular primeiro e me afastei dele, mantendo uma distância segura.— Alô, Sr. Jean...— Kiara, o que está acontecendo aí? Você está bem?A voz de Jean, sempre tão calma, soava atípica, ca
— Eu também não. — Respondi.Jean continuou, e sua voz ganhou um tom mais firme:— Quer que eu mande alguém aí agora para te buscar?Abri a boca para responder, mas não consegui dizer nada. Segurei o celular, sentindo-me um pouco sem palavras. Após um momento de rendição, cedi:— Tá bom... Só machuquei o braço, foi só um corte superficial. Já tratei, coloquei um curativo e pronto.— Só um corte superficial? — Ele insistiu.— Hum.— Você tá no estúdio ou em casa?— No estúdio.— Volta pra casa, deixa isso aí pra amanhã. Tranca todas as portas e janelas e, se acontecer qualquer coisa, me liga. Eu resolvo.Fiquei ali, escutando em silêncio as instruções dele, sem entender por que eu tinha que ser tão obediente e aceitar tudo o que ele dizia. Nós não éramos nada um do outro. Absolutamente nada. Mas ele agia como se fosse meu namorado, tomando decisões por mim.— Olha... Ele já foi embora, tá tudo bem agora. E, sério, é só um machucadinho, não precisa ser tão...Eu queria dizer que ele não
— Antoni vai te levar pra casa em segurança, não precisa agradecer. Sobre a ligação, não era nada demais. A Amélia comentou que foi ao seu estúdio hoje e viu que você tá quase terminando minha roupa. Resolvi perguntar. — Disse Jean.Ah, era isso.Dei um leve sorriso e gravei uma mensagem de voz para ele:— O modelo já tá pronto. Quando você voltar da viagem, te mostro.Ele respondeu com apenas uma palavra:[Ok.]Imaginei que ele devia estar ocupado e não prolonguei a conversa. Respondi com um simples "Não vou te atrapalhar mais" e deixei por isso mesmo.Meia hora depois, António chegou ao meu estúdio dirigindo o Rolls-Royce. Entrei no carro e deixei que ele me levasse para casa.Ao chegar, por educação, mandei uma mensagem para Jean avisando que já estava em casa. No entanto, ele não respondeu. Não sabia se já tinha ido dormir ou se ainda estava ocupado demais para ver o celular.Na manhã seguinte, assim que acordei, peguei o celular por hábito. Fiquei surpresa ao ver que ele havia res
— Alô, Sr. Jean...Do outro lado, a voz dele soou baixa e grave:— Já almoçou?Pensei comigo mesma: "Que jeito mais antigo de puxar conversa. Se eu disser que não, será que ele vai me convidar?"Com um sorriso interno, mas mantendo a seriedade na resposta, falei:— Ainda não, tô aqui ocupada.— Quando você termina?— Hein?A pergunta me fez parar o que estava fazendo. Franzi as sobrancelhas, um pouco confusa."Como assim? Será que ele já voltou da viagem?"Senti uma inquietação crescer no peito. Após hesitar por alguns segundos, respondi rapidamente:— Ah, já tô quase terminando. O que resta fazer pode esperar um pouco, dá pra resolver à tarde.— Legal. Então vem almoçar comigo. É no terraço do jardim suspenso, bem em frente à sua empresa.Ele manteve o tom tranquilo de sempre, mas, dessa vez, parecia haver um leve sorriso escondido em sua voz."Almoçar juntos?"Levantei de imediato, e uma alegria inesperada tomou conta de mim, como se tivesse me elevado às nuvens:— Você voltou da vi