Davi, por outro lado, não teve a mesma sorte. A tesoura de corte, afiada como um punhal, caiu verticalmente e perfurou sua perna, deixando um buraco profundo.Vi o sangue escorrer pelos dedos que ele pressionava contra o ferimento, manchando sua calça na altura do joelho. Meu coração ainda batia acelerado por causa do susto, mas, no fundo, não consegui conter o pensamento:"Bem feito. Quem procura, acha."Aquele incidente inesperado nos deixou paralisados por alguns segundos.O silêncio foi interrompido pela voz de Jean, que vinha do celular caído em algum lugar no chão. Ele parecia preocupado e chamava por mim com urgência.Voltei a mim e comecei a procurar o aparelho. Encontrei-o embaixo da mesa de trabalho, mas Davi também percebeu e tentou avançar para pegá-lo. Dessa vez fui mais rápida, agarrei o celular primeiro e me afastei dele, mantendo uma distância segura.— Alô, Sr. Jean...— Kiara, o que está acontecendo aí? Você está bem?A voz de Jean, sempre tão calma, soava atípica, ca
— Eu também não. — Respondi.Jean continuou, e sua voz ganhou um tom mais firme:— Quer que eu mande alguém aí agora para te buscar?Abri a boca para responder, mas não consegui dizer nada. Segurei o celular, sentindo-me um pouco sem palavras. Após um momento de rendição, cedi:— Tá bom... Só machuquei o braço, foi só um corte superficial. Já tratei, coloquei um curativo e pronto.— Só um corte superficial? — Ele insistiu.— Hum.— Você tá no estúdio ou em casa?— No estúdio.— Volta pra casa, deixa isso aí pra amanhã. Tranca todas as portas e janelas e, se acontecer qualquer coisa, me liga. Eu resolvo.Fiquei ali, escutando em silêncio as instruções dele, sem entender por que eu tinha que ser tão obediente e aceitar tudo o que ele dizia. Nós não éramos nada um do outro. Absolutamente nada. Mas ele agia como se fosse meu namorado, tomando decisões por mim.— Olha... Ele já foi embora, tá tudo bem agora. E, sério, é só um machucadinho, não precisa ser tão...Eu queria dizer que ele não
— Antoni vai te levar pra casa em segurança, não precisa agradecer. Sobre a ligação, não era nada demais. A Amélia comentou que foi ao seu estúdio hoje e viu que você tá quase terminando minha roupa. Resolvi perguntar. — Disse Jean.Ah, era isso.Dei um leve sorriso e gravei uma mensagem de voz para ele:— O modelo já tá pronto. Quando você voltar da viagem, te mostro.Ele respondeu com apenas uma palavra:[Ok.]Imaginei que ele devia estar ocupado e não prolonguei a conversa. Respondi com um simples "Não vou te atrapalhar mais" e deixei por isso mesmo.Meia hora depois, António chegou ao meu estúdio dirigindo o Rolls-Royce. Entrei no carro e deixei que ele me levasse para casa.Ao chegar, por educação, mandei uma mensagem para Jean avisando que já estava em casa. No entanto, ele não respondeu. Não sabia se já tinha ido dormir ou se ainda estava ocupado demais para ver o celular.Na manhã seguinte, assim que acordei, peguei o celular por hábito. Fiquei surpresa ao ver que ele havia res
— Alô, Sr. Jean...Do outro lado, a voz dele soou baixa e grave:— Já almoçou?Pensei comigo mesma: "Que jeito mais antigo de puxar conversa. Se eu disser que não, será que ele vai me convidar?"Com um sorriso interno, mas mantendo a seriedade na resposta, falei:— Ainda não, tô aqui ocupada.— Quando você termina?— Hein?A pergunta me fez parar o que estava fazendo. Franzi as sobrancelhas, um pouco confusa."Como assim? Será que ele já voltou da viagem?"Senti uma inquietação crescer no peito. Após hesitar por alguns segundos, respondi rapidamente:— Ah, já tô quase terminando. O que resta fazer pode esperar um pouco, dá pra resolver à tarde.— Legal. Então vem almoçar comigo. É no terraço do jardim suspenso, bem em frente à sua empresa.Ele manteve o tom tranquilo de sempre, mas, dessa vez, parecia haver um leve sorriso escondido em sua voz."Almoçar juntos?"Levantei de imediato, e uma alegria inesperada tomou conta de mim, como se tivesse me elevado às nuvens:— Você voltou da vi
Engoli em seco, deslizei um pouco para frente na cadeira e estendi o braço direito, puxando a manga para cima. O ferimento em si não era grave, mas minha pele clara fazia com que aquela marca avermelhada parecesse muito mais chamativa.Nas bordas, a pele já estava retraída devido à cicatrização, formando pequenas elevações. Quando a manga roçou no ferimento ao ser puxada, senti uma dor incômoda, como se formigas estivessem mordiscando a área. Franzi levemente a testa sem perceber.Isso foi suficiente para que Jean ficasse imediatamente sério:— Um corte desse tamanho e você não fez nenhum tratamento? — Ele olhou para o ferimento, a expressão carregada.Sorri de leve:— Não está mais sangrando. Tá tudo bem.Ele ignorou meu comentário. Com o rosto rígido e as sobrancelhas franzidas, segurou minha mão com naturalidade e puxou meu braço um pouco mais para o lado dele. Observou o ferimento com cuidado:— Você desinfetou e passou algum remédio?— Desinfetei ontem à noite, assim que machuquei
Por dentro, eu estava completamente emocionada. Ele tinha reparado até nos menores detalhes. Soltei uma risada leve, fingindo admiração:— Você é incrível, como consegue saber de tudo?Ele deu um sorriso discreto:— Não esqueça que eu cresci no exército.— Ah… — Acenei com a cabeça, compreendendo.Depois de tantos anos treinando e enfrentando situações difíceis no quartel, era natural que ele soubesse um pouco sobre primeiros socorros e cuidados médicos básicos.— Certo, vamos comer primeiro. Aqui no café tem umas opções de pratos executivos. Vamos pedir algo simples por enquanto. Quando eu terminar o que tenho para resolver nos próximos dias, te levo para comer algo melhor.Ele pegou o cardápio e me entregou, encerrando o assunto.Ao ouvir isso, percebi que, mesmo depois de voltar de viagem, ele ainda estava bastante ocupado. Mas, ainda assim, havia tirado um tempo para me encontrar, só para verificar se o meu ferimento era grave ou não.Baixei os olhos para o cardápio, mas minha ment
Meu coração se encheu de uma sensação quente e reconfortante, e eu apenas assenti com a cabeça:— Tudo bem.Na frente dele, eu me tornava automaticamente obediente, sem querer bancar a teimosa.Observei o Audi A8 se afastar lentamente. Segurando os remédios na mão, minha mente continuava reproduzindo suas palavras, seus sorrisos, cada detalhe."Jean, Jean... Será que você está apenas retribuindo um favor ou está usando isso como desculpa para flertar comigo?"Não conseguia entender, tampouco tinha coragem de confirmar. Primeiro porque nossas diferenças eram gritantes, completamente irreais. Segundo porque eu ainda não havia me divorciado. Começar um novo relacionamento agora seria impensável até mesmo uma simples ambiguidade emocional seria inaceitável.No fim de semana, o velório de Clara.Eu havia encomendado com antecedência dez coroas de flores luxuosas, combinando com a floricultura para que as entregassem no horário marcado na funerária.O velório começaria às 8h30. Cheguei às 8h
— Madrasta, seguindo sua lógica, então hoje eu deveria humilhar o corpo de Clara para me vingar por ela ter roubado meu marido?Assim que terminei de falar, o ambiente foi tomado por um burburinho.Continuei, sem pressa, com um tom calmo, mas afiado:— Embora esse homem realmente não valha muita coisa, mesmo assim, algo que eu não quero mais deveria ser descartado por mim antes de sua filha pegar, não acha? Ela simplesmente me roubou. Nem pelo lado emocional, nem pelo lado moral isso faz sentido.— Kiara!Antes que eu pudesse concluir, Davi interrompeu com um tom grave, chamando minha atenção. Ele me encarava com o rosto visivelmente constrangido.Dei de ombros, olhando ao redor com certo desdém, e suspirei:— Deixa pra lá. De qualquer forma, já mostrei minhas intenções. Aceitar ou não, é problema de vocês. Eu vou embora.— Kiara, espera! — Davi chamou de repente, tentando me reter.Parei por um momento, mas sem me virar. Antes que eu pudesse reagir, ouvi sua voz novamente, agora direc