Eu gesticulava sem jeito, tentando encontrar as palavras certas para expressar o que queria dizer.Na verdade, o que eu queria perguntar era:"Se você sempre esteve prestando atenção em mim, por que nunca apareceu antes? E por que só agora resolveu se aproximar de repente?"Jean, percebendo minha dúvida, respondeu calmamente:— Eu só fiquei em Cidade Dondo por três anos. Depois, quando o batalhão do meu avô foi transferido, eu fui com ele. Na verdade, eu nunca imaginei que o destino nos faria nos reencontrar.Fiquei ainda mais curiosa. Franzi as sobrancelhas e perguntei:— E quando foi que nos encontramos de novo?— No ano em que você entrou na universidade.— O quê? — Minha surpresa só aumentava. Depois de pensar um pouco, perguntei. — Eu estudei na Universidade Nexoto. Você também é formado lá?— Sou, sim.Fiquei pasma. Nós éramos colegas de universidade!A Universidade Nexoto ficava em Cidade Saurimo, uma das melhores do país, com um ranking nacional entre os cinco primeiros. No ent
Era justamente por causa de seu talento excepcional e sua origem nobre que Jean, tão jovem, já ocupava o cargo mais alto na liderança da fábrica militar.Depois de tanta conversa, nós dois ficamos imersos em pensamentos. O silêncio se estendeu por alguns momentos. Apoiei as mãos na grade do terraço, olhando para a escuridão tranquila da noite. Na minha mente, as lembranças do passado começaram a se reorganizar, trazendo uma sensação estranha de arrependimento."Se nós não tivéssemos nos desencontrado na época da universidade, será que hoje as coisas seriam diferentes?"Não, provavelmente não seriam.Naquela época, eu era jovem e imatura, disposta a sacrificar tudo por amor. Não sei que tipo de encanto Davi tinha sobre mim, mas eu era completamente apaixonada e cega por ele.Nos tornamos oficialmente um casal no mesmo período em que descobri que ele estava doente. Qualquer garota sensata, com um pouco mais de racionalidade, teria se afastado ao calcular os prós e contras. Mas eu, com to
— Não é à toa que você sabe cozinhar, fazer sopa contra ressaca e tudo mais. — Comentei, lembrando da vez em que fiquei bêbada e ele, literalmente, "colocou a mão na massa" para cuidar de mim.— Isso não é nada. — Jean respondeu com um tom leve, como se fosse algo trivial.Depois de toda a conversa, minhas dúvidas finalmente estavam esclarecidas. Senti uma leveza tomar conta de mim, como se um grande peso tivesse sido retirado dos meus ombros. Meu humor estava muito melhor.Jean percebeu a mudança e, sorrindo, brincou:— Agora você já não acha mais que minha família está te tratando bem só para tirar seu sangue, né?Fiquei tão sem graça com a piada que senti meu rosto esquentar:— Me desculpe. Fui muito mesquinha ao pensar isso.— O importante é que agora está tudo explicado. Antes, eu não falei nada porque percebi que você não se lembrava dessas coisas e achei que não seria apropriado tocar no assunto. Além disso, você ia se casar. Se minha família fosse excessivamente atenciosa sem m
— Ai, eu também não gosto desse tipo de lugar barulhento, parece que minha cabeça vai explodir. — Amélia balançou a mão com impaciência e deu ordens ao garçom que a acompanhava. — Deixa aqui mesmo.O garçom colocou na mesinha da varanda uma variedade de petiscos, pratos e uma garrafa de vinho tinto, preenchendo todo o espaço disponível.— Kiara, senta aí, vai. Você mal comeu à noite, né? Come alguma coisa. — Amélia disse, acomodando-se e acenando para que eu fizesse o mesmo.Sem ter como recusar, acabei me sentando.— Amélia, você me enganou bonito, viu? Me ajudou várias vezes e eu nem sabia quem você era. — Resmunguei de maneira teatral, fingindo estar chateada.Amélia riu e respondeu:— "Fazer o bem sem olhar a quem", não foi isso que você me ensinou? Olha só você, salvando a vida do meu irmão várias vezes, e sempre saindo de fininho, sem esperar nenhum agradecimento.Não consegui segurar o riso. Do jeito que ela colocou, parecia mesmo que era assim.— Naquele dia, na porta do hospit
— Srta. Kiara, suas mãos são realmente mágicas! Ouvi dizer que você tem um ateliê próprio, onde fica? — Uma das damas me perguntou, com olhos brilhando de curiosidade.— Srta. Kiara, você tem algum tempo nos próximos dias? Minha filha vai para a Alemanha participar de um concurso internacional de piano, e eu gostaria que você fizesse um vestido de gala sob medida para ela. — Outra interrompeu, ansiosa.— Srta. Kiara, você já pensou em fazer parcerias? Estou interessada em representar sua marca. Quando poderia conversar comigo sobre isso? — Disse uma terceira, cheia de entusiasmo.Eu estava completamente cercada por um grupo de senhoras e jovens herdeiras, todas falando ao mesmo tempo, quase me sufocando com tantos pedidos e elogios.Não imaginei que as palavras de Jean naquele dia seriam tão certeiras. Na festa de aniversário da Sra. Auth, fiz uma verdadeira colheita de clientes VIPs e, mais uma vez, alcancei um dos pontos altos da minha carreira.Quando finalmente consegui acalmar e a
Quando minha avó soube da história, ficou visivelmente surpresa:— Isso já faz mais de dez anos! Eles ainda se lembram disso?Perguntei, curiosa:— A senhora sabia que as pessoas que vieram agradecer naquela época eram da família Auth? O pai do Jean, depois de se aposentar, foi morar na Serra Montanha.Minha avó ficou boquiaberta:— Como eu ia saber disso? Na época, só vi que o oficial tinha patente de general de divisão.— Depois ele se aposentou como general de exército. — Acrescentei.Tia Júlia arregalou os olhos, impressionada:— É uma família de peso… Ah, mas está longe do nosso alcance.— Tia Júlia, o que a senhora está pensando? Eles só estão retribuindo um favor, não é nada do que você está imaginando. — Falei, rindo, mas ao mesmo tempo reforçando mentalmente esse pensamento para mim mesma.— Ai, menina, estamos só conversando entre nós, não é como se estivéssemos falando isso para os outros. — Respondeu minha tia, casualmente.Minha avó suspirou, pensativa:— Se não fosse aque
Eu o encarei como se estivesse diante de um ser de outro planeta, completamente perplexa. Mais uma vez, Davi conseguiu superar os limites da minha compreensão:— É a primeira vez que ouço alguém transformar traição em um ato heroico, como se fosse um gesto altruísta e grandioso. Davi, suas escolhas são problema seu, eu não tenho nada a ver com isso. Mas as minhas escolhas também são problema meu, e você não tem o direito de interferir. E eu já te disse qual é minha decisão: divórcio. Não há volta.Davi manteve o mesmo tom firme de sempre:— Eu não aceito. Mesmo que você entre com uma ação no tribunal, enquanto eu não concordar, o juiz não vai decretar o divórcio.— É verdade, o tribunal tenta reconciliar as partes na primeira audiência. Mas na segunda, não tem conversa: o divórcio será decretado. É só uma questão de alguns meses. — Respondi, com a mesma firmeza.Ao perceber que eu não cederia, ele ficou em silêncio por alguns instantes. Depois de um breve intervalo, sua expressão mudou
— Ah, estive ocupada esses dias, fui adiando até agora. — Deixei o que estava fazendo de lado, peguei a fita métrica e olhei para Amélia. — Fique de pé, vou tirar suas medidas.Amélia deu um sorriso leve:— Você tão ocupada e ainda vai fazer isso pra mim?— É claro que sim! Fiz para toda a sua família, como poderia te deixar de fora? — Respondi com um sorriso.— Que maravilha!Enquanto eu media suas medidas, ela falava sem parar, alegre e descontraída. Primeiro reclamou que o irmão dela estava trabalhando como louco, fazendo horas extras, e que nos últimos dois dias tinha viajado a trabalho. Nem ela sabia para onde ele tinha ido.Depois começou a desabafar que a Sra. Auth estava insistindo em arrumar encontros para ela. "Uma fila de supostos bons partidos", como ela mesma descreveu, mas nenhum a agradava.Por dentro, eu pensava: "Então é por isso que não ouvi falar do Jean esses dias. Parece que está atolado no trabalho e ainda viajando."De repente, Amélia mudou de assunto:— Ei, Kiar