— Não é à toa que você sabe cozinhar, fazer sopa contra ressaca e tudo mais. — Comentei, lembrando da vez em que fiquei bêbada e ele, literalmente, "colocou a mão na massa" para cuidar de mim.— Isso não é nada. — Jean respondeu com um tom leve, como se fosse algo trivial.Depois de toda a conversa, minhas dúvidas finalmente estavam esclarecidas. Senti uma leveza tomar conta de mim, como se um grande peso tivesse sido retirado dos meus ombros. Meu humor estava muito melhor.Jean percebeu a mudança e, sorrindo, brincou:— Agora você já não acha mais que minha família está te tratando bem só para tirar seu sangue, né?Fiquei tão sem graça com a piada que senti meu rosto esquentar:— Me desculpe. Fui muito mesquinha ao pensar isso.— O importante é que agora está tudo explicado. Antes, eu não falei nada porque percebi que você não se lembrava dessas coisas e achei que não seria apropriado tocar no assunto. Além disso, você ia se casar. Se minha família fosse excessivamente atenciosa sem m
— Ai, eu também não gosto desse tipo de lugar barulhento, parece que minha cabeça vai explodir. — Amélia balançou a mão com impaciência e deu ordens ao garçom que a acompanhava. — Deixa aqui mesmo.O garçom colocou na mesinha da varanda uma variedade de petiscos, pratos e uma garrafa de vinho tinto, preenchendo todo o espaço disponível.— Kiara, senta aí, vai. Você mal comeu à noite, né? Come alguma coisa. — Amélia disse, acomodando-se e acenando para que eu fizesse o mesmo.Sem ter como recusar, acabei me sentando.— Amélia, você me enganou bonito, viu? Me ajudou várias vezes e eu nem sabia quem você era. — Resmunguei de maneira teatral, fingindo estar chateada.Amélia riu e respondeu:— "Fazer o bem sem olhar a quem", não foi isso que você me ensinou? Olha só você, salvando a vida do meu irmão várias vezes, e sempre saindo de fininho, sem esperar nenhum agradecimento.Não consegui segurar o riso. Do jeito que ela colocou, parecia mesmo que era assim.— Naquele dia, na porta do hospit
— Srta. Kiara, suas mãos são realmente mágicas! Ouvi dizer que você tem um ateliê próprio, onde fica? — Uma das damas me perguntou, com olhos brilhando de curiosidade.— Srta. Kiara, você tem algum tempo nos próximos dias? Minha filha vai para a Alemanha participar de um concurso internacional de piano, e eu gostaria que você fizesse um vestido de gala sob medida para ela. — Outra interrompeu, ansiosa.— Srta. Kiara, você já pensou em fazer parcerias? Estou interessada em representar sua marca. Quando poderia conversar comigo sobre isso? — Disse uma terceira, cheia de entusiasmo.Eu estava completamente cercada por um grupo de senhoras e jovens herdeiras, todas falando ao mesmo tempo, quase me sufocando com tantos pedidos e elogios.Não imaginei que as palavras de Jean naquele dia seriam tão certeiras. Na festa de aniversário da Sra. Auth, fiz uma verdadeira colheita de clientes VIPs e, mais uma vez, alcancei um dos pontos altos da minha carreira.Quando finalmente consegui acalmar e a
Quando minha avó soube da história, ficou visivelmente surpresa:— Isso já faz mais de dez anos! Eles ainda se lembram disso?Perguntei, curiosa:— A senhora sabia que as pessoas que vieram agradecer naquela época eram da família Auth? O pai do Jean, depois de se aposentar, foi morar na Serra Montanha.Minha avó ficou boquiaberta:— Como eu ia saber disso? Na época, só vi que o oficial tinha patente de general de divisão.— Depois ele se aposentou como general de exército. — Acrescentei.Tia Júlia arregalou os olhos, impressionada:— É uma família de peso… Ah, mas está longe do nosso alcance.— Tia Júlia, o que a senhora está pensando? Eles só estão retribuindo um favor, não é nada do que você está imaginando. — Falei, rindo, mas ao mesmo tempo reforçando mentalmente esse pensamento para mim mesma.— Ai, menina, estamos só conversando entre nós, não é como se estivéssemos falando isso para os outros. — Respondeu minha tia, casualmente.Minha avó suspirou, pensativa:— Se não fosse aque
Eu o encarei como se estivesse diante de um ser de outro planeta, completamente perplexa. Mais uma vez, Davi conseguiu superar os limites da minha compreensão:— É a primeira vez que ouço alguém transformar traição em um ato heroico, como se fosse um gesto altruísta e grandioso. Davi, suas escolhas são problema seu, eu não tenho nada a ver com isso. Mas as minhas escolhas também são problema meu, e você não tem o direito de interferir. E eu já te disse qual é minha decisão: divórcio. Não há volta.Davi manteve o mesmo tom firme de sempre:— Eu não aceito. Mesmo que você entre com uma ação no tribunal, enquanto eu não concordar, o juiz não vai decretar o divórcio.— É verdade, o tribunal tenta reconciliar as partes na primeira audiência. Mas na segunda, não tem conversa: o divórcio será decretado. É só uma questão de alguns meses. — Respondi, com a mesma firmeza.Ao perceber que eu não cederia, ele ficou em silêncio por alguns instantes. Depois de um breve intervalo, sua expressão mudou
— Ah, estive ocupada esses dias, fui adiando até agora. — Deixei o que estava fazendo de lado, peguei a fita métrica e olhei para Amélia. — Fique de pé, vou tirar suas medidas.Amélia deu um sorriso leve:— Você tão ocupada e ainda vai fazer isso pra mim?— É claro que sim! Fiz para toda a sua família, como poderia te deixar de fora? — Respondi com um sorriso.— Que maravilha!Enquanto eu media suas medidas, ela falava sem parar, alegre e descontraída. Primeiro reclamou que o irmão dela estava trabalhando como louco, fazendo horas extras, e que nos últimos dois dias tinha viajado a trabalho. Nem ela sabia para onde ele tinha ido.Depois começou a desabafar que a Sra. Auth estava insistindo em arrumar encontros para ela. "Uma fila de supostos bons partidos", como ela mesma descreveu, mas nenhum a agradava.Por dentro, eu pensava: "Então é por isso que não ouvi falar do Jean esses dias. Parece que está atolado no trabalho e ainda viajando."De repente, Amélia mudou de assunto:— Ei, Kiar
Davi sabia que minha especialidade era moda feminina. Ao longo dos anos, os prêmios que recebi foram, em sua maioria, relacionados a peças femininas. A única exceção foi meu projeto de conclusão de curso, que destacou-se no design de roupas masculinas.Aliás, essa peça ainda está exposta na vitrine da Faculdade de Design de Moda da Universidade Nexoto. Além disso, o terno que Davi usou no nosso casamento foi feito por mim, com todo o cuidado, e ficou absolutamente perfeito.Portanto, não era que eu não soubesse projetar roupas masculinas, mas sim que, por conta do foco da minha marca e do tempo limitado, acabei investindo mais na moda feminina.Quando ele me perguntou, não respondi. Não queria conversar com ele. Mas, no momento seguinte, ele acertou em cheio:— É para o Jean que você está fazendo.Ele nem usou uma pergunta, falou com certeza, como se soubesse a resposta.Continuei sem responder, endireitei a postura e, mais uma vez, tentei mandá-lo embora:— Você já pode ir. Aqui não é
Davi, por outro lado, não teve a mesma sorte. A tesoura de corte, afiada como um punhal, caiu verticalmente e perfurou sua perna, deixando um buraco profundo.Vi o sangue escorrer pelos dedos que ele pressionava contra o ferimento, manchando sua calça na altura do joelho. Meu coração ainda batia acelerado por causa do susto, mas, no fundo, não consegui conter o pensamento:"Bem feito. Quem procura, acha."Aquele incidente inesperado nos deixou paralisados por alguns segundos.O silêncio foi interrompido pela voz de Jean, que vinha do celular caído em algum lugar no chão. Ele parecia preocupado e chamava por mim com urgência.Voltei a mim e comecei a procurar o aparelho. Encontrei-o embaixo da mesa de trabalho, mas Davi também percebeu e tentou avançar para pegá-lo. Dessa vez fui mais rápida, agarrei o celular primeiro e me afastei dele, mantendo uma distância segura.— Alô, Sr. Jean...— Kiara, o que está acontecendo aí? Você está bem?A voz de Jean, sempre tão calma, soava atípica, ca